quinta-feira, 10 de julho de 2014

Na verdade estou é sem paciência

Sim, senhoras e senhores, cheguei à meia idade com mau humor e uma preguiça de coluna jônica.

Por Ricardo Soares*

De cuecas estou aqui sentado sobre a cama nessa quitinete sem janelas, um calor danado a fazer escorrer suor sobre as costas, enquanto o dia corre solto lá fora e miro as paredes sujas sem a menor intenção de me mover daqui. Depressão? Que nada, é inação mesmo. Que me interessa a alegria febril dos pós-foliões da cidade maravilhosa quando meu ouvido não sintoniza música, mas apenas ruídos? Que me interessa a ressaca dos perdedores da Copa do Mundo a se lamentarem por uma seleção inapta?
Sim, senhoras e senhores, cheguei à meia idade com um mau humor e uma preguiça de coluna jônica que sequer me anima a escovar os dentes enquanto escuto tiros ao longe no morro Pavão Pavãozinho que as autoridades garantem estar pacificado, mas eu estou é farto de autoridades de toda ordem.
Meu coração não está pacificado dentro desse quarto quente e quando olho para a pia daquele dejeto que eu chamo de cozinha vejo tanta louça suja e fedida que tenho vontade de arremessar uns pratos pela janela. Mas que janela se nem janela tenho? Isso ao menos poupa a cabeça dos transeuntes logo abaixo que caminham indolentemente rumo à praia de Copacabana, ex- princesinha do mar.
Tô sem astral para papo cartão postal. O calor derrete minhas conexões que ainda funcionam. As outras mais estão todas prejudicadas pela soma de vícios pequenos, médios e poucos grandes. Grande na minha vida quase nada. Sim feministas e sou um desiludido com esse papo de companheirismo e alma gêmea. Tenho preguiça da roleta russa das relações, mas esqueçam o assunto pois não vou me debruçar sobre o tema que me entedia mais que ver programas de entrevistas na televisão.
Sequer largar de fumar eu consegui. Minhas tentativas resultaram em erro e nem baques emocionais profundos me levaram a abandonar o vício. Meu filho nasceu e continuei fumando. Meu pai morreu e continuei fumando. Minha mulher foi embora e continuei fumando e andando.
Nessa minha cama ordinária de lençóis puídos já não deita mulher faz tempo e sequer sei porque insisto no assunto já que não pretendo relatar minhas parcas estripulias sexuais transformando esse tosco relato num folhetim erótico de gosto duvidoso. Talvez até devesse para dar consistência ou relevância ao relato. Parece que todo mundo gosta de ler uma sacanagenzinha ainda mais quando é travestida de pseudoelegância.
Tento conter meus ímpetos de vulgarização da palavra diante de plateia (seleta?) mas é que as coisas vão saindo do jeito que falo. Pois assim escrevo. Escrevo como me sai e não fico rebuscando nada porque na verdade nunca imaginei fazer literatura e sim desabafo. Não quero ter o destino daquele escritor João Antonio que apodreceu sem que ninguém percebesse, num apartamento aqui perto, em Copacabana mesmo. Como eu ele morou muitos anos em São Paulo até que arrumou juízo e veio se levar a sério aqui no Rio onde, convenhamos, você pode fazer tudo menos se levar a sério.
Quero tirar noite escura ou dia de sol que tem dentro de mim. Só isso. Quero ver sempre para que serve essa meia dúzia de livros ensebados que sempre tenho sobre a cama. Quero que eles me inspirem, que me façam vomitar as coisas ruins que tenho peito adentro. Não quero aprender coisa alguma com eles. Livros não servem para ensinar. Servem para a gente inspirar e expirar. Mesmo que cheirem a velharias ensebadas como esse velho exemplar de “Bola de sebo e outras histórias” do Maupassant.
Aliás sebos são outras das minhas manias. Eu os coleciono em que cidade eu estiver. Sou capaz de fazer uma lista de 100 deles para todos os gostos mas, pensando aqui, vejo que esse assunto não tem a menor importância pois se eu insistisse ia ficar parecendo aquelas listinhas das revistas idiotas que enumeram os 100 mais disso, 100 mais daquilo. E na verdade estou é 100 paciência...
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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