Por Evaldo D´Assumpção*
Quando me formei em medicina, no já distante ano de 1963, tínhamos dois livros de bolso que nos acompanhavam para todos os lados: um era o Manual Merck, cuja primeira edição foi publicada em 1899, com 192 páginas, seguindo-se muitas novas e ampliadas edições. O meu primeiro exemplar foi da 9ª edição, de 1956, com 1.870 páginas e que ainda possuo, juntamente com a do seu centenário, a 17ª, publicada em 1999, já com 2.701 páginas. Aquela, ainda em inglês, essa, já em português, todas trazem uma síntese das doenças então conhecidas, seus sinais e sintomas e os tratamentos mais indicados, de uma maneira objetiva, sintética, redigida por mestres da medicina. Seu escopo era, e ainda é, como diz o seu nome, um manual para consulta rápida, auxiliar precioso do médico que se fazia generalista, apto a cuidar dos enfermos em qualquer parte do mundo. A medicina era universal, os médicos formados no todo da arte hipocrática, com conhecimentos e sensibilidade para atender aos humanos que padeciam.
O outro livro era o Formulário Terapêutico de Bolso, de autoria do professor Otto Miller, da Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, e que adquiri em sua 4ª edição, de 1959, quando cursava o 3º ano da Faculdade e já fazia plantões de estagiário no Hospital de Pronto Socorro de Belo Horizonte. Creio que essa foi sua última edição. Esse pequeno grande livro cabia no bolso de nossos jalecos e quase todo plantonista do HPS trazia-o sempre disponível. Como o Manual Merck, era o texto objetivo, prático, com a citação da maioria dos medicamentos usados na época, para todas as ocasiões, muitos ainda em estilo de formulas para manipulação.
Recordando-me desses dois verdadeiros monumentos – em toda a sua simplicidade – da prática médica dos anos 50, entro em reflexões sobre o caminho da medicina nesses sessenta anos de interregno. A grade curricular do curso médico no Brasil, em meados do século passado, contemplava praticamente todas as principais especialidades, procurando formar profissionais aptos a exercerem a profissão em qualquer cidade interiorana. Meu pai, formado em 1933 foi diretamente para Carmo da Mata, sua cidade natal, depois para Santana do Jacaré no sudoeste de Minas e após seu casamento com minha mãe, mudou-se para a vizinha cidade de Campo Belo, onde se abriam maiores perspectivas. Lá ele permaneceu por 18 anos, exercendo a medicina plena e sendo uma referência em toda a região.
Da minha turma de 1963, vários foram também para cidades interioranas e exerceram com proficiência e dignidade a arte hipocrática.
Hoje, todo o panorama da medicina foi radicalmente alterado. Multiplicaram-se geometricamente os cursos médicos, muitos deles em cidades surpreendentemente sem qualquer condição para abrigá-los. As grades curriculares passaram a contemplar os grandes avanços da medicina e as moderníssimas tecnologias, deixando em prateleiras secundárias e empoeiradas, a pratica médica básica, que levariam médicos com segurança para as cidades menos providas de grandes recursos tecnológicos.
Talvez para melhorar o mercado de trabalho, multiplicaram-se também as doenças, certamente inviabilizando a ajuda dos Manuais Merck e Formulários Terapêuticos de Bolso, que ajudaram a curar tantos enfermos e a salvar tantas vidas.
Exemplo disso podemos citar outro livro básico, que é o DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico em Transtornos Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana em 1952, e agora em sua quinta edição, publicada em 2013. As 500 doenças mentais codificadas na 4ª edição do ano 2000, saltaram para 800 transtornos mentais nessa edição mais recente.
Talvez isso ajude a explicar a enorme especialização dos novos profissionais médicos, que em breve se deterão em áreas restritas como o polegar da mão direita, o pulmão esquerdo, a metade medial do fígado e coisas semelhantes. Tudo isso exigindo robôs, sofisticadíssimos raios laser, tomógrafos, cintilógrafos, ressonância magnética e tantas outras maravilhas que nossa pobre mente humana será incapaz de dominar inteiramente. Teremos então robôs para cuidar dos robôs que cuidarão dos insignificantes humanos. Que um dia deixarão a cena para que as máquinas cuidem das máquinas, pois só elas sobreviverão. “Sobreviverão”?...
