sexta-feira, 4 de julho de 2014

A mudança dos bispos mexicanos

As críticas dos bispos mexicanos à reforma de Peña Nieto representam uma mudança desesperada de rota por parte das elites católicas para encaixar-se nos desígnios de Roma.
O presidente Enrique Peña Nieto antecipava a oposição às suas reformas por parte das autoridades do México, receosas pela perda de seus privilégios, mas nunca acreditou que um dos críticos mais ferozes fosse a cúpula eclesiástica. E, todavia, os líderes da Igreja católica no país lançaram seguidos ataques públicos às políticas do governante priista e, de uma forma muito particular, às suas reformas. O curioso é que as críticas não se originaram pela perda de privilégios, mas pela defesa dos oprimidos. E essa é que é a novidade.

“Não haverá reforma que nos ajude a superar as intoleráveis desigualdades e injustiças sociais que nos levam a estar mais preocupados com a vida particular dos artistas do que com o sofrimento dos migrantes trazidos de trem por não terem como pagar as extorsões”, afirmou um editorial de meados de junho de um jornal oficial da Arquidiocese do México, considerado o órgão de expressão dos bispos mexicanos. O texto acrescenta severas críticas ao partido que governo o país, “uma classe faminta de poder” que corrompeu a reforma eleitoral impedindo a transparência e a participação cidadã.

O confronto tem sido muito surpreendente. Durante décadas cardeais e bispos mexicanos constituíram um aliado dócil e incondicional às políticas emanadas do poder. Longe de mudar este panorama, a chegada de Enrique Peña Nieto à Los Pinos, residência oficial mexicana, parecia que iria acentuá-lo. O novo presidente mexicano procede de uma região profundamente católica e foi formado em escolas e universidades confessionais. Suas visitas ao Vaticano como governador, como candidato presidencial, e agora como presidente, tiveram alta prioridade em sua agenda internacional. E para ninguém é desconhecido o enorme esforço que significou anular seu casamento anterior com Angélica Rivera para que o presidente pudesse se casar no âmbito religioso no verão de 2012.

O que modificou nesta equação de mútua complacência procede de uma variável externa: a ascensão ao Vaticano de um pontífice que não se esperava. Depois de quarenta anos de intervenções da Santa Sé sobre a hierarquia eclesiástica latino-americana para banir qualquer vestígio da chamada “Igreja dos pobres”, os bispos da região buscam de maneira desesperada adequar-se a uma narrativa papal que os tomou de surpresa.

Os bispos da região buscam, de maneira desesperada, adequar-se a uma narrativa papal que, ao longo dos meses do Papa Francisco, tem gerado uma mudança dramática nas posições até então estáticas da Igreja, que vão desde o tema da pobreza até assuntos relacionado com a “zona da cintura para baixo”, como referiu-se a homossexualidade e a contracepção. E, uma e outra vez nos últimos meses, pediu a seus bispos que mostrassem maior flexibilidade frente às novas tendências sociais.

Contudo é no tema da pobreza e da corrupção, incluindo a eclesiástica, que suas posições foram mais longe. “Não se pode falar de pobreza se ela não for experimentada com uma inserção direta nos lugares nos quais se vive”. “Não se pode falar de pobreza, de pobreza abstrata, esta não existe! A pobreza é a carne de Jesus pobre, nesse menino que tem fome, que está doente, nessas estruturas sociais que são injustas”.

No domingo passado, na Praça de São Pedro, o Papa atacou novamente a corrupção dos poderosos, um tema cada vez mais recorrente em suas homilias, que incluindo a corrupção eclesiástica. Durante a missa fez um apelo explícito aos bispos  para que “não busquem o apoio daqueles que têm o poder”.

As críticas dos bispos mexicanos à reforma de Peña Nieto, parece, que incluem-se nessa mudança de rota desesperada por parte das elites católicas para encaixar-se aos desígnios de Roma.

Contudo nem todos os altos clérigos estão de acordo. O arcebispo hondurenho Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, resgatado pelo Papa do exílio que foi condenado por suas ideias “socialistas”, falou de uma crescente rebelião contra Francisco entre a hierarquia eclesiástica conservadora. “Que pretende este argentininho?” disse que falaram. E algum cardeal haveria sentenciado um “Nos equivocamos”. (citado por Alma Guillermo Prieto em um excelente perfil sobre o papa argentino, em Medium.com).

A batalha entre o Papa e seus bispos está apenas começando e podemos assumir que será soterrada e disfarçada por, como costumam dizer, “a maneira que Deus costuma trabalhar”. E já está acontecendo, para surpresa e confusão do presidente mexicano.
El País

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