Cientista político lembrou que, no Brasil, muitos projetos nem saíram do papel.
A vitória da seleção na Copa será decisiva para a percepção dos brasileiros sobre as vantagens de terem sediado um Mundial. Porém, dificilmente haverá um legado. Essa é a avaliação do cientista político Jules Boykoff, professor da Pacific University, nos EUA, e estudioso do impacto das Copas e da Olimpíadas nos países-sede.
"Se a seleção ganhar, todo mundo encarará a Copa como um sucesso. Mas isso representar receita ou legado de obras, Copas anteriores mostram que é muito difícil", diz Boykoff.
Segundo ele, uma eventual derrota do Brasil causaria um "desânimo generalizado", podendo trazer de volta os protestos enfraquecidos pelo clima de festa e pela "brutalidade da polícia".
Eis a entrevista:
Você vem estudando o legado das Copas e das Olimpíadas ao redor do mundo. O que podemos esperar do pós-Copa no Brasil?
Em outros lugares, o legado tem sido decepcionante. Mas depende muito do país. Por exemplo, em Vancouver, para os Jogos de Inverno de 2010, conseguiram construir uma ferrovia do aeroporto para o centro, o que é visto como um legado muito positivo. Mas a África do Sul, que sediou a Copa em 2010, construiu um monte de estádios que são muito pouco usados hoje. No Brasil, não estou muito otimista. É só olhar o estádio caro que construíram em Manaus [cerca de R$ 670 milhões] e que dificilmente será usado com a capacidade máxima. Além disso, muitos projetos nem saíram do papel. É isso o que normalmente acontece nos megaeventos --é um sufoco para terminar de construir os estádios, enquanto outros projetos essenciais de infraestrutura são simplesmente adiados.
O que é o "capitalismo de celebração" dos megaeventos?
Celebração é um estado de exceção, em que regras normais são suspensas, e a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são celebrações. O que ocorre durante esse período é que o público paga enormes quantias para realizar os eventos, e as empresas é que saem com os lucros. Ou seja, o dinheiro do contribuinte é direcionado para esses eventos e, depois, os políticos afirmam que é necessário apertar os cintos, implementar medidas de austeridade, cortar programas, porque todo aquele dinheiro foi gasto.
Havia uma expectativa de que a Copa no Brasil seria um fracasso, com estádios inacabados, aeroportos caóticos e grandes protestos. Fomos pessimistas demais?
Nas vésperas de megaeventos, as pessoas entram em pânico em relação à infraestrutura, isso é um padrão. Mas, na questão dos aeroportos, é importante se lembrar do fator "espanta-turistas". Economistas já detectaram que uma boa parcela dos turistas deixa de ir para os países-sede por causa dos preços inflacionados e do medo de que haverá muita gente. Muitos preferem tirar férias no Rio em uma época em que não haja milhares de torcedores estrangeiros bêbados. Portanto, se tivéssemos o fluxo normal de viajantes mais o turismo da Copa, aí sim poderíamos ter tido problemas.
E os protestos? Por que não foram tão grandes?
Os protestos habitualmente ocorrem com mais força antes dos eventos. Os manifestantes têm uma tarefa difícil, porque, por um lado, o mundo todo está assistindo e é uma boa oportunidade [para protestar]. Por outro, é fácil o governo ou a mídia retratá-los como "estraga-prazeres". No Brasil, chamou a atenção a brutalidade da polícia ao lidar com manifestantes, o que certamente dissuadiu muitos, principalmente da classe média, de participarem. Mas há um fator mais cultural: o que vai acontecer se o Brasil for eliminado? Aí a contradição vai ficar mais evidente --as pessoas no Brasil vão se sentir pagando uma festa para outros países, vai haver um desânimo generalizado que pode abrir as portas para a volta dos protestos.
O Brasil ganhará com a Copa?
Há certos grupos que se beneficiam temporariamente, como empresas de construção --especialmente as bem conectadas--, especuladores imobiliários e turistas, que vão para se divertir. Mas não devemos esperar que moradores das cidades ganhem dinheiro ou obras muito úteis. Mas também não podemos ignorar o fato de que sediar a Copa do Mundo é muito divertido, une as pessoas, e daí vêm os ganhos intangíveis, como o chamado "fator bem-estar". Mas, sem colocar ainda mais pressão sobre a seleção brasileira, muito vai depender do desempenho na Copa. Se ganhar, todo mundo encarará a Copa como um sucesso. Mas isso representar receita ou legado de obras úteis, Copas anteriores mostram que é muito difícil.
