Gilmar P. da Silva SJ*
Quero lançar um desafio: educar o olhar – o que pode começar com a leitura deste texto e não somente uma “batida de olho”. Em um cotidiano invadido por imagens de toda ordem e no qual se tenta captar em fotografia tudo o que encanta a vista, olhamos e não vemos. Não há tempo para digerir a imagem. E de tanta visão se chega a cegueira. Como um comedor compulsivo que não se dá conta do que ingeriu, o olhar voraz também não se dá conta do que viu. Talvez por isso hajam tantos invisíveis na sociedade. Pouca coisa impacta ao olhar.
O Barroco
Antes de continuar, voltemo-nos ao Barroco. Desde o século 19, vêm sido cunhadas diversas definições do que ele seja. Esse termo, geralmente, serve para classificar um estilo artístico que data de 1600 a 1750, mais ou menos. Não obstante, o conceito ultrapassou os limites da arte, chegando ser considerado como uma cultura. Fala-se de uma mentalidade, de um homem, de um espírito barrocos. Por isso, há quem considere a impossibilidade da determinar sua época, com início e fim. Isso porque, segundo essa perspectiva, tal modo de pensar e agir subsistiria ainda hoje.
Das características da produção, dita, barroca, pode-se dizer da mimeses. O artista não “inventava”; pautava-se em modelos reconhecidos. Característica fundada em outra, a da adequação. A coisa deveria ser sempre conveniente, conforme seu contexto (gênero, ocasião, recepção etc.). A obra se tornaria diferente do modelo no qual se pautava pela a agudeza de engenho, a perspicácia sutil do artista em elevá-la à perfeição. Com frequência, a cópia superava a original, deixando de ser mera imitação. Passava a trazer em si novas nuances não contidas no modelo anterior. A cada Virgem retratada, por exemplo, buscava-se chegar, se assim podemos dizer, à sua essência, atentando sempre à sua participação no “Belo” e “Verdadeiro”. Daí é que vêm o esplendor das formas, proporções e modos de ornar. A arte recorria às metáforas e amplificações com o intuito de maravilhar quem a contemplava. Do deleite estético chegava-se a um mover do coração, sede das decisões humanas. E esse mover previa a ordenação da vida.
A arte barroca promovia uma educação do olhar. Aquilo que se via deveria gerar um impacto, uma comoção tal que levasse o sujeito a ordenar a vida na disposição daquilo que era contemplado. O esplendor das igrejas barrocas traduzia em imagens o indizível das realidades da fé. A eternidade era colada ao tempo em formas, texturas e sobreposições de modo que o indivíduo finito e temporal imergisse na esfera do transcendente. Sagrado e profano não só se tocavam, entrecruzavam-se. A sacralidade barroca era profundamente humana. Uma perspectiva que as mentalidades binárias não dão conta de acompanhar.
Exposição Barroco Itália Brasil – Ouro e Prata
Para uma educação do olhar, cabe sempre uma experiência barroquizante. Nesse sentido, a Casa Fiat de Cultura está com uma exposição fantástica até o dia 7 de Setembro, “Barroco Itália Brasil – Prata e Ouro”. Consiste na mostra de 20 esculturas em prata, provenientes de importantes museus e coleções italianas, e mais 20 obras policromadas de artistas brasileiros. As peças traduzem a face luminosa do barroco italiano e a riqueza do período colonial. Mas não só isso. Algumas palestras serão ministradas, bem como uma extensa programação paralela que pode ser conferida no site casafiat.com.br.
Para o desafio ser cumprido, sugiro um mergulho na experiência. Que tal desligar o celular ao entra na casa, deter-se o tempo que for preciso diante de uma escultura e participar de uma oficina sem a preocupação de fazer algo depois? Esse pode ser o passo decisivo para sair de um simples ver e adentrar na esfera complexa do contemplar.
*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.
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