segunda-feira, 21 de julho de 2014

Viva o povo Ribeiro!

E, de repente, o Brasil descobriu que aqui havia um escritor chamado João Ubaldo Ribeiro.

Por Ricardo Soares*

E, de repente, o Brasil descobriu que aqui havia um escritor chamado João Ubaldo Ribeiro. Morto, de repente, todo mundo começou a louvar o seu bom humor, seu sorrisão aberto, seu jeito malemolente de ser. Morto todo mundo passou a reverberar o que tonitroava sua voz de barítono ou o que apregoavam as suas crônicas que para mim, sinceramente, não eram o melhor de sua obra.

O melhor de sua obra foi ser brasileiro. Viva o povo ribeiro, viva o povo inzoneiro, “Viva o Povo Brasileiro”, livro tão importante, visceral e capital na história de nossa literatura brasileira que deveria, de verdade, ser leitura obrigatória em nossas escolas ao invés daqueles bolodórios de Joaquim Manuel de Macedo e as “Iracemas” de José de Alencar.

João Ubaldo não tinha vergonha der ser mestiço, ser tapuia, tupinambá, cafuzo, mulato, pardo. Sua vasta cultura não lhe tirava os chinelos dos dedos e isso fazia dele um intelectual ímpar. Ubaldo calçou os chinelos na alma e levou essa simplicidade, inclusive ao lidar com o seu talento, para as ruas e botecos da sua Itaparica onde o vi de longe uma vez, há muitos anos a bebericar e rir sob uma frondosa árvore, num banco de cimento. Acho que, inclusive, sua entrada na vetusta e antiquada Academia Brasileira de Letras foi uma brincadeira que ele vez consigo mesmo.

De 1998 a 2005 escrevi, dirigi e apresentei duas séries de programas de literatura na televisão, oito temporadas, onde rastreei os escritores desse país. Quase nenhum me escapou a não ser justamente o João Ubaldo, um dos que eu mais admirava e admiro. Uma hora ele estava no exterior, outra hora não estava na cidade onde eu gravava e, por fim, por minha própria decisão, eu não o quis entrevistar quando surgiu uma chance real porque ele estava muito exposto e fragilizado quando tratava com remédios de sua dependência do álcool. Isso não faz de mim um entrevistador digno. Mas foi meu jeito de dizer pra mim mesmo que gostava dele e não o queria como entrevistado em marcha lenta, com voz pastosa como vi algumas vezes. Ele merecia ser visto de maneira digna.

“Viva o Povo Brasileiro” foi um livro que desde que saiu me fez enxergar esperanças na nossa mirrada literatura nativa. Me fez pensar que se em cada 500 pseudo-escritores que se têm em alta conta surgir um João Ubaldo conseguiremos contar em prosa e fantasia afinal quem fomos, quem somos e para onde vamos.

Talento não se transmite, mas me resta ter esperanças que essa leva de “novos” escritores que se lançam avidamente para a mídia e as adaptações de livros para TV e cinema tenham o bom senso de dar uma passada de olhos ao menos em “Sargento Getúlio” se não tiverem método e nem repertório para encarar o “Viva o Povo Brasileiro”. Quiçá aprendem algo antes de falar e escrever estultices antigas como se fossem grandes novidades.

O Brasil não se vê na sua literatura atual. Essa é outra prosa que não cabe aqui e se confina entre apartamentos e quitinetes. Personagens melancólicos que de digladiam em espaços urbanos buscando um olhar de “Conspiração” filmes sobre eles. Não vejo o Brasil da “Caravana Rolidei” do Cacá Diegues e nem dos livros do José Candido de Carvalho, José Lins do Rego e muito menos o Brasil de Guimarães Rosa, Bernardo Elis e muito menos o do Mário Palmério. Nossa literatura hoje é curta e cult. Queria tanto que ficasse entre nós mais um pouco o “Viva o povo Ribeiro”...
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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