Ator, roteirista e escritor Gregório Duvivier defende a tomada de posições no humor e na vida
Por Camila Moraes*
As piadas e, principalmente, a internet anunciaram Gregorio Duvivier para o mundo, graças ao sucesso na web de Porta dos Fundos, o mais bem-sucedido programa de humor do Brasil dos últimos anos. Mas esse ator, roteirista e escritor carioca de 28 anos tem uma longa carreira que respalda sua fama de ser um dos grandes talentos de sua geração – e uma relação com o humor que vai muito além da brincadeira.
Nos palcos de teatro desde os nove anos de idade, Duvivier é filho da cantora Olivia Byington e do músico Edgar Duvivier e formou-se em Letras na PUC do Rio de Janeiro em 2008. Suas primeiras incursões na literatura se deram por meio da poesia, com os livros A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora (7Letras) e Ligue os pontos - Poemas de amor e Big Bang (Companhia das Letras), e renderam elogios de pesos pesados das letras como Ferreira Gullar e Millôr Fernandes.
Artista polivalente, Millôr foi justamente o homenageado da 12ª Festa Literária de Paraty, da qual Gregorio participou e onde debateu os limites entre prosa e poesia e humor e ofensa, sem medo de dar opiniões – como faz às segundas-feiras na sua coluna publicada pela Folha de S. Paulo.
Não por coincidência, esse que é um dos maiores humoristas do Brasil serve de grande inspiração para o seu trabalho: “Millôr dizia que o humor é sempre de oposição, assim como a imprensa. Tem que estar à direita da esquerda, à esquerda da direita e não pode estar no centro, que é um lugar horrível”. Tarefa que parece ser cada vez mais possível para a juventude brasileira, que segundo Duvivier, “está perdendo o horror à política como um todo”.
Fazer humor no Brasil, a seu ver, é mais fácil hoje do que já foi?
Acho que o humor no Brasil passa por um processo, que, em outros lugares, aconteceu muito antes. De ser tratado como um mundo à parte. Durante muito tempo, o humor eram as piadas, as anedotas, não existia a profissão do humorista. Isso é uma coisa recente, do século 19, começo do 20: pessoas que viviam disso, ainda que profissão não seja muito levada a sério até hoje. É normal as pessoas dizerem: “Ah, são anedotas. Não tem criatividade e, sobretudo, não tem pensamento”. Muita gente acha que humor é pra fazer rir irracionalmente, produzir uma risada, seja ela qual for. Atualmente se sabe que é uma arte mental, que merece ser tratada como tal. E tem mil tipos de humor, assim como tem mil tipos de música. Em vez de ser tratado como um gênero, ele deveria ser tratado como uma arte em que há vários gêneros.
Então há bastante espaço para o humor no país. Mas alguns humoristas são um pouco agressivos, o que atenta contra a profissão. Você acha que isso acontece aqui ou no mundo inteiro?
No Brasil, vivemos a explosão de diversidade no humor. Por exemplo, o Porta dos Fundos é uma coisa que não existia, não é só pela explosão da internet. Esse gênero de humor sem muita composição, hipernaturalista, com crítica social, é meio novo no país. De alguma maneira, está começando a surgir a diversidade no humor e a seriedade também. Começaram a ver que é um nicho, não só de mercado e de vendas, como o teatro ou a literatura, mas sobretudo que é um lugar de se pensar. Vale a pena você perder tempo, porque carrega pensamento e gera mudanças. É importante o Millôr ser homenageado na Flip por isso. É difícil o humor ser levado para a Academia, ver teses ou dissertações sobre as obras de autores humorísticos. Acho que é muito legal dar ao humor o lugar que ele merece, que é de reflexão.
Sobre certos humoristas, tem uma coisa que se dizia antigamente: “É só uma piada. É só uma brincadeira”. Tem humoristas que ainda dizem isso quando sofrem processo. Acho uma burrice. Não é só uma piada. Uma piada é tudo, não está eximida de qualquer culpa ou de qualquer responsabilidade. É muita coisa. É importante a gente ter essa consciência: que, por trás do humor, tem um pensamento sempre. Quando você ri de alguma coisa, tem um trabalho intelectual. Mesmo ao rir de alguém que caiu. Acho que estamos nos conscientizando disso agora. É muito recente.
