Tudo correu maravilhosamente até o momento em que começou a blitzkrieg alemã.
Por David Paiva*
Nossas multidões de Gisele Bündchen e Reynaldos Gianecchini, embelezados pelos preços dos ingressos nos estádios, anunciavam em coro que “o campeão voltou”. Enganaram-se, mas não muito. O que tinha voltado era outro conhecido nosso, velho e próximo.
Em julho de 1950, ele passeou pelo Maracanã, naquele episódio conhecido como Maracanazzo. Durante anos, Nelson Rodrigues o enxergava em toda parte: era o complexo de vira-lata, que Nelson dizia acompanhar o brasileiro em todos os seus atos, grandes ou pequenos. Foi preciso que o capitão Bellini, com sua estampa de atleta de vôlei, levantasse em Estocolmo a Taça Jules Rimet para que o vira-lata interior de cada brasileiro se animasse enxergasse o mundo de igual para igual.
Talvez a gente tenha exagerado um pouco, como aliás é próprio de um povo sem senso de medida. Trocamos nosso complexo por outro novo em folha, o complexo de galgo afegão. A partir daí, nada no país é menos que magnífico, estupendo, incomparável. O cinema-novo é a arte cinematográfica na sua expressão mais criativa e inteligente, jamais o cinema enfadonho e pretensioso a que ninguém assiste. A arquitetura de Oscar Niemeyer, um poema à bela pureza das formas, mesmo que quase tudo na sua obra sejam formas bizarras, repetitivas e prédios disfuncionais aninhados em verbas públicas.
Nossas megalópoles, algumas ditas maravilhosas, só o são do alto, bem longe do mau-cheiro, da violência e da corrupção (não mais que metade das residências brasileiras são servidas por saneamento básico). O paisão não consegue interromper, nem mesmo disciplinar, o desmatamento e a poluição. O sistema público de saúde, péssimo, é, como tudo mais, tema do sistema pública de mentiras chamado propaganda oficial.
Educação, então, é o descalabro mais fantasiado. Não há candidato, de vereador a presidente, que resista à tentação de mencionar a “educado dos nossos jovens”, cheios de blandícia e demagogia. Mas a verdade está é no desempenho ridículo dos “nossos jovens” quando comparados com níveis internacionais de aproveitamento escolar ou quando tentam simplesmente escrever um bilhete. Verdade é também que nenhuma universidade brasileira –sequer umazinha – consegue vaga entre as duzentas melhores do mundo, segundo avaliações respeitadas.
Dados como estes nunca inibiram o desenvolvimento do nosso complexo de galgo afegão. Ficamos extasiados quando afirmaram que já éramos a sexta economia do mundo. Maior que a Inglaterra. Policarpo Quaresma mexeu na sua cova de papel. A Petrobrás tinha o fundo do mar no seu bolso. Porém, grandes mesmo éramos no futebol. Hours-concours. Diante da salada amarelo-verde-azul-branco todos tremiam – e se os perebas europeus levavam as “nossas feras”, o talento nacional era inesgotável. O tal hexa estava aí: era a força inexorável da nossa superioridade!
Giseles e Gianecchinis de estádio tinham essa certeza quando cantavam a inacreditável “brasileiro com muito orgulho”. Mas essa chatice já é em si um prova de que, no fundo, o que existia era incerteza, desconfiança de que tudo aqui é sólido como uma massa de algodão-doce. Ninguém repete ao infinito um bordão basbaque como esse quando realmente se tem certeza do próprio orgulho. Se Giseles e Gianecchinis de estádio tivessem estudado um pouquinho mais, saberiam que a sua própria presença, maciça e exclusiva, nas plateias do futebol é apenas mais um capítulo da história – muito brasileira – da Casa Grande e da senzala.
Tudo correu maravilhosamente até o momento em que começou a blitzkrieg alemã. Dessa vez, os blindados foram substituídos por impecáveis jogadores que se valiam apenas de técnica e talento. Nada a reclamar. O hexa do galgo afegão começou a afundar, assim como a Petrobrás se afogou no mar que levava no bolso. O “orgulhoso brasileiro” talvez reconheça afinal que levar de 7x1 por aqui, há quinhentos anos, não é mais que a regra. Em especial no mundo do futebol.
