Mais alguns dias e o Brasil deverá voltar à sua normalidade, talvez comemorando o hexa, talvez cabisbaixo.
Por Evaldo D´Assumpção*
Escrevo essa crônica antes dos jogos da semifinal da Copa. Portanto, ainda sem a definição dos três primeiros colocados. Não importa. Já estamos quase no rescaldo da Copa, e já posso e devo fazer algumas reflexões.
Antes, explico: para quem não sabe, “rescaldo” é a palavra usada pelos heroicos soldados do Corpo de Bombeiros, para definir o fim de um incêndio, quando alguns deles permanecem no local do sinistro resfriando áreas ou apagando pequenos focos incandescentes que poderiam reiniciar a tragédia.
Voltemos à Copa. Mais alguns dias e o Brasil deverá voltar à sua normalidade, talvez comemorando a conquista do hexa, talvez cabisbaixo por não ter ficado com a taça. Acho curioso como caminha a humanidade. Três competidores, de qualquer esporte, passam por um longo período de disputas que funciona com um verdadeiro e cruel funil. De uma multidão, são selecionados pouquíssimos privilegiados. Para essa Copa, 32 países foram representados por suas seleções, formadas, pelo menos teoricamente, pelos seus melhores jogadores. Essas seleções disputaram com várias outras, por regiões geográficas, quais as que viriam para a Copa. Só por isso já deveriam se sentir vitoriosas, pois inúmeras outras foram deixadas para trás. Iniciada a Copa 2014, dessas 32 seleções, metade foi eliminada na fase de grupos. Entre elas, gigantes como a inglesa, a espanhola e a italiana, todas três ganhadoras de Copas anteriores. Das 16 restantes, oito passaram para as quartas de final e dessas, ficaram quatro: a alemã, a holandesa, a argentina e a brasileira, anfitriã da Copa. Essas quatro seleções disputarão a taça, o segundo e o terceiro lugar. Pelas regras, serão consideradas as três melhores do mundo. Mas, o curioso é que nenhuma delas admite, sequer de passagem, ser menos que a campeã. Haja visto o pranto incontido dos que foram desclassificados nas fases anteriores. Jogadores e torcedores.
Esse é o retrato da humanidade: só se aceita o máximo. Menos que o primeiro, considera-se um fracasso. Por isso a disputa em que se usa força desproporcional e meios nem sempre lícitos. Por isso tanta infelicidade, onde deveria haver somente a alegria por se alcançar tão altos degraus. Mas não vou me estender nessas considerações. Deixo essa tarefa para meu amigo Carlos Eduardo Leão, exímio cronista do DOM TOTAL e excelente cirurgião plástico (posso dizer isso, pois foi meu discípulo, e como todo bom discípulo, superou o mestre...). Sei que sobre classificações ele irá discordar de mim, pois faz parte dos que só admitem o primeiríssimo lugar...
Mas, retomando o meu foco, quando essa crônica for publicada já estaremos chegando ao rescaldo da Copa. E questiono como ficará o Brasil. Alguns acreditam que uma conquista do hexa irá favorecer a reeleição da atual presidente. Outros pensam que em nada isso irá influenciar nas eleições. Alguns argumentarão com a quase normalidade nacional, pois nenhuma tragédia maior aconteceu, apesar das improvisações e malversações das obras. Outros já encontram, no desabamento do viaduto da Av. Pedro I, em Belo Horizonte, um forte argumento contra o governo. Só o dia depois do 5 de outubro, dirá o que aconteceu.
Esperemos, porém, que todo o entusiasmo do povo brasileiro com os jogos da seleção canarinha, todo o ufanismo muito bem representado pelo Hino Nacional cantado inteiramente antes dos seus jogos, não terminem aí. Que o povo brasileiro possa dar continuidade a esse mutirão patriótico, envolvendo-se mais intensamente com o processo eleitoral que começa agora. Que o mesmo entusiasmo demonstrado nas discussões sobre quem devia jogar e quem devia sair seja agora direcionado para se escolher bem quem deverá ser eleito e quem deverá ser repudiado pelas urnas, democrática, responsável e honestamente utilizadas. Que todos rejeitem as demagógicas ações dos candidatos, especialmente dos atuais ocupantes de cargos executivos e legislativos, prometendo benesses que eles mesmos sabem que nunca poderão entregar; inaugurando obras inacabadas ou até inexistentes; visitando comunidades das quais nunca haviam sequer chegado perto; expondo na televisão solenidades com multidões cuidadosamente elaboradas emphotoshop, e situações fictícias criadas por marqueteiros que nunca deveriam existir no processo eleitoral; anunciando fajutos dossiês forjados por falsificadores que deveriam, eles próprios, mofar na cadeia.
Que nada disso possa interferir na decisão pessoal de cada eleitor.
Que independentemente dos resultados da Copa, todos os brasileiros possam ter plena consciência de que em outubro próximo iremos decidir, não quem irá ficar com uma taça de ouro enfeitando uma prateleira por quatro anos, mas quem irá dirigir o Brasil para nós, para nossos filhos e netos. Em outras palavras, o futuro que desejamos para o nosso país.
Só assim não iremos, depois das eleições, lamentar o rescaldo mal feito que fizemos, permitindo reascender a fornalha da corrupção, da bandidagem e do cinismo oficial.
*Evaldo D´Assumpção é médico e escritor.
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