domingo, 1 de junho de 2014

Posso lhe contar umas coisas íntimas?

Gilmar P. da Silva SJ*
Desculpa-me se vou ser pessoal demais. É que venho falar da minha infância. Narrar memórias em tom dissertativo me parece um tanto esquizoide. Como eu falaria do Gilmar? Trataria a mim mesmo como sendo um outro? Não. Isso pode servir ao Edson/Pelé, não a mim. Quando partilhamos memórias, devemos fazer de modo íntimo. Aliás, é a maneira que encontrei de homenagear a artista que me ajudou a despertar tais lembranças e, assim, honrar sua memória.
Quando criança, ocorria com certa frequência a queda de energia no bairro. Era um corre-corre para achar fósforos e velas. Toda a gente ia para a rua saber as razões do apagão. Eu não entendia a ansiedade que isso causava nos adultos. Era tão legal brincar com as sobras projetadas pela vela, poder ver um número maior de estrelas e descobrir que na minha rua tinha vagalume! Sim. Vagalumes! A claridade das luzes artificiais impedia que se visse a beleza das pequenas luzes e das divertidas sombras.
Lembrei disso ano passado enquanto assistia a peça Presente de Vô, do grupo Ponto de Partida, de Barbacena, com a participação dos Meninos de Araçuaí. Foi durante a cena dos vagalumes. Era uma peça infantil, mas não resisti. Chorei. Entretanto, não pense que chorei à toa. É que antes houvera uma cena em que a personagem Temporina visitara o quarto onde guardava suas lembranças da infância. Quando abriu a porta, deparou-se com suas memórias escapando pela janela aberta. Nesse momento, em que as recordações infantis se esvaíam, a personagem multicolorida ficava, literalmente, preto-e-branca. Sem elas, a gente perde a cor, desaprende a brincar, não sabe mais se encantar com as coisas pequenas e se irrita quando a luz acaba.
A peça estará em cartaz, novamente, nos dias 7 e 8 de junho, na Estação Ponto de Partida, em Barbacena. Tudo estará belíssimo, como tudo o que o grupo faz. Mas vai faltar alguém que embalou minhas recordações com uma música do folclore africano. Faleceu recentemente a atriz Dani Black, que representava a personagem Calunga na peça. Sua voz suave cantando Thula Thula fazia sentir o embalo de um colo terno.  Conversei brevemente com ela após a peça – o grupo sempre tem esse carinho de se aproximar do público – e, depois, por rede social. Eu não era seu amigo, só a conhecia como um fã. Contudo, sou-lhe grato pela poesia de sua interpretação.
Quero manifestar minha gratidão à ela e ao grupo elogiando seu trabalho. Presente de Vô é uma peça de beleza ímpar. Não só pelas interpretações, mas também pelo trabalho musical intenso desenvolvido pelo grupo. Quem não puder ir à peça, ao menos pode adquirir a coleção, de 4 CDs, com as músicas do espetáculo, disponível no site loja.grupopontodepartida.com.br. Músicas de Tom, Milton, Chico, Gil e Caetano se somam a canções folclóricas, tradicionais e indígenas, bem como a composições feitas especialmente para a peça. Além dos Meninos de Araçuaí e do elenco do Ponto de Partida, há a colaboração da virtuosíssima Marlui Miranda, do grupo instrumental Pau Brasil e outras nomes. Ao total, são 44 músicas que me ajudaram a recobrar muitas histórias e recuperar minhas cores. Obrigado Dani, a diretora Regina Bertola e ao grupo. Hoje eu encontro vagalumes.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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