A pressa e o imediatismo combatem a circunspeção e o controle das coisas e de si mesmo.
O que têm em comum um viaduto que cai antes de ser aberto ao trânsito e um pacífico avião de passageiros abatido pela artilharia de um país com que nada tem a ver? Falha humana. Há muita semelhança entre executores de uma obra de construção que entendem erroneamente o projeto de cálculo e soldados que atiram num avião que supõem ser do inimigo: ambos estão despreparados para seu trabalho. E o mesmo se diga de time de futebol que permite ao adversário marcar cinco vezes em dez minutos.
Ora, esse despreparo tem uma raiz que está lá bem atrás: a educação. A educação confere conhecimentos e atitudes. Nos casos citados, talvez até houvesse certo grau de conhecimento; afinal, o empreiteiro dispunha das modernas técnicas de construção, os soldados sabiam atirar, os jogadores conheciam o jogo do adversário... Mas faltou algo na atitude: percepção, atenção, compenetração, prudência... E provavelmente outras coisas, mas as que eu acabo de alistar já bastam para explicar a tragédia.
Aí está o ponto fraco da educação em muitas regiões do mundo e também aqui. Tem a ver com a mudança na sociedade. A tecnologia tem tendência a eliminar o pensamento. A pressa e o imediatismo combatem a circunspeção e o controle das coisas e de si mesmo. A superficialidade generalizada faz esquecer a responsabilidade. O espontaneísmo, em vez de tornar as pessoas livres, as torna escravas de seus impulsos.
A educação - quer em família (se houver), quer na escola ou em qualquer outro ambiente - deve estar preocupada com as atitudes. As atitudes intelectuais (“melhor uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia”), as atitudes éticas (“é justo o que quero fazer, serve para todos?”), as atitudes estéticas até (“estou fazendo o mundo mais bonito, mais alegre, mas habitável?”). E até as atitudes religiosas (“meu deus é só para meu proveito ou é o sumo bem de todos?”).
Infelizmente, o enfoque da educação escolar parece ser em primeiro lugar o ensino de conteúdos, e mesmo assim não funciona, porque não há avaliação séria. O desenvolvimento da sensibilidade, do sentido estético, da fineza afetiva, e mesmo de uma corporeidade sadia, que vai além de umas brincadeiras de futebol, tudo isso fica muito subvalorizado. E nem sempre por falta de infraestrutura, pois essa muitas vezes fica subutilizada.
O grande problema é a falta de seriedade, o que produz a irresponsabilidade.
Visto por esse ângulo, o problema da educação não é tanto de infraestrutura material (embora..), e talvez nem mesmo de programas e projetos, mas de mentalidade. E essa não depende só do governo. Depende de todos. Se há no povo um desejo generalizado para que mude a mentalidade em torno da educação (que não é somente o ensino escolar), o governo terá de criar os caminhos para que esse desejo se torne exequível em nível de sociedade. Um grande papel desempenham aqui também os organismos intermediários (entre o cidadão individual e as instâncias de governo), as ONGs, as igrejas, os sindicatos. Será que os sindicatos dos profissionais de educação não deveriam dar mais atenção ao “fator humano”?
Acontece, porém, que nossa sociedade está no rumo do pós-humanismo. A tecnologia tem tendência a substituir o humano. As instâncias de decisão se tornam cada vez mais restritas. O cidadão, sempre mais, fica mero agente passivo e, por isso mesmo, irresponsável. Jovens mergulhados no seu smartphone e esquecendo seus familiares em momentos críticos não são monstros, são produtos de um mundo que ameaça a todos nós.
Está na hora de acordar e de marchar contra a corrente. Não contra a tecnologia, nem contra a mundialização. Pois são coisas que podem servir para muita coisa boa. Mas contra nossa acomodação e passividade, contra nossa preguiça mental e falta de coragem. Xingamos os black blocks, e com razão, mas não será que eles são a expressão de angústias desesperadas, que não encontram maneira de transformação positiva e criativa?
O X Simpósio Internacional Filosófico-Teológico, na FAJE-Faculdade Jesuíta, de 24 a 26 de setembro, tem por tema “Do humano ao pós-humano: encruzilhada ou destino?” Pode ser uma oportunidade para refletir e, melhor ainda, conceber uma ação consistente.
