segunda-feira, 21 de julho de 2014

Na direção dos mísseis

Desespero é a palavra que aparece automaticamente em qualquer diálogo com pessoas dos dois lados do conflito.

Por Richard Furst*

Sderot (fronteira Israel-Gaza) - Ao menos sete dos 2 mil foguetes, enviados da Faixa de Gaza em direção à Israel, poderiam ter me atingido. Na primeira vez, eu estava em Jerusalém na minha sacada quando quatro morteiros foram interceptados pelo Domo de Ferro, sistema israelense de proteção antimíssil. Até na praia, num dia de folga, em Tel Aviv, eu vi a multidão correr dos morteiros. Dois deles interceptados em cima da praia no Mediterrâneo.

Em outra situação foi na primeira visita ao município israelense de Sderot, localizado ao lado do território palestino isolado. Em Sderot, na porta de entrada para o norte de Gaza eu pude também sentir a estrondosa explosão das bombas vindas de Israel atingindo o chão.

Neste momento, olhar a vegetação seca do deserto tomada pelos tanques de guerra, os arames farpados colocados sobre o chão e os soldados treinando sob o sol de 40 graus me fez pensar no motivo destes conflitos. Contive-me ao lembrar que são anos de batalha envolvendo cultura, religião e território. Mas me entristeci vendo tantos mortos, feridos e desesperados. E esta é a palavra que aparece automaticamente em qualquer diálogo com pessoas dos dois lados do conflito: desespero acompanhado de radicalismo.

Como eu passo a maioria do tempo em Jerusalém, nestes dias deste conflito, considerado guerra para os três brasileiros abaixo, prefiro ouvir de quem convive com estes estouros e mísseis a todo tempo. Isso sem falar nas sirenes avisando que um míssil está a caminho: as pessoas ficam apavoradas até num abrigo antibombas subterrâneo.

CRISTÃ - A freira brasileira de Pernambuco, que mudou o nome de Joelma para irmã Maria Laudis Gloriae, quando fez a troca já imaginava o que a esperava na missão ao morar por 12 anos no Egito. Agora, há três meses em Gaza, ela tem a surpresa de três mísseis atingir a casa em frente da igreja onde mora. Por pouco conseguiu fugir. "As pessoas não são forçadas a ficar, mas muitas vezes convencidas pelos 'bandeiras verdes' (para não dizer Hamas, grupo que controla a Faixa de Gaza)", me disse a religiosa que agora está abrigada em outro convento em Belém, na Cisjordânia.

MUÇULMANO - Para um brasileiro-palestino que está em Gaza, a situação é parecida à imagem do inferno que ele aprendeu com os ensinamentos do islã. O aniversário da filha de três anos foi às escuras na última semana, no dia da invasão israelense em Gaza. As outras crianças não podem sair de casa, a falta de água e luz há 10 dias também dificultou qualquer celebração. "A comemoração será depois", diz Omar El-Jamal. "Talvez no Brasil, estou esperando a chegada dos passaportes e vamos tentar sair pelo Egito, mas não queria deixar minha casa, quero a paz aqui", desabafa o brasileiro-palestino que morou no Rio de Janeiro por mais de 30 anos. Ainda sem saber o que fazer, ele prefere não opinar em o que o Hamas tem feito no território e acredita que esta será apenas uma ofensiva com centenas de mortos e a situação continuará a mesma: Israel no controle das fronteiras e do litoral de Gaza, prisão de palestinos e grupos islâmicos radicais buscando novas formas de chamar atenção.

JUDEU - Há oito anos, uma brasileira morreu vítima de um bombardeio: um morteiro enviado a partir de Gaza matou Dana, de 22 anos, em julho de 2005. Ela é filha do paulista Natan Galkowicz, de 62, que abriu um restaurante em homenagem à jovem. O brasileiro prefere não responsabilizar alguém por essa perda e continua morando a sete quilômetros do território palestino da faixa de Gaza em um kibutz (comunidade judaica), chamado de Bror Hail, ao lado de outras mais de 150 famílias brasileiras. O restaurante, que vende feijoada e vatapá no meio do deserto, está fechado há duas semanas e o prejuízo ainda não foi somado na calculadora. "São dias de pânico, não dá para dormir. A sorte é que estamos unidos aqui na comunidade e preparados caso um morteiro nos atinja temos 15 segundos para correr", afirma o Galkowicz.

Um fato trouxe de volta um dos "estopins" para esta ofensiva. O carro queimado supostamente relacionado ao desaparecimento de três jovens judeus ao ser retirado do local próximo à cidade de Hebron, no sul da Cisjordânia ocupada. Israel acusa o movimento islâmico Hamas de ter sequestrado os adolescentes; já o Hamas afirma que trata-se de uma tentativa israelense de sabotar o novo governo de unidade palestino. As colônias israelenses estão nos mesmos lugares e a construção de novas bases judaicas em pleno território palestino não parou nestes dias de ofensiva.

Não tem jeito tomar uma posição neste conflito que se estende há quase duas semanas, com mortos dos dois lados.

A causa palestina percorre o mundo pelas manifestações e imagens das vítimas no território isolado. As campanhas na internet são tão vastas quanto à amplitude dos judeus pelo mundo e da simpatia aos palestinos em diversos países. O território cabe centenas de vezes geograficamente num país como o Brasil. O que falta agora para uma solução já não sabemos (os três brasileiros e eu), porque a paz se tornou algo que não é possível tocar com as mãos.
*O jornalista brasileiro Richard Furst vive em Jerusalém e é especialista em Crítica Cultural pela Universidad Católica de Chile. Movendo-se entre o Egito, Israel, territórios palestinos, Jordânia, Líbano e a Turquia, o correspondente colabora regularmente com a imprensa do Brasil, Argentina e Chile. No Oriente Médio, cobriu a revolução no Egito e a crise na Síria. Também é tradutor e prepara o lançamento do seu primeiro livro, "Segundo Deserto".

Nenhum comentário:

Postar um comentário