Na sua mesa na Flip, você leu um texto do Millôr, Liberdade, liberdade, que ironiza as tomadas de posição. Mas, como você disse, o humor é muito político. No fim das contas, é importante assumir posições?
Acho que é isso mesmo. O Millôr está fazendo uma piada a respeito, porque era um iconoclasta e não deixava pedra sobre pedra. Mas o que ele está dizendo ali, e eu acho muito bom, é: “Assumam”. Ele dizia que o humor é sempre de oposição, assim como a imprensa. Tem que estar à direita da esquerda, à esquerda da direita e não pode estar no centro, que é um lugar horrível. Isso é outra coisa que em outros países tem também. Na França, por exemplo, você tem um jornal de esquerda, o Le Monde, e um jornal de direita, que é o Le Figaro. Isso é assumido. E é ótimo, tem leitores pros dois, e eles sabem que aquilo é partidário. É mais sincero do que no Brasil, onde os jornais têm ligações muito escusas com o poder. Isso é um problema.
Você esquece que é um ponto de vista e toma aquilo como verdade. Gosto da Folha, por exemplo, porque existe uma polifonia ali dentro. Não tem uma posição do jornal como um tudo, mas existe espaço. Eu levanto toda semana uma bandeira diferente lá. Acho que é importante eles darem esse espaço e sair do armário. A imprensa brasileira tem que sair do armário, assim como os humoristas. Volta e meia, não declaramos nossos apoios, nossas causas. Temos muito medo disso e queremos agradar todo mundo. Mas não é possível.
É normal escutar que os jovens de hoje são muito descrentes da política. Você, que faz parte de uma geração jovem aqui no Brasil, concorda?
Acho que a maioria dos jovens está se politizando hoje em dia. Está passando o horror à política como um todo, que era algo mais da geração acima da minha, muito pouco envolvida – por causa da ditadura, claro. A política era sinônimo de militares no poder, de fascismo mesmo. Não existia a possibilidade de aderir a um partido que fosse contra. Hoje, sim. Acho uma cagada dizer que político é tudo igual. É um discurso muito nocivo. Muita gente diz “política é tudo igual, não se meta com isso, só tem ladrão”. É algo que existe, mas está diminuindo. Eu acredito que tem uma vontade mudança aí, e as manifestações são meio que a prova disso.
Na Flip, você também fez um certo mea culpa em relação ao Sarney, por causa de uma carta aberta e bastante crítica que escreveu para ele na Folha como se fosse o câncer que ele teve e do qual se curou. Por que você acha que cruzou “a fronteira do afeto” com ele, como disse?
Eu acho que quando se fala de morte, de desejar a morte de outra pessoa, talvez se cruze um limite que não teria sido bom cruzar. Você dizer que seria melhor que a pessoa tivesse morrido é terrível demais, falta afeto. Acho que, por mais que você tenha que assumir posições e causas e ser político – não dá pra fugir disso –, quando bate aí eu acho que se perde a humanidade.
Como foi participar de uma Flip sendo ator e humorista, além de poeta e cronista? Você se sente cômodo em meio a tantos escritores?
Não. Eu fiquei muito nervoso durante a mesa, porque é um meio com o qual não estou tão acostumado assim. Subo num palco para públicos maiores, mas com um personagem, atuando... Não como pessoa física, o que é pra mim uma dificuldade. Por isso, gosto de atuar. Você pode deixar de ser você mesmo e se esconder. As pessoas acham que o ator é um exibicionista, mas na maioria dos casos ele é um tímido. Com o autor é diferente, você está falando na primeira pessoa sobre o que acha, levantando bandeiras. É outro terreno, mas estou gostando muito.
Há algum projeto novo em vista?
Tenho um novo livro de prosa humorística, que sai em novembro pela Companhia das Letras. É um livro de crônicas, com textos do Porta dos Fundos e da Folha e outros inéditos também.
Que rumos vocês pretendem dar ao Porta?
Vamos continuar no mesmo formato, mas aumentar algumas coisas. Fizemos recentemente uma série sobre AIDS chamada Viral, que foi um passo importante, de contar uma história com começo, meio e fim. E é um tema sério: um cara que descobre que tem AIDS e vai avisando todas as mulheres quem ele transou sem camisinha na vida. Claro que tem humor, mas drama também. Queremos explorar esse tipo de lugar, sem negar o lado humorístico, porque não conseguiríamos. Até porque o humor não esvazia, não barateia o conteúdo como muita gente acredita. Não necessariamente.
