No Evangelho, Jesus é apresentado como "sinal de contradição". A compreensão desse termo e de como ele se estende aos seguidores de Jesus é não só interessante, como tem tudo a ver com os cristãos que desejam ser mais parecidos com o Mestre.
Um aspecto igualmente interessante é que a contradição afasta Jesus de muita gente e vice-versa porque "ser do contra", no sentido de significar uma crítica ao modo de pensar e de viver da grande massa, "não dá Ibope". É mais fácil ir na onda do que ser contra! Para entender melhor o tema, conversamos com o teólogo e professor Lino Rampazzo. Veja o que ele diz.
Padre César: Em que sentido Jesus foi "sinal de contradição"?
Lino Rampazzo: Antes de tudo, a expressão “sinal de contradição” se encontra no Evangelho de Lucas (2,34). Vamos, pois, contextualizar a frase. Jesus menino, com apenas 40 dias de vida, é apresentado no Templo de Jerusalém, “conforme a lei de Moisés” (v. 22).
Esta lei determinava que “todo primogênito de sexo masculino fosse consagrado ao Senhor” (v. 23). Tratava-se de celebrar a misteriosa saída dos antepassados do Egito, na qual os primogênitos dos israelitas tinham sido poupados da morte, diferentemente dos primogênitos dos Egípcios.
Na circunstância da apresentação de Jesus menino, aparece, no Templo, a figura de Simeão que, “movido pelo Espírito”, depois de afirmar que Jesus será “luz para iluminar as nações e glória do povo de Israel”, dirigindo-se a Maria, mãe de Jesus, diz: “Este menino vai causar a queda e a elevação de muitos em Israel; ele será um sinal de contradição” (v. 34).
Na maneira de expressar-se dos israelitas, atribuía-se tudo a Deus, no sentido de que tudo, inclusive os pecados dos homens, entra nos planos de Deus. Simeão, nas suas palavras, quer dizer que a salvação é para aqueles que acolhem a Jesus com fé; e, para os que não o acolhem com fé, haverá a queda.
Padre César: Ser contradição é o mesmo que "ser do contra"?
Lino Rampazzo: Ser contradição não significa “ser do contra”, no sentido de "criticar só por criticar", mas ser “sinal de salvação”. Acontece, porém, que esta salvação é oferecida à liberdade do homem. Nós não somos obrigados, constrangidos, a ter fé em Jesus. Trata-se de um convite dirigido à nossa liberdade.
Permito-me apresentar um exemplo: se eu estiver me afogando no mar, perto de um barco, e um marinheiro do barco me oferecer uma corda para eu agarrar-me nela e subir no barco, eu não sou obrigado a fazer isso. Mas, aceitando a proposta, eu me salvo; e, recusando a proposta, vou morrer afogado. Assim é a proposta de Jesus. Aliás, a palavra Jesus significa “Deus salva”.
Padre César: Por que Jesus, depois de 20 séculos tendo sido conhececido como Messias, ainda é pouco seguido? De três moradores da Terra, só um O conhece! Isso acontece por que Ele é "contradição"?
Lino Rampazzo: A sua pergunta, Padre César, faz-me lembrar uma afirmação muito forte do santo Papa João Paulo II que, na encíclica sobre a “Missão do Redentor” (Redemptoris Missio), publicada no ano de 1990, começa com a seguinte frase: “A Missão de Cristo Redentor, confiada à Igreja, está ainda bem longe do seu pleno cumprimento”. Na mesma encíclica ele fala de “dificuldades que parecem insuperáveis e que poderiam desanimar os homens na Igreja se tratasse-se de obra meramente humana”. Quais são estas dificuldades?
Vou destacar algumas destas dificuldades, indicadas pelo mesmo João Paulo II:
1) Certos países proíbem que os missionários neles entrem.
2) Há também dificuldades provenientes do íntimo da própria Igreja, e são as mais dolorosas: desânimo, cansaço, falta de alegria e esperança... Devem-se a uma mentalidade indiferentista e relativista, segundo a qual todas as religiões são equivalentes entre si.
3) Acrescente-se a tudo isto a descristianização de certos países cristãos, a diminuição das vocações para o apostolado, os contratestemunhos de fiéis e comunidades cristãs... A esta altura, vou passar para o Papa Francisco. Em novembro do ano passado, ele publicou a exortação “Evangelii Gaudium”, quer dizer “A alegria do Evangelho”.