Quando me formei em medicina, no já distante ano de 1963, tínhamos dois livros de bolso que nos acompanhavam para todos os lados: um era o Manual Merck, cuja primeira edição foi publicada em 1899, com 192 páginas, seguindo-se muitas novas e ampliadas edições. O meu primeiro exemplar foi da 9ª edição, de 1956, com 1.870 páginas e que ainda possuo, juntamente com a do seu centenário, a 17ª, publicada em 1999, já com 2.701 páginas. Aquela, ainda em inglês, essa, já em português, todas trazem uma síntese das doenças então conhecidas, seus sinais e sintomas e os tratamentos mais indicados, de uma maneira objetiva, sintética, redigida por mestres da medicina. Seu escopo era, e ainda é, como diz o seu nome, um manual para consulta rápida, auxiliar precioso do médico que se fazia generalista, apto a cuidar dos enfermos em qualquer parte do mundo. A medicina era universal, os médicos formados no todo da arte hipocrática, com conhecimentos e sensibilidade para atender aos humanos que padeciam.
O outro livro era o Formulário Terapêutico de Bolso, de autoria do professor Otto Miller, da Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro, e que adquiri em sua 4ª edição, de 1959, quando cursava o 3º ano da Faculdade e já fazia plantões de estagiário no Hospital de Pronto Socorro de Belo Horizonte. Creio que essa foi sua última edição. Esse pequeno grande livro cabia no bolso de nossos jalecos e quase todo plantonista do HPS trazia-o sempre disponível. Como o Manual Merck, era o texto objetivo, prático, com a citação da maioria dos medicamentos usados na época, para todas as ocasiões, muitos ainda em estilo de formulas para manipulação.
Recordando-me desses dois verdadeiros monumentos – em toda a sua simplicidade – da prática médica dos anos 50, entro em reflexões sobre o caminho da medicina nesses sessenta anos de interregno. A grade curricular do curso médico no Brasil, em meados do século passado, contemplava praticamente todas as principais especialidades, procurando formar profissionais aptos a exercerem a profissão em qualquer cidade interiorana. Meu pai, formado em 1933 foi diretamente para Carmo da Mata, sua cidade natal, depois para Santana do Jacaré no sudoeste de Minas e após seu casamento com minha mãe, mudou-se para a vizinha cidade de Campo Belo, onde se abriam maiores perspectivas. Lá ele permaneceu por 18 anos, exercendo a medicina plena e sendo uma referência em toda a região.
Da minha turma de 1963, vários foram também para cidades interioranas e exerceram com proficiência e dignidade a arte hipocrática.
Hoje, todo o panorama da medicina foi radicalmente alterado. Multiplicaram-se geometricamente os cursos médicos, muitos deles em cidades surpreendentemente sem qualquer condição para abrigá-los. As grades curriculares passaram a contemplar os grandes avanços da medicina e as moderníssimas tecnologias, deixando em prateleiras secundárias e empoeiradas, a pratica médica básica, que levariam médicos com segurança para as cidades menos providas de grandes recursos tecnológicos.
Talvez para melhorar o mercado de trabalho, multiplicaram-se também as doenças, certamente inviabilizando a ajuda dos Manuais Merck e Formulários Terapêuticos de Bolso, que ajudaram a curar tantos enfermos e a salvar tantas vidas.
Exemplo disso podemos citar outro livro básico, que é o DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico em Transtornos Mentais, publicado pela Associação Psiquiátrica Americana em 1952, e agora em sua quinta edição, publicada em 2013. As 500 doenças mentais codificadas na 4ª edição do ano 2000, saltaram para 800 transtornos mentais nessa edição mais recente.
Talvez isso ajude a explicar a enorme especialização dos novos profissionais médicos, que em breve se deterão em áreas restritas como o polegar da mão direita, o pulmão esquerdo, a metade medial do fígado e coisas semelhantes. Tudo isso exigindo robôs, sofisticadíssimos raios laser, tomógrafos, cintilógrafos, ressonância magnética e tantas outras maravilhas que nossa pobre mente humana será incapaz de dominar inteiramente. Teremos então robôs para cuidar dos robôs que cuidarão dos insignificantes humanos. Que um dia deixarão a cena para que as máquinas cuidem das máquinas, pois só elas sobreviverão. “Sobreviverão”?...
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Evaldo D´Assumpção é médico e escritor.
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