"Noo sofá com Gregório Duvivier". Veja o vídeo:
Nos palcos de teatro desde os nove anos de idade, Duvivier é filho da cantora Olivia Byington e do músico Edgar Duvivier e formou-se em Letras na PUC do Rio de Janeiro em 2008. Suas primeiras incursões na literatura se deram por meio da poesia, com os livros A partir de amanhã eu juro que a vida vai ser agora (7Letras) e Ligue os pontos - Poemas de amor e Big Bang (Companhia das Letras), e renderam elogios de pesos pesados das letras como Ferreira Gullar e Millôr Fernandes.
Artista polivalente, Millôr foi justamente o homenageado da 12ª Festa Literária de Paraty, da qual Gregorio participou e onde debateu os limites entre prosa e poesia e humor e ofensa, sem medo de dar opiniões – como faz às segundas-feiras na sua coluna publicada pela Folha de S. Paulo.
Não por coincidência, esse que é um dos maiores humoristas do Brasil serve de grande inspiração para o seu trabalho: “Millôr dizia que o humor é sempre de oposição, assim como a imprensa. Tem que estar à direita da esquerda, à esquerda da direita e não pode estar no centro, que é um lugar horrível”. Tarefa que parece ser cada vez mais possível para a juventude brasileira, que segundo Duvivier, “está perdendo o horror à política como um todo”.
Fazer humor no Brasil, a seu ver, é mais fácil hoje do que já foi?
Acho que o humor no Brasil passa por um processo, que, em outros lugares, aconteceu muito antes. De ser tratado como um mundo à parte. Durante muito tempo, o humor eram as piadas, as anedotas, não existia a profissão do humorista. Isso é uma coisa recente, do século 19, começo do 20: pessoas que viviam disso, ainda que profissão não seja muito levada a sério até hoje. É normal as pessoas dizerem: “Ah, são anedotas. Não tem criatividade e, sobretudo, não tem pensamento”. Muita gente acha que humor é pra fazer rir irracionalmente, produzir uma risada, seja ela qual for. Atualmente se sabe que é uma arte mental, que merece ser tratada como tal. E tem mil tipos de humor, assim como tem mil tipos de música. Em vez de ser tratado como um gênero, ele deveria ser tratado como uma arte em que há vários gêneros.
Então há bastante espaço para o humor no país. Mas alguns humoristas são um pouco agressivos, o que atenta contra a profissão. Você acha que isso acontece aqui ou no mundo inteiro?
No Brasil, vivemos a explosão de diversidade no humor. Por exemplo, o Porta dos Fundos é uma coisa que não existia, não é só pela explosão da internet. Esse gênero de humor sem muita composição, hipernaturalista, com crítica social, é meio novo no país. De alguma maneira, está começando a surgir a diversidade no humor e a seriedade também. Começaram a ver que é um nicho, não só de mercado e de vendas, como o teatro ou a literatura, mas sobretudo que é um lugar de se pensar. Vale a pena você perder tempo, porque carrega pensamento e gera mudanças. É importante o Millôr ser homenageado na Flip por isso. É difícil o humor ser levado para a Academia, ver teses ou dissertações sobre as obras de autores humorísticos. Acho que é muito legal dar ao humor o lugar que ele merece, que é de reflexão.
Sobre certos humoristas, tem uma coisa que se dizia antigamente: “É só uma piada. É só uma brincadeira”. Tem humoristas que ainda dizem isso quando sofrem processo. Acho uma burrice. Não é só uma piada. Uma piada é tudo, não está eximida de qualquer culpa ou de qualquer responsabilidade. É muita coisa. É importante a gente ter essa consciência: que, por trás do humor, tem um pensamento sempre. Quando você ri de alguma coisa, tem um trabalho intelectual. Mesmo ao rir de alguém que caiu. Acho que estamos nos conscientizando disso agora. É muito recente.
Na sua mesa na Flip, você leu um texto do Millôr, Liberdade, liberdade, que ironiza as tomadas de posição. Mas, como você disse, o humor é muito político. No fim das contas, é importante assumir posições?
