Com Juan Carlos, assentaram as bases para a pacífica transição à democracia na Espanha.
Por David Paiva*
Vai-se Juan Carlos Borbón y Borbón, feito rei em 1975. O generalíssimo Francisco Franco, um dos ditadores mais longevos do mundo, governava a Espanha desde 1939. A monarquia estava abolida no país desde 1931, mas, ao aproximar-se do fim, o generalíssimo fez o que acreditava ser a sua missão sobre a terra – restaurar o regime monárquico e devolver o poder aos Borbón, depois de varrer da Espanha o horror ateu da República e do comunismo.
Juan Carlos era neto de Afonso XIII, último rei que reinara por lá. Nasceu em Roma, onde o avô se asilara, e ainda menino de 10 anos foi viver na Espanha da sua família real. Se algum dia viesse a ser rei, a família não queria que fosse um monarca com sotaque, mas um espanhol pleno. Até que o dia chegou, com a morte de Franco: o jovem Juan Carlos assumiu a chefia do Estado.
A Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) fora um dos mais violentos conflitos da Europa moderna. Levante de militares monarquistas contra o regime republicano, sob o comando do general Francisco Franco, a luta se ampliou em ensaio geral da Segunda Grande Guerra. Forças fascistas e nazistas intervieram a favor de Franco; caças alemães, testando novas armas, cometeram o mais chocante dos crimes da guerra, com o bombardeio da aldeia basca de Guernica, justamente na hora do fim da feira semanal em que camponeses reuniam-se na praça. Morreram cerca de mil pessoas, massacre sem nenhum sentido militar, exceto o puro terror. (Quem podia intervir a favor do governo legal republicano era a Inglaterra, mas a essa altura Churchill ainda não havia chegado ao governo e os ingleses queriam era paz com Alemanha.)
Era natural que, se a Espanha pré-Guerra Civil já se fracionara em partidos e grupos radicais, mais dividido e cheio de ódios ficou depois. Foi a esse país que chegou o novo rei, ao final do franquismo. Logo Juan Carlos se pôs a colaborar para que a Espanha descobrisse o caminho do entendimento e da convivência democrática. O massacre de Guernica (com o painel de Picasso a lembrá-lo assombrosamente) e o cerco de Madri, que falava da heroica resistência derrotada dos republicanos, eram ainda fatos nítidos na memória espanhola. E então vinha justamente um rei querendo criar laços e acordos...
Não mais que dois anos depois da coroação de Juan Carlos, concluíram-se os Acordos de Moncloa, que assentaram as bases para a pacífica e completa transição para a democracia na Espanha. Claro, Moncloa não foi obra do rei – em ação havia estadistas, instituições, centrais sindicais, e havia o hábil Adolfo Suarez, presidente do conselho de ministros. Mas, querendo ou não os espanhóis, um rei fazia parte do jogo. E ali, naquele lugar e hora, tamanho personagem significava quase uma garantia de turbulência. Não foi o que aconteceu.
Juan Carlos se vai agora deixando um país muito melhor que aquele que encontrou, apesar das críticas, das denúncias de corrupção na família real, e também da pura antipatia por poderosos hereditários. Meia Espanha deseja outra vez uma república. Talvez a monarquia não seja mesmo um regime e uma preferência racionais. Talvez Juan Carlos não tenha sido mais que uma pirraça de Franco que durou mais que se esperava. Ou será que um rei tem a ver com certa paz social de lugares como quase toda a Europa Ocidental? Mesmo que seja só por satisfazer a humana fantasia, que tanto ama as rainhas... (nada a reclamar: não somos capazes de amar até cantores de rock?).
Vai-se Juan Carlos Borbón y Borbón, feito rei em 1975. O generalíssimo Francisco Franco, um dos ditadores mais longevos do mundo, governava a Espanha desde 1939. A monarquia estava abolida no país desde 1931, mas, ao aproximar-se do fim, o generalíssimo fez o que acreditava ser a sua missão sobre a terra – restaurar o regime monárquico e devolver o poder aos Borbón, depois de varrer da Espanha o horror ateu da República e do comunismo.
Juan Carlos era neto de Afonso XIII, último rei que reinara por lá. Nasceu em Roma, onde o avô se asilara, e ainda menino de 10 anos foi viver na Espanha da sua família real. Se algum dia viesse a ser rei, a família não queria que fosse um monarca com sotaque, mas um espanhol pleno. Até que o dia chegou, com a morte de Franco: o jovem Juan Carlos assumiu a chefia do Estado.
A Guerra Civil Espanhola (1936 a 1939) fora um dos mais violentos conflitos da Europa moderna. Levante de militares monarquistas contra o regime republicano, sob o comando do general Francisco Franco, a luta se ampliou em ensaio geral da Segunda Grande Guerra. Forças fascistas e nazistas intervieram a favor de Franco; caças alemães, testando novas armas, cometeram o mais chocante dos crimes da guerra, com o bombardeio da aldeia basca de Guernica, justamente na hora do fim da feira semanal em que camponeses reuniam-se na praça. Morreram cerca de mil pessoas, massacre sem nenhum sentido militar, exceto o puro terror. (Quem podia intervir a favor do governo legal republicano era a Inglaterra, mas a essa altura Churchill ainda não havia chegado ao governo e os ingleses queriam era paz com Alemanha.)
Era natural que, se a Espanha pré-Guerra Civil já se fracionara em partidos e grupos radicais, mais dividido e cheio de ódios ficou depois. Foi a esse país que chegou o novo rei, ao final do franquismo. Logo Juan Carlos se pôs a colaborar para que a Espanha descobrisse o caminho do entendimento e da convivência democrática. O massacre de Guernica (com o painel de Picasso a lembrá-lo assombrosamente) e o cerco de Madri, que falava da heroica resistência derrotada dos republicanos, eram ainda fatos nítidos na memória espanhola. E então vinha justamente um rei querendo criar laços e acordos...
Não mais que dois anos depois da coroação de Juan Carlos, concluíram-se os Acordos de Moncloa, que assentaram as bases para a pacífica e completa transição para a democracia na Espanha. Claro, Moncloa não foi obra do rei – em ação havia estadistas, instituições, centrais sindicais, e havia o hábil Adolfo Suarez, presidente do conselho de ministros. Mas, querendo ou não os espanhóis, um rei fazia parte do jogo. E ali, naquele lugar e hora, tamanho personagem significava quase uma garantia de turbulência. Não foi o que aconteceu.
Juan Carlos se vai agora deixando um país muito melhor que aquele que encontrou, apesar das críticas, das denúncias de corrupção na família real, e também da pura antipatia por poderosos hereditários. Meia Espanha deseja outra vez uma república. Talvez a monarquia não seja mesmo um regime e uma preferência racionais. Talvez Juan Carlos não tenha sido mais que uma pirraça de Franco que durou mais que se esperava. Ou será que um rei tem a ver com certa paz social de lugares como quase toda a Europa Ocidental? Mesmo que seja só por satisfazer a humana fantasia, que tanto ama as rainhas... (nada a reclamar: não somos capazes de amar até cantores de rock?).
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é escritor.
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