sábado, 19 de julho de 2014

Cristãos e a igreja de barro

Padre Almir Magalhães*
O segundo capítulo do livro do Gênesis (2, 1-7) mostra a humanidade como o centro da criação: “Quando Javé Deus fez a terra e o céu, não haviam brotado nem capim nem plantas, pois o Senhor ainda não tinha mandado chuvas, e não havia ninguém para cultivar a terra. Então Javé Deus modelou o homem com a argila do solo, soprou-lhes nas narinas um sopro de vida, e o homem tornou-se um ser vivente” (2, 4 -7). Este é o fundamento bíblico em que me apoio, para traduzir meu pensamento a partir do título do artigo.

O ser humano é barro, pode desmoronar a qualquer momento. Ele pode caminhar com pé de barro? Como é possível contemplar a vida, as belezas da criação com olhos de barro? Seria possível amar com coração de barro? “No entanto, este barro vive! Em seu interior há um sopro que o faz viver. É o sopro de Deus. Seu Espírito vivificador” (Antonio Pagola, in O Caminho aberto por Jesus – João, Vozes, 2013, p.245).

É preciso entender a afirmação em seu interior há um sopro que o faz viver em dupla chave: em primeiro lugar como dom de Deus, do Seu Espírito que dá vida e a capacidade de “dominar o mundo” e também como conquista, como acolhimento, docilidade ao Espírito que dá entusiasmo à vida, que conduz o cristão e a Igreja a se colocar na defesa da vida, como advogada da justiça e defensora dos pobres (Doc. Aparecida 395/533) da vida em todas as suas fases, ou seja, desde a sua gestação até o seu último momento.

Dizer que em seu interior há um sopro que o faz viver, não significa a mesma coisa que animação litúrgica, alegria emotiva durante as celebrações chegando até ao compreensível choro ou outros momentos da vida das comunidades paroquiais, áreas pastorais, novas comunidades, mas significa estar a serviço da vida, testemunhar que a adesão à pessoas e proposta de Jesus Cristo, significa dizer que leva a sério o batismo recebido e o papel da Igreja no mundo e na sociedade, que passa por optar pelos mais pobres, sem preconceitos ou justificativas de que isto é da Teologia A ou B, mas como uma realidade implícita na fé cristológica (Doc. Aparecida 392 – Papa Bento XVI). Significa enfim cristãos e Igreja que estão a serviço da vida plena para todos.

A Igreja deverá ser sempre entendida desta forma – barro animada pelo Espírito de Jesus. Ser de barro significa dizer que será sempre frágil, sem o Espírito a Igreja e os cristãos seremos sem vida, uma comunidade incapaz de ser motivada pela esperança e de ser sinal e instrumento do Reino de Deus.

Relevantes as palavras do Teólogo Antonio Pagola quando afirma: A Igreja “pode pronunciar palavras sublimes sem comunicar o sopro de Deus aos corações. Pode falar com segurança e firmeza sem afiançar a fé das pessoas. Onde vai ela tirar esperança, se não do sopro de Jesus? Como vai defender-se da morte sem o Espírito do Ressuscitado? Sem o Espírito criador de Jesus, podemos acabar vivendo numa Igreja que se fecha a toda renovação”. (A.Pagola, O caminho aberto por Jesus – João, Vozes 2013, p. 246).

O Papa Francisco em muitos pronunciamentos, de forma implícita e explícita, tem orientado a nós cristãos a nos empenharmos por esta transição (de cristãos e Igreja de barro para cristãos e Igreja animados pelo Espírito), cristãos e Igreja que sejam conscientes da responsabilidade missionária da Igreja, de que temos um papel importante no mundo. Este sopro, como podemos ver neste texto, pode ser expresso por uma presença nossa que tenha um papel humanizador, numa sociedade que se aproxima lamentavelmente da barbárie.

*Sacerdote da Arquidiocese de Fortaleza e diretor da Faculdade Católica de Fortaleza

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