Vou apresentar apenas umas poucas frases muito significativas deste documento: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com Jesus....O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais...”.
Em suma, há dificuldades externas e dificuldades internas. Nestes dias uma mulher do Sudão, na África, foi condenada à morte pelo fato de ter abraçado a fé cristã. Esta mulher tem um nome: Meriam Yahia Ibrahim. É um exemplo de dificuldade externa.
Os noticiários da mídia não católica, pelo menos aqui no Brasil, silenciam este fato. Esta mídia também, na prática, acaba recusando o Cristo, sinal de contradição. E quanto às dificuldades internas: nem sempre é manifestada ao mundo a alegria de ser cristão.
A pergunta era: “Isso acontece por que Jesus é ‘contradição’”? Respondo, citando de novo o Papa Francisco: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com Jesus”. Será que os que são apenas “cristãos do IBGE”, permita-se esta expressão, encontraram Jesus de verdade? Se “ser cristão” fica limitado apenas a uma exterioridade, estes cristãos ainda não encontraram Jesus: não O acolheram.
Certas frases do evangelho que costumamos repetir, como "Jesus é o caminho, a verdade e a vida" (João 14,6), ou "A paz esteja convosco" (João 20, 19.21.26) são palavras vazias ou reflexo de um encontro profundo, através da fé, com a pessoa de Jesus? Em suma, Jesus é sinal de contradição também para quem foi batizado.
Padre César: A salvação apresentada por Jesus é universal, é para todos. Mas, se Ele é desconhecido por tanta gente, como se dará a salvação?
Lino Rampazzo: Jesus nos contou a parábola dos talentos. Quem recebeu cinco, quem dois, quem um só talento. Cada um de nós deverá responder diante de Jesus Juiz conforme os talentos recebidos. Aqueles que receberam o anúncio do Evangelho serão chamados a acolher conscientemente Jesus e a testemunhá-lo diante do mundo. E os outros que nunca ouviram falar de Jesus?
No Evangelho de Mateus, logo depois da parábola dos talentos, Jesus fala do Juízo universal. Fala também daqueles que não O conheceram durante a vida, mas que viveram “com justiça”. Eis as palavras destes justos a Jesus: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber, estrangeiro e te acolhemos, ou nu e te vestimos, doente ou na prisão e te fomos visitar?’ A resposta de Jesus “Rei e Juiz” será: ‘Na verdade vos digo: toda vez que fizestes isso a um desses mais pequenos dentre meus irmãos foi a mim que o fizeste’ (Mateus 25,37-40).
Em outras palavras: Jesus morreu por todos e a todos oferece os meios da salvação. O grande meio para todos será o amor, a caridade, o serviço para os necessitados. Deus é amor que se doa: e quem ama, dando-se aos outros está com Deus. Esta mensagem é proclamada especialmente na primeira carta do Apóstolo João (3,13-18).
Padre César: Como o cristão se torna sinal de contradição?
Lino Rampazzo: Mais uma vez cito as palavras do papa Francisco: “O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais...”.
A partir disso, procuro responder, Padre César, à sua pergunta: Como o cristão se torna sinal de contradição? Quem hoje vive doando-se aos outros, sem ficar submisso à “febre do consumo”; quem mostra, na organização do tempo que “o homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, quem alimenta a fé a esperança em Cristo, quem “vive e morre por Jesus” (Romanos 14, 7-8) acaba tornando-se “sinal de contradição”. Voltando ao exemplo anterior, este cristão pode ser comparado com aquele marinheiro que oferece a corda para o colega não se afogar.
Termino com um fato que me fez muita impressão. No dia da ordenação sacerdotal, um neo-sacerdote, ex-caminhoneiro, agradeceu a uma senhora que, anos antes, tinha-o encontrado numa “boca de fumo”. Convidou-o para conversar e para participar de um encontro de irmãos de fé cristã, que viviam com alegria, dando sentido à vida.
Aquele jovem aceitou a proposta: aos poucos mudou a vida e acabou até decidindo ser padre. Conheço este padre, que foi meu aluno no curso de filosofia: e posso testemunhar que é um excelente padre. Aquela mulher foi um sinal de contradição, pois, com aquele convite, na prática contestava uma vida que procurava preencher o vazio de sentido através da droga. O jovem aceitou: Jesus, também para ele, foi sinal de contradição. E ele, com seu testemunho, tornou-se também sinal de contradição.
Um aspecto igualmente interessante é que a contradição afasta Jesus de muita gente e vice-versa porque "ser do contra", no sentido de significar uma crítica ao modo de pensar e de viver da grande massa, "não dá Ibope". É mais fácil ir na onda do que ser contra! Para entender melhor o tema, conversamos com o teólogo e professor Lino Rampazzo. Veja o que ele diz.
Padre César: Em que sentido Jesus foi "sinal de contradição"?
Lino Rampazzo: Antes de tudo, a expressão “sinal de contradição” se encontra no Evangelho de Lucas (2,34). Vamos, pois, contextualizar a frase. Jesus menino, com apenas 40 dias de vida, é apresentado no Templo de Jerusalém, “conforme a lei de Moisés” (v. 22).
Esta lei determinava que “todo primogênito de sexo masculino fosse consagrado ao Senhor” (v. 23). Tratava-se de celebrar a misteriosa saída dos antepassados do Egito, na qual os primogênitos dos israelitas tinham sido poupados da morte, diferentemente dos primogênitos dos Egípcios.
Na circunstância da apresentação de Jesus menino, aparece, no Templo, a figura de Simeão que, “movido pelo Espírito”, depois de afirmar que Jesus será “luz para iluminar as nações e glória do povo de Israel”, dirigindo-se a Maria, mãe de Jesus, diz: “Este menino vai causar a queda e a elevação de muitos em Israel; ele será um sinal de contradição” (v. 34).
Na maneira de expressar-se dos israelitas, atribuía-se tudo a Deus, no sentido de que tudo, inclusive os pecados dos homens, entra nos planos de Deus. Simeão, nas suas palavras, quer dizer que a salvação é para aqueles que acolhem a Jesus com fé; e, para os que não o acolhem com fé, haverá a queda.
Padre César: Ser contradição é o mesmo que "ser do contra"?
Lino Rampazzo: Ser contradição não significa “ser do contra”, no sentido de "criticar só por criticar", mas ser “sinal de salvação”. Acontece, porém, que esta salvação é oferecida à liberdade do homem. Nós não somos obrigados, constrangidos, a ter fé em Jesus. Trata-se de um convite dirigido à nossa liberdade.
Permito-me apresentar um exemplo: se eu estiver me afogando no mar, perto de um barco, e um marinheiro do barco me oferecer uma corda para eu agarrar-me nela e subir no barco, eu não sou obrigado a fazer isso. Mas, aceitando a proposta, eu me salvo; e, recusando a proposta, vou morrer afogado. Assim é a proposta de Jesus. Aliás, a palavra Jesus significa “Deus salva”.
Padre César: Por que Jesus, depois de 20 séculos tendo sido conhececido como Messias, ainda é pouco seguido? De três moradores da Terra, só um O conhece! Isso acontece por que Ele é "contradição"?
Lino Rampazzo: A sua pergunta, Padre César, faz-me lembrar uma afirmação muito forte do santo Papa João Paulo II que, na encíclica sobre a “Missão do Redentor” (Redemptoris Missio), publicada no ano de 1990, começa com a seguinte frase: “A Missão de Cristo Redentor, confiada à Igreja, está ainda bem longe do seu pleno cumprimento”. Na mesma encíclica ele fala de “dificuldades que parecem insuperáveis e que poderiam desanimar os homens na Igreja se tratasse-se de obra meramente humana”. Quais são estas dificuldades?
Vou destacar algumas destas dificuldades, indicadas pelo mesmo João Paulo II:
1) Certos países proíbem que os missionários neles entrem.
2) Há também dificuldades provenientes do íntimo da própria Igreja, e são as mais dolorosas: desânimo, cansaço, falta de alegria e esperança... Devem-se a uma mentalidade indiferentista e relativista, segundo a qual todas as religiões são equivalentes entre si.
3) Acrescente-se a tudo isto a descristianização de certos países cristãos, a diminuição das vocações para o apostolado, os contratestemunhos de fiéis e comunidades cristãs... A esta altura, vou passar para o Papa Francisco. Em novembro do ano passado, ele publicou a exortação “Evangelii Gaudium”, quer dizer “A alegria do Evangelho”.
Vou apresentar apenas umas poucas frases muito significativas deste documento: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com Jesus....O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais...”.
Em suma, há dificuldades externas e dificuldades internas. Nestes dias uma mulher do Sudão, na África, foi condenada à morte pelo fato de ter abraçado a fé cristã. Esta mulher tem um nome: Meriam Yahia Ibrahim. É um exemplo de dificuldade externa.
Os noticiários da mídia não católica, pelo menos aqui no Brasil, silenciam este fato. Esta mídia também, na prática, acaba recusando o Cristo, sinal de contradição. E quanto às dificuldades internas: nem sempre é manifestada ao mundo a alegria de ser cristão.
A pergunta era: “Isso acontece por que Jesus é ‘contradição’”? Respondo, citando de novo o Papa Francisco: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com Jesus”. Será que os que são apenas “cristãos do IBGE”, permita-se esta expressão, encontraram Jesus de verdade? Se “ser cristão” fica limitado apenas a uma exterioridade, estes cristãos ainda não encontraram Jesus: não O acolheram.
Certas frases do evangelho que costumamos repetir, como "Jesus é o caminho, a verdade e a vida" (João 14,6), ou "A paz esteja convosco" (João 20, 19.21.26) são palavras vazias ou reflexo de um encontro profundo, através da fé, com a pessoa de Jesus? Em suma, Jesus é sinal de contradição também para quem foi batizado.
Padre César: A salvação apresentada por Jesus é universal, é para todos. Mas, se Ele é desconhecido por tanta gente, como se dará a salvação?
Lino Rampazzo: Jesus nos contou a parábola dos talentos. Quem recebeu cinco, quem dois, quem um só talento. Cada um de nós deverá responder diante de Jesus Juiz conforme os talentos recebidos. Aqueles que receberam o anúncio do Evangelho serão chamados a acolher conscientemente Jesus e a testemunhá-lo diante do mundo. E os outros que nunca ouviram falar de Jesus?
No Evangelho de Mateus, logo depois da parábola dos talentos, Jesus fala do Juízo universal. Fala também daqueles que não O conheceram durante a vida, mas que viveram “com justiça”. Eis as palavras destes justos a Jesus: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber, estrangeiro e te acolhemos, ou nu e te vestimos, doente ou na prisão e te fomos visitar?’ A resposta de Jesus “Rei e Juiz” será: ‘Na verdade vos digo: toda vez que fizestes isso a um desses mais pequenos dentre meus irmãos foi a mim que o fizeste’ (Mateus 25,37-40).
Em outras palavras: Jesus morreu por todos e a todos oferece os meios da salvação. O grande meio para todos será o amor, a caridade, o serviço para os necessitados. Deus é amor que se doa: e quem ama, dando-se aos outros está com Deus. Esta mensagem é proclamada especialmente na primeira carta do Apóstolo João (3,13-18).
Padre César: Como o cristão se torna sinal de contradição?
Lino Rampazzo: Mais uma vez cito as palavras do papa Francisco: “O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é a tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais...”.
A partir disso, procuro responder, Padre César, à sua pergunta: Como o cristão se torna sinal de contradição? Quem hoje vive doando-se aos outros, sem ficar submisso à “febre do consumo”; quem mostra, na organização do tempo que “o homem não vive somente de pão, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”, quem alimenta a fé a esperança em Cristo, quem “vive e morre por Jesus” (Romanos 14, 7-8) acaba tornando-se “sinal de contradição”. Voltando ao exemplo anterior, este cristão pode ser comparado com aquele marinheiro que oferece a corda para o colega não se afogar.
Termino com um fato que me fez muita impressão. No dia da ordenação sacerdotal, um neo-sacerdote, ex-caminhoneiro, agradeceu a uma senhora que, anos antes, tinha-o encontrado numa “boca de fumo”. Convidou-o para conversar e para participar de um encontro de irmãos de fé cristã, que viviam com alegria, dando sentido à vida.
Aquele jovem aceitou a proposta: aos poucos mudou a vida e acabou até decidindo ser padre. Conheço este padre, que foi meu aluno no curso de filosofia: e posso testemunhar que é um excelente padre. Aquela mulher foi um sinal de contradição, pois, com aquele convite, na prática contestava uma vida que procurava preencher o vazio de sentido através da droga. O jovem aceitou: Jesus, também para ele, foi sinal de contradição. E ele, com seu testemunho, tornou-se também sinal de contradição.
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