"Se a seleção ganhar, todo mundo encarará a Copa como um sucesso. Mas isso representar receita ou legado de obras, Copas anteriores mostram que é muito difícil", diz Boykoff.
Segundo ele, uma eventual derrota do Brasil causaria um "desânimo generalizado", podendo trazer de volta os protestos enfraquecidos pelo clima de festa e pela "brutalidade da polícia".
Eis a entrevista:
Você vem estudando o legado das Copas e das Olimpíadas ao redor do mundo. O que podemos esperar do pós-Copa no Brasil?
Em outros lugares, o legado tem sido decepcionante. Mas depende muito do país. Por exemplo, em Vancouver, para os Jogos de Inverno de 2010, conseguiram construir uma ferrovia do aeroporto para o centro, o que é visto como um legado muito positivo. Mas a África do Sul, que sediou a Copa em 2010, construiu um monte de estádios que são muito pouco usados hoje. No Brasil, não estou muito otimista. É só olhar o estádio caro que construíram em Manaus [cerca de R$ 670 milhões] e que dificilmente será usado com a capacidade máxima. Além disso, muitos projetos nem saíram do papel. É isso o que normalmente acontece nos megaeventos --é um sufoco para terminar de construir os estádios, enquanto outros projetos essenciais de infraestrutura são simplesmente adiados.
O que é o "capitalismo de celebração" dos megaeventos?
Celebração é um estado de exceção, em que regras normais são suspensas, e a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são celebrações. O que ocorre durante esse período é que o público paga enormes quantias para realizar os eventos, e as empresas é que saem com os lucros. Ou seja, o dinheiro do contribuinte é direcionado para esses eventos e, depois, os políticos afirmam que é necessário apertar os cintos, implementar medidas de austeridade, cortar programas, porque todo aquele dinheiro foi gasto.
Havia uma expectativa de que a Copa no Brasil seria um fracasso, com estádios inacabados, aeroportos caóticos e grandes protestos. Fomos pessimistas demais?
Nas vésperas de megaeventos, as pessoas entram em pânico em relação à infraestrutura, isso é um padrão. Mas, na questão dos aeroportos, é importante se lembrar do fator "espanta-turistas". Economistas já detectaram que uma boa parcela dos turistas deixa de ir para os países-sede por causa dos preços inflacionados e do medo de que haverá muita gente. Muitos preferem tirar férias no Rio em uma época em que não haja milhares de torcedores estrangeiros bêbados. Portanto, se tivéssemos o fluxo normal de viajantes mais o turismo da Copa, aí sim poderíamos ter tido problemas.
E os protestos? Por que não foram tão grandes?
Os protestos habitualmente ocorrem com mais força antes dos eventos. Os manifestantes têm uma tarefa difícil, porque, por um lado, o mundo todo está assistindo e é uma boa oportunidade [para protestar]. Por outro, é fácil o governo ou a mídia retratá-los como "estraga-prazeres". No Brasil, chamou a atenção a brutalidade da polícia ao lidar com manifestantes, o que certamente dissuadiu muitos, principalmente da classe média, de participarem. Mas há um fator mais cultural: o que vai acontecer se o Brasil for eliminado? Aí a contradição vai ficar mais evidente --as pessoas no Brasil vão se sentir pagando uma festa para outros países, vai haver um desânimo generalizado que pode abrir as portas para a volta dos protestos.
O Brasil ganhará com a Copa?
Há certos grupos que se beneficiam temporariamente, como empresas de construção --especialmente as bem conectadas--, especuladores imobiliários e turistas, que vão para se divertir. Mas não devemos esperar que moradores das cidades ganhem dinheiro ou obras muito úteis. Mas também não podemos ignorar o fato de que sediar a Copa do Mundo é muito divertido, une as pessoas, e daí vêm os ganhos intangíveis, como o chamado "fator bem-estar". Mas, sem colocar ainda mais pressão sobre a seleção brasileira, muito vai depender do desempenho na Copa. Se ganhar, todo mundo encarará a Copa como um sucesso. Mas isso representar receita ou legado de obras úteis, Copas anteriores mostram que é muito difícil.
Folha de S.Paulo, 06-07-2014
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