Dignidade tem a ver com o valor de algo e, por isso, com o respeito que lhe é devido
Gilmar P. da Silva SJ*
Ao sair do filme Grande Hotel Budapeste, fiquei com uma questão: Que coisa é essa, a dignidade? A pergunta me voltou novamente após a derrota da Seleção Brasileira de Futebol no jogo contra a Alemanha, quando seu técnico respondia com hombridade aos jornalistas. Sua maior afirmação era algo a respeito de que um jogo não determinava o valor da seleção nem do trabalho feito até então. Mesmo diante do fracasso, Scolari não perdeu a dignidade.
Dignidade tem a ver com o valor de algo e, por isso, com o respeito que lhe é devido. Algumas vezes se refere à patente de alguém, que não é outra coisa senão o reconhecimento de seus méritos e grandeza, coisa que confere statusdiferenciado em determinada hierarquia. Com frequência, ela pede respeito, reverência. É o que leva alguém a se vestir de modo mais formal em determinada ocasião, a ficar de pé para cumprimentar alguém, a responder com elegância a uma grosseria. Se isso não se der pela consideração da dignidade de outrem, ao menos o é pela de si. Há coisas que não são dignas do outro nem de mim.
No filme de Wes Anderson há um personagem central, o concierge Gustave (Ralph Fiennes), do hotel homônimo ao filme. Em determinada cena, ele está completamente esfarrapado. Contudo, põe uma gravata e um pouco de perfume caso necessite tomar o vagão-restaurante do trem no qual embarca. Um exemplo cômico, mas verdadeiro, de dignidade! Ainda que situações adversas e constrangedoras possam se afigurar humilhantes, a consciência do próprio valor permite erguer a cabeça e até rir da própria situação. Uma percepção tal que, deveras, confunde-se com o orgulho. Este, por sua vez, pode ser uma consideração superior de si. A anterior não. Ela, a dignidade, é ciência e estima de si ou do outro. Aliás, ambas as considerações costumam caminhar juntas. Quem faz justa medida de si, por isso mesmo, costuma ter justa medida do outro. Afinal, não é capaz de atirar pedra quem é ciente (existencialmente) do próprio pecado. Apesar de qualquer defeito, toda vida tem valor.
Mas, onde estaria a dignidade de alguém? Ora, não está em um por detrás, mas na pessoa toda. Às vezes pode-se incorrer no erro de procura-la em uma instância profunda e acabar desprezando o todo. Se você tira as camadas de uma cebola em busca de sua essência, acaba se frustrando. Ela está em cada uma de suas camadas e todas fazem a cebola. De modo similar, o filme também trabalha com níveis. Uma moça vai ao memorial em honra de um escritor e diante de seu busto, saca o livro do qual ele é autor. Em seguida, o filme nos remete ao escritor que narra uma história de sua juventude. Somos lançados ao passado, quando o dono do hotel lhe conta o como este foi adquirido. Voltamos mais ainda no tempo. Uma história, dentro de uma outra história, dentro de outra e outra. Nessas camadas há um hotel cujo charme decadente rememora seus tempos de esplendor. Há um velho cuja melancolia não esconde a vivacidade. Uma localidade fictícia, Zubrowka, arrasada pela guerra mas que fora de grande importância. No meio de tudo isso há um rapazinho apelidado de Zero, dada a nulidade que representa sua vida. É esse menino sem importância o grande herói da história. Mesmo um “zero à esquerda” tem dignidade e há de se fazer jus ao seu valor. Há dignidade em tudo o que se apresenta decadente e fracassado.
Detalhes do filme
O filme é uma comédia leve, mas profunda, cujos detalhes e camadas extravasam a ficção. O perfume de que se fala,L’Air de Panache, foi desenvolvido especialmente para o filme pela francesa Nose e se encontra no site da empresa. A receita do cobiçadíssimo doce Courtesan au Chocolat foi disponibilizado no YouTube. E até o país fictício tem site oficial! Mas não só. O filme se baseia também na história de Stefan Zweig, autor do livro “Brasil, país do futuro”, que fugira para o Brasil, na década de 40, do avanço nazista sobre a França. Zweig tinha um olhar positivo para o Brasil, mesmo em tempo de ditadura, o que o levou a escrever um livro elogioso sobre nossas terras.
Dignidade e Copa
Se tivesse vivo, talvez Zweig se juntasse ao povo que cantava nos jogos ser brasileiro “com muito orgulho, com muito amor”, dado o carinho pelo país que nutria desde a adolescência. O contrário pôde ser visto na Vila Madalena, na cidade de São Paulo, quando alguns torcedores queimaram a bandeira do Brasil, reduzindo o País ao resultado de um jogo. Parece-me que nosso cenário tem muitas camadas e, por isso, seja muito mais complexo para atitudes infantis. O valor de uma nação não está em um jogo da Copa. Aliás, uma de nossas características como povo sempre foi a de se reinventar, mesmo diante das mazelas sociais que atravessamos. Não será uma derrota no esporte ou a má gerência de governantes que nos fará perder a dignidade. Ou será?
Links do filme
O perfume L’Air de Panache: http://nose.fr/en/brands/the-grand-budapest-hotel/l-air-de-panache
A receita do Courtesan au Chocolat: https://www.youtube.com/watch?v=Fx5lZkpDxnc
O site de Zubrowka: http://www.akademiezubrowka.com
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