Acho que é isso mesmo. O Millôr está fazendo uma piada a respeito, porque era um iconoclasta e não deixava pedra sobre pedra. Mas o que ele está dizendo ali, e eu acho muito bom, é: “Assumam”. Ele dizia que o humor é sempre de oposição, assim como a imprensa. Tem que estar à direita da esquerda, à esquerda da direita e não pode estar no centro, que é um lugar horrível. Isso é outra coisa que em outros países tem também. Na França, por exemplo, você tem um jornal de esquerda, o Le Monde, e um jornal de direita, que é o Le Figaro. Isso é assumido. E é ótimo, tem leitores pros dois, e eles sabem que aquilo é partidário. É mais sincero do que no Brasil, onde os jornais têm ligações muito escusas com o poder. Isso é um problema.
Você esquece que é um ponto de vista e toma aquilo como verdade. Gosto da Folha, por exemplo, porque existe uma polifonia ali dentro. Não tem uma posição do jornal como um tudo, mas existe espaço. Eu levanto toda semana uma bandeira diferente lá. Acho que é importante eles darem esse espaço e sair do armário. A imprensa brasileira tem que sair do armário, assim como os humoristas. Volta e meia, não declaramos nossos apoios, nossas causas. Temos muito medo disso e queremos agradar todo mundo. Mas não é possível.
É normal escutar que os jovens de hoje são muito descrentes da política. Você, que faz parte de uma geração jovem aqui no Brasil, concorda?
Acho que a maioria dos jovens está se politizando hoje em dia. Está passando o horror à política como um todo, que era algo mais da geração acima da minha, muito pouco envolvida – por causa da ditadura, claro. A política era sinônimo de militares no poder, de fascismo mesmo. Não existia a possibilidade de aderir a um partido que fosse contra. Hoje, sim. Acho uma cagada dizer que político é tudo igual. É um discurso muito nocivo. Muita gente diz “política é tudo igual, não se meta com isso, só tem ladrão”. É algo que existe, mas está diminuindo. Eu acredito que tem uma vontade mudança aí, e as manifestações são meio que a prova disso.
Na Flip, você também fez um certo mea culpa em relação ao Sarney, por causa de uma carta aberta e bastante crítica que escreveu para ele na Folha como se fosse o câncer que ele teve e do qual se curou. Por que você acha que cruzou “a fronteira do afeto” com ele, como disse?
Eu acho que quando se fala de morte, de desejar a morte de outra pessoa, talvez se cruze um limite que não teria sido bom cruzar. Você dizer que seria melhor que a pessoa tivesse morrido é terrível demais, falta afeto. Acho que, por mais que você tenha que assumir posições e causas e ser político – não dá pra fugir disso –, quando bate aí eu acho que se perde a humanidade.
Como foi participar de uma Flip sendo ator e humorista, além de poeta e cronista? Você se sente cômodo em meio a tantos escritores?
Não. Eu fiquei muito nervoso durante a mesa, porque é um meio com o qual não estou tão acostumado assim. Subo num palco para públicos maiores, mas com um personagem, atuando... Não como pessoa física, o que é pra mim uma dificuldade. Por isso, gosto de atuar. Você pode deixar de ser você mesmo e se esconder. As pessoas acham que o ator é um exibicionista, mas na maioria dos casos ele é um tímido. Com o autor é diferente, você está falando na primeira pessoa sobre o que acha, levantando bandeiras. É outro terreno, mas estou gostando muito.
Há algum projeto novo em vista?
Tenho um novo livro de prosa humorística, que sai em novembro pela Companhia das Letras. É um livro de crônicas, com textos do Porta dos Fundos e da Folha e outros inéditos também.
Que rumos vocês pretendem dar ao Porta?
Vamos continuar no mesmo formato, mas aumentar algumas coisas. Fizemos recentemente uma série sobre AIDS chamada Viral, que foi um passo importante, de contar uma história com começo, meio e fim. E é um tema sério: um cara que descobre que tem AIDS e vai avisando todas as mulheres quem ele transou sem camisinha na vida. Claro que tem humor, mas drama também. Queremos explorar esse tipo de lugar, sem negar o lado humorístico, porque não conseguiríamos. Até porque o humor não esvazia, não barateia o conteúdo como muita gente acredita. Não necessariamente.
"Noo sofá com Gregório Duvivier". Veja o vídeo:
*Camila Moraes é correspondente em São Paulo do El País, onde esta reportagem foi publicada originalmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário