Transexual Allyson Robinson, ex-militar americano, tem quatro filhos que a chamam de papai.
Por Cristina F. Pereda*
Allyson Robinson tem quatro filhos que a chamam de “papai”. Os dois maiores ainda se recordam de quando era um homem. No álbum familiar conservam fotografias de sua formatura em West Point, a academia do Exército norte-americano, e fazem piadas: “esse não é você!”. Duas décadas depois de graduar-se, Robinson lidera o movimento pelos direitos dos transexuais.
Robinson conta que soube “desde os três ou quatro anos” que era “diferente”. Não compreendia por que as pessoas “pensavam que eu era de um jeito quando eu sabia que não era essa pessoa”. É uma história que contou muitas vezes. Em conferências, discursos e campanhas como ativista. As consequências, também: “Aprendi ainda muito jovem a manter isso oculto”. Desde a adolescência até depois de deixar o Exército, Robinson empregou o que chama de “mecanismos de adaptação” para viver escondida.
Até West Point ela carregava uma mala com roupa de mulher. “Isso me ajudava a saber que poderia escapar um fim de semana para um hotel, olhar-me no espelho e não ver essa diferença entre o que via e a pessoa que eu sabia que era”. Escondeu-a nos quartéis. “Se a tivessem descoberto, eu sabia das consequências”, afirma. Filha de um veterano do Vietnã que encerrou sua carreira profissional na guerra da antiga Iugoslávia, sabia que homossexuais, lésbicas e transexuais se arriscavam a ser expulsos.
Não pergunte, não conte
A Administração de Obama revogou em 2012 a norma Don’t Ask, Don’t Tell (não pergunte, não conte) que proibia de integrar o Exército quem revelasse sua homossexualidade. Aquele gesto sincronizou o Pentágono com a mudança de opinião da sociedade norte-americana e os últimos avanços judiciais em matéria de direitos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas a normativa só mencionava a exclusão pela orientação sexual, não por identidade de gênero, de modo que continua vetado o serviço militar aos transexuais, ao contrário do Reino Unido, Israel e Austrália.
Fiona Dawson, diretora da série de documentários TransMilitary, explica que o Pentágono justifica tal exclusão por uma definição antiquada da identidade de gênero que a equipara com um problema de saúde mental, apesar de a Associação Americana de Psiquiatria já haver eliminado essa classificação. O Pentágono desqualifica os candidatos que apresentem um “histórico de malformações ou defeitos nos genitais, como a troca de sexo e o hermafroditismo”.
Líderes como Robinson tentam mudar as normas a golpe de visibilidade. A primeira a dar o passo foi Chelsea Manning, que antes se chamava Bradley: o Pentágono acaba de anunciar que lhe proporcionará tratamento para mudar de sexo. Umas semanas antes, um transexual expulso do Exército estava na capa de The Washington Post. A atriz Laverne Cox, protagonista da série Orange is the New Black, apareceu na capa da TIME. E Kristin Beck, veterana dos Navy Seals com 20 anos de carreira, revelou em seu livro Warrior Princess que um dia foi Chris, membro da mais exigente das equipes das forças especiais. “Se seus colegas podem acolhê-la, não há unidade militar que não possa fazê-lo”, afirma Robinson.
Uma comunidade desempregada
A tendência coincide com sinais tímidos de parte do Governo. O presidente disse em 2013 que “a coragem não conhece gêneros”. E esta semana o presidente assinou uma lei que proíbe a discriminação no trabalho motivada por orientação sexual e identidade de gênero, embora o Pentágono continue desobrigado de cumpri-la.
Robinson, bacharel em física nuclear e incumbida de operações no Oriente Médio, Alemanha e Coreia do Sul, admite que sempre soube que não teria podido fazer sua transição se continuasse no Exército. Fiona Dawson, uma diretora britânica que transformou pessoas como ela no tema central de um documentário para estudar por que há o dobro de transexuais no Exército em relação a outras instituições, encontrou razões que podem mais que o medo. “Os homens que se identificam como mulheres encontram ali o entorno perfeito para esconder sua feminilidade e as mulheres têm a desculpa perfeita para ser mais masculinas”, explica. “Os transexuais são a comunidade com maior desemprego e o Exército é um bom trabalho.”
Sete de cada dez norte-americanos tem um amigo, parente ou colega homossexual. Mas somente 2% conhece um transexual. “Queremos que deixem de nos ver como um problema e nos vejam como pessoas”, acrescenta Robinson.
Permissão a si mesma
Ninguém lhe ensinou essa lição melhor do que os próprios filhos. Com sua mulher, Danielle, companheira de graduação em West Point com quem acaba de comemorar o vigésimo aniversário de casamento, eles os criam como um casal de lésbicas. Dois deles são suficientemente adultos para se lembrar dele como pai. “Minha transição não ocorreu da noite para o dia.” Assessorada por uma terapeuta, Robinson foi mudando a aparência pouco a pouco. Um dia se vestiu com uma saia e uma camiseta justa. Ao sair do banheiro colidiu com um filho. “Ficamos olhando um para o outro por alguns instantes. Olhou a roupa e depois me disse ‘papai, você está muito bonita’. Nesse momento eu soube que tudo ia ficar bem”.
Robinson fez sua transição para mulher pouco depois de graduar-se na Universidade Baylor, no Texas. Foi para lá após quase uma década no Exército, com a intenção de ser pastor da Igreja Batista. Na maior universidade religiosa do país também teve que esconder-se, e ali tomou a decisão. Chorava todos os dias. Com o apoio da mulher, Robinson contatou uma psicóloga para começar o caminho que, segundo ela, sabia que teria de percorrer. “Eu precisava dar permissão a mim mesma para fazê-lo.”