Nossas multidões de Gisele Bündchen e Reynaldos Gianecchini, embelezados pelos preços dos ingressos nos estádios, anunciavam em coro que “o campeão voltou”. Enganaram-se, mas não muito. O que tinha voltado era outro conhecido nosso, velho e próximo.
Em julho de 1950, ele passeou pelo Maracanã, naquele episódio conhecido como Maracanazzo. Durante anos, Nelson Rodrigues o enxergava em toda parte: era o complexo de vira-lata, que Nelson dizia acompanhar o brasileiro em todos os seus atos, grandes ou pequenos. Foi preciso que o capitão Bellini, com sua estampa de atleta de vôlei, levantasse em Estocolmo a Taça Jules Rimet para que o vira-lata interior de cada brasileiro se animasse enxergasse o mundo de igual para igual.
Talvez a gente tenha exagerado um pouco, como aliás é próprio de um povo sem senso de medida. Trocamos nosso complexo por outro novo em folha, o complexo de galgo afegão. A partir daí, nada no país é menos que magnífico, estupendo, incomparável. O cinema-novo é a arte cinematográfica na sua expressão mais criativa e inteligente, jamais o cinema enfadonho e pretensioso a que ninguém assiste. A arquitetura de Oscar Niemeyer, um poema à bela pureza das formas, mesmo que quase tudo na sua obra sejam formas bizarras, repetitivas e prédios disfuncionais aninhados em verbas públicas.
Nossas megalópoles, algumas ditas maravilhosas, só o são do alto, bem longe do mau-cheiro, da violência e da corrupção (não mais que metade das residências brasileiras são servidas por saneamento básico). O paisão não consegue interromper, nem mesmo disciplinar, o desmatamento e a poluição. O sistema público de saúde, péssimo, é, como tudo mais, tema do sistema pública de mentiras chamado propaganda oficial.
Educação, então, é o descalabro mais fantasiado. Não há candidato, de vereador a presidente, que resista à tentação de mencionar a “educado dos nossos jovens”, cheios de blandícia e demagogia. Mas a verdade está é no desempenho ridículo dos “nossos jovens” quando comparados com níveis internacionais de aproveitamento escolar ou quando tentam simplesmente escrever um bilhete. Verdade é também que nenhuma universidade brasileira –sequer umazinha – consegue vaga entre as duzentas melhores do mundo, segundo avaliações respeitadas.
Dados como estes nunca inibiram o desenvolvimento do nosso complexo de galgo afegão. Ficamos extasiados quando afirmaram que já éramos a sexta economia do mundo. Maior que a Inglaterra. Policarpo Quaresma mexeu na sua cova de papel. A Petrobrás tinha o fundo do mar no seu bolso. Porém, grandes mesmo éramos no futebol. Hours-concours. Diante da salada amarelo-verde-azul-branco todos tremiam – e se os perebas europeus levavam as “nossas feras”, o talento nacional era inesgotável. O tal hexa estava aí: era a força inexorável da nossa superioridade!
Giseles e Gianecchinis de estádio tinham essa certeza quando cantavam a inacreditável “brasileiro com muito orgulho”. Mas essa chatice já é em si um prova de que, no fundo, o que existia era incerteza, desconfiança de que tudo aqui é sólido como uma massa de algodão-doce. Ninguém repete ao infinito um bordão basbaque como esse quando realmente se tem certeza do próprio orgulho. Se Giseles e Gianecchinis de estádio tivessem estudado um pouquinho mais, saberiam que a sua própria presença, maciça e exclusiva, nas plateias do futebol é apenas mais um capítulo da história – muito brasileira – da Casa Grande e da senzala.
Tudo correu maravilhosamente até o momento em que começou a blitzkrieg alemã. Dessa vez, os blindados foram substituídos por impecáveis jogadores que se valiam apenas de técnica e talento. Nada a reclamar. O hexa do galgo afegão começou a afundar, assim como a Petrobrás se afogou no mar que levava no bolso. O “orgulhoso brasileiro” talvez reconheça afinal que levar de 7x1 por aqui, há quinhentos anos, não é mais que a regra. Em especial no mundo do futebol.
*David Paiva cursou História na UFMG, foi redator publicitário e é autor do livro “Memórias dos ‘abitantes’ de Paris”.
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