sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Homens e mulheres-máquina

É triste ter que viver sempre alerta, com olhos nas costas e nos espelhos retrovisores laterais.

Por Ricardo Soares*

Sou essencialmente um lutador, mas também perco. A sabedoria do coração tem preço e demora a chegar. Às vezes, quando chega, já é tarde demais mas isso é pessimismo e aqui sopram outras brisas.

Tive muitas vozes, mas perdi todas. Graves, agudas,doces, resolutas. Agora busco apenas uma voz, pra me achar de novo inteiro nesse confuso tabuleiro onde já ofereci quitutes diversos. Todos dispersos. Todos, de certa forma, me levando à beira de abismos cômodos,abismos jogadas de efeito que me pareciam fazer ser mais destemido do que se fato sou.

Inconscientemente imitei estilos.Os meus próprios e os de outrem. Mas sempre almejei ouvir minha própria voz. Serena, de preferência. Paciência, se não consegui. Mas tento e tentei operar numa freqüência modulada ao sabor de plácidos acontecimentos. Cansei de tormentas já que tantas enfrentei. Quero as calmarias mas não a acomodação.

Talvez a sabedoria do coração seja a mais difícil de ser conseguida. Saber ter placidez, mesmo em meio a intempéries, é um desafio e tanto. E saber dar ao coração a chance de oferecer a outra face é outro grande desafio. Mas, o mais difícil, é ser humano. Demasiadamente humano. Tento aprender isso com os cães pois eles sempre oferecem as outras faces. Mas sou muito primitivo e sequer sei latir como eles.

Me convidam sempre, todos os dias, a não pensar com o coração. A ser racional, a não cair em armadilhas que nos espreitam em dias onde andamos totalmente desarmados. Tudo pode sob o sol. Tudo pode num dia lindo. Até a gente ser apunhalado. Por isso, é triste ter que viver sempre alerta, com olhos nas costas e nos espelhos retrovisores laterais. Nos convidam todos os dias a sermos homens e mulheres máquinas. Máquinas de resultados, gráficos, projeções, estimativas, previsões. Como se todos nós soubéssemos com precisão qual será o dia e a hora de nossas partidas. Sinceramente, eu aguardo na plataforma da estação com meus bilhetes todos vencidos.
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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