Robinson conta que soube “desde os três ou quatro anos” que era “diferente”. Não compreendia por que as pessoas “pensavam que eu era de um jeito quando eu sabia que não era essa pessoa”. É uma história que contou muitas vezes. Em conferências, discursos e campanhas como ativista. As consequências, também: “Aprendi ainda muito jovem a manter isso oculto”. Desde a adolescência até depois de deixar o Exército, Robinson empregou o que chama de “mecanismos de adaptação” para viver escondida.
Até West Point ela carregava uma mala com roupa de mulher. “Isso me ajudava a saber que poderia escapar um fim de semana para um hotel, olhar-me no espelho e não ver essa diferença entre o que via e a pessoa que eu sabia que era”. Escondeu-a nos quartéis. “Se a tivessem descoberto, eu sabia das consequências”, afirma. Filha de um veterano do Vietnã que encerrou sua carreira profissional na guerra da antiga Iugoslávia, sabia que homossexuais, lésbicas e transexuais se arriscavam a ser expulsos.
Não pergunte, não conte
A Administração de Obama revogou em 2012 a norma Don’t Ask, Don’t Tell (não pergunte, não conte) que proibia de integrar o Exército quem revelasse sua homossexualidade. Aquele gesto sincronizou o Pentágono com a mudança de opinião da sociedade norte-americana e os últimos avanços judiciais em matéria de direitos como o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas a normativa só mencionava a exclusão pela orientação sexual, não por identidade de gênero, de modo que continua vetado o serviço militar aos transexuais, ao contrário do Reino Unido, Israel e Austrália.
Fiona Dawson, diretora da série de documentários TransMilitary, explica que o Pentágono justifica tal exclusão por uma definição antiquada da identidade de gênero que a equipara com um problema de saúde mental, apesar de a Associação Americana de Psiquiatria já haver eliminado essa classificação. O Pentágono desqualifica os candidatos que apresentem um “histórico de malformações ou defeitos nos genitais, como a troca de sexo e o hermafroditismo”.
Líderes como Robinson tentam mudar as normas a golpe de visibilidade. A primeira a dar o passo foi Chelsea Manning, que antes se chamava Bradley: o Pentágono acaba de anunciar que lhe proporcionará tratamento para mudar de sexo. Umas semanas antes, um transexual expulso do Exército estava na capa de The Washington Post. A atriz Laverne Cox, protagonista da série Orange is the New Black, apareceu na capa da TIME. E Kristin Beck, veterana dos Navy Seals com 20 anos de carreira, revelou em seu livro Warrior Princess que um dia foi Chris, membro da mais exigente das equipes das forças especiais. “Se seus colegas podem acolhê-la, não há unidade militar que não possa fazê-lo”, afirma Robinson.
Uma comunidade desempregada
A tendência coincide com sinais tímidos de parte do Governo. O presidente disse em 2013 que “a coragem não conhece gêneros”. E esta semana o presidente assinou uma lei que proíbe a discriminação no trabalho motivada por orientação sexual e identidade de gênero, embora o Pentágono continue desobrigado de cumpri-la.
Robinson, bacharel em física nuclear e incumbida de operações no Oriente Médio, Alemanha e Coreia do Sul, admite que sempre soube que não teria podido fazer sua transição se continuasse no Exército. Fiona Dawson, uma diretora britânica que transformou pessoas como ela no tema central de um documentário para estudar por que há o dobro de transexuais no Exército em relação a outras instituições, encontrou razões que podem mais que o medo. “Os homens que se identificam como mulheres encontram ali o entorno perfeito para esconder sua feminilidade e as mulheres têm a desculpa perfeita para ser mais masculinas”, explica. “Os transexuais são a comunidade com maior desemprego e o Exército é um bom trabalho.”
Sete de cada dez norte-americanos tem um amigo, parente ou colega homossexual. Mas somente 2% conhece um transexual. “Queremos que deixem de nos ver como um problema e nos vejam como pessoas”, acrescenta Robinson.
Permissão a si mesma
Ninguém lhe ensinou essa lição melhor do que os próprios filhos. Com sua mulher, Danielle, companheira de graduação em West Point com quem acaba de comemorar o vigésimo aniversário de casamento, eles os criam como um casal de lésbicas. Dois deles são suficientemente adultos para se lembrar dele como pai. “Minha transição não ocorreu da noite para o dia.” Assessorada por uma terapeuta, Robinson foi mudando a aparência pouco a pouco. Um dia se vestiu com uma saia e uma camiseta justa. Ao sair do banheiro colidiu com um filho. “Ficamos olhando um para o outro por alguns instantes. Olhou a roupa e depois me disse ‘papai, você está muito bonita’. Nesse momento eu soube que tudo ia ficar bem”.
Robinson fez sua transição para mulher pouco depois de graduar-se na Universidade Baylor, no Texas. Foi para lá após quase uma década no Exército, com a intenção de ser pastor da Igreja Batista. Na maior universidade religiosa do país também teve que esconder-se, e ali tomou a decisão. Chorava todos os dias. Com o apoio da mulher, Robinson contatou uma psicóloga para começar o caminho que, segundo ela, sabia que teria de percorrer. “Eu precisava dar permissão a mim mesma para fazê-lo.”
*Cristina F. Pereda escreve para o El País, onde esta reportagem foi publicada originalmente.
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