Ora, esse despreparo tem uma raiz que está lá bem atrás: a educação. A educação confere conhecimentos e atitudes. Nos casos citados, talvez até houvesse certo grau de conhecimento; afinal, o empreiteiro dispunha das modernas técnicas de construção, os soldados sabiam atirar, os jogadores conheciam o jogo do adversário... Mas faltou algo na atitude: percepção, atenção, compenetração, prudência... E provavelmente outras coisas, mas as que eu acabo de alistar já bastam para explicar a tragédia.
Aí está o ponto fraco da educação em muitas regiões do mundo e também aqui. Tem a ver com a mudança na sociedade. A tecnologia tem tendência a eliminar o pensamento. A pressa e o imediatismo combatem a circunspeção e o controle das coisas e de si mesmo. A superficialidade generalizada faz esquecer a responsabilidade. O espontaneísmo, em vez de tornar as pessoas livres, as torna escravas de seus impulsos.
A educação - quer em família (se houver), quer na escola ou em qualquer outro ambiente - deve estar preocupada com as atitudes. As atitudes intelectuais (“melhor uma cabeça bem feita do que uma cabeça bem cheia”), as atitudes éticas (“é justo o que quero fazer, serve para todos?”), as atitudes estéticas até (“estou fazendo o mundo mais bonito, mais alegre, mas habitável?”). E até as atitudes religiosas (“meu deus é só para meu proveito ou é o sumo bem de todos?”).
Infelizmente, o enfoque da educação escolar parece ser em primeiro lugar o ensino de conteúdos, e mesmo assim não funciona, porque não há avaliação séria. O desenvolvimento da sensibilidade, do sentido estético, da fineza afetiva, e mesmo de uma corporeidade sadia, que vai além de umas brincadeiras de futebol, tudo isso fica muito subvalorizado. E nem sempre por falta de infraestrutura, pois essa muitas vezes fica subutilizada.
O grande problema é a falta de seriedade, o que produz a irresponsabilidade.
Visto por esse ângulo, o problema da educação não é tanto de infraestrutura material (embora..), e talvez nem mesmo de programas e projetos, mas de mentalidade. E essa não depende só do governo. Depende de todos. Se há no povo um desejo generalizado para que mude a mentalidade em torno da educação (que não é somente o ensino escolar), o governo terá de criar os caminhos para que esse desejo se torne exequível em nível de sociedade. Um grande papel desempenham aqui também os organismos intermediários (entre o cidadão individual e as instâncias de governo), as ONGs, as igrejas, os sindicatos. Será que os sindicatos dos profissionais de educação não deveriam dar mais atenção ao “fator humano”?
Acontece, porém, que nossa sociedade está no rumo do pós-humanismo. A tecnologia tem tendência a substituir o humano. As instâncias de decisão se tornam cada vez mais restritas. O cidadão, sempre mais, fica mero agente passivo e, por isso mesmo, irresponsável. Jovens mergulhados no seu smartphone e esquecendo seus familiares em momentos críticos não são monstros, são produtos de um mundo que ameaça a todos nós.
Está na hora de acordar e de marchar contra a corrente. Não contra a tecnologia, nem contra a mundialização. Pois são coisas que podem servir para muita coisa boa. Mas contra nossa acomodação e passividade, contra nossa preguiça mental e falta de coragem. Xingamos os black blocks, e com razão, mas não será que eles são a expressão de angústias desesperadas, que não encontram maneira de transformação positiva e criativa?
O X Simpósio Internacional Filosófico-Teológico, na FAJE-Faculdade Jesuíta, de 24 a 26 de setembro, tem por tema “Do humano ao pós-humano: encruzilhada ou destino?” Pode ser uma oportunidade para refletir e, melhor ainda, conceber uma ação consistente.
Johan KoningsJohan Konings nasceu na Bélgica em 1941, onde se tornou Doutor em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, ligado ao Colegio para a América Latina (Fidei Donum). Veio ao Brasil, como sacerdote diocesano, em 1972. Foi professor de exegese bíblica na Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (1972-82) e na do Rio de Janeiro (1984). Em 1985 entrou na Companhia de Jesus (jesuítas) e, desde 1986, atua como professor de exegese bíblica na FAJE - Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte, onde recebeu o título de Professor Emérito em 2011. Participou da fundação da Escola Superior Dom Helder Câmara.
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