Padre Geovane
Saraiva*
Dedicar-se à
ternura de Nosso Senhor Jesus Cristo não é, de modo algum, voltar-se para um
pieguismo ou devocionismo sentimental, exagerado ou inexpressivo. Quer,
sobretudo, revelar o agir de Jesus, ensinando-nos o que de mais humano existe
em Deus e, por outro lado, manifestando o que de mais divino existe na criatura
humana, imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26s). Neste sentido, não podemos
prescindir nem mesmo de arriscar a nossa própria vida, desde que para bem
cumprir o projeto do Criador e Pai. “Deixar escapar a ternura é deixar escapar
a vida. E como não há vida sem risco, assim também não há ternura sem riscos”
(Carlo Rocchetta). A compreensão da ternura de Deus requer uma sábia capacidade
dos cristãos de acolher a beleza preciosa e transcendente realidade da criação,
na qual se percebe com clareza os sinais de Deus e para qual se dirige
constantemente seu terno olhar.
É indispensável
que se crie condições que favoreçam e despertem nos seres humanos, o sentido do
encanto e das maravilhas da vida, como tão bem afirma o teólogo Giovanni
Bonetto, na seguinte assertiva: “Quem perdeu a capacidade de maravilhar-se e de
ser surpreendido pelas coisas, é como se estivesse morto e seus olhos se
apagaram”. Que Deus nos dê a graça da sensibilidade e confiança, tão bem
expressas no Evangelho: “Olhai os pássaros dos céus: eles não semeiam, não
colhem nem ajuntam em armazéns. No entanto, vosso Pai que está nos céus os
alimenta. Ora, não valeis vós mais do que eles? Quem de vós pode prolongar a
duração da própria vida, só pelo fato de se preocupar com isso? E por que
ficais preocupados com a roupa? Olhai como crescem os lírios do campo: eles não
trabalham nem fiam. Porém, eu vos digo: nem o rei Salomão, em toda a sua
glória, jamais se vestiu como um deles” (cf. Mt 6, 26-29).
O Santo Padre, o
Papa Francisco, na missa que inaugurou o início de seu pontificado, aos 19/03/2013,
disse palavras belíssimas, dentro desse mesmo contexto da alegria e da ternura,
ao referir-se a esperança do povo de Deus, os descendentes de Abraão: “Com uma
esperança, para além do que se podia esperar! Também hoje, perante tantos
pedaços de céu cinzento, há necessidade de ver a luz da esperança e de darmos
nós mesmos a esperança. Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um
olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir um rasgo de
luz no meio de tantas nuvens, é levar o calor da esperança! E, para o crente,
para nós cristãos, como Abraão, como São José, a esperança que levamos tem o
horizonte de Deus que nos foi aberto em Cristo, está fundada sobre a rocha que
é Deus” (cf. Rm 4, 18).
Já no Evangelho
do sermão da montanha, que se inicia com as bem aventuranças, declaração
maravilhosa e solene, proclamada pelo Filho de Deus, o reino de Deus nos é
revelado como uma boa notícia aos pobres. Essa declaração ou anúncio é um grito
de alegria, feito por Jesus de Nazaré, pela chegada do reino de Deus e, ao
mesmo tempo, uma proposta rigorosa e exigente a um estilo de vida, na ternura,
no desprendimento e no despojamento: “Bem-aventurados sereis quando vos
caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o tipo de mal contra
vós por causa de mim” (cf. Mt 5, 11), deixando claro e evidente que a ternura
de Deus deve ser sempre, a razão de nossa maior alegria.
Na utopia e na ternura de
Francisco de Assis temos mais que um ideal, temos um espírito e um modo de ser,
associado às chagas do Senhor Jesus, ele, um apaixonado pela paixão de Jesus
Cristo, um apaixonado pela cruz do Senhor. Tão grande era sua paixão, que
mereceu experimentar ao vivo na própria carne a paixão, sobre a qual tanto
meditara e chorara, a ponto de ter ficado quase cego. Também São Francisco de
Sales, uma vez consagrado à causa do reino de Deus, assumiu um compromisso de
fé, de tal modo sólido e consequente, a ponto de causar marcas profundas na
sociedade do seu tempo (1567-1622). Sua obra foi admirável, pelo seu coração grande
e terníssimo, destacando-se como um grande místico e mestre na escola de oração
e espiritualidade, tendo como lema "fazer-se tudo para todos".
Gostava de dizer que pertencemos totalmente a Deus e só a ele devemos submeter
a nossa vontade, insistindo na necessidade de fundamentar a vida cristã, sobre
o amor a Deus e ao próximo.
Precisamos cada
dia mais compreender que nosso mundo é especial, desde que nos permitamos viver
e sentir a ternura de Deus; relembremos em especial o que disse o Sumo
Pontífice a nós brasileiros em 22/07/2013, quando esteve no Rio de janeiro:
“Aprendi que para ter acesso ao Povo Brasileiro, é preciso ingressar pelo
portal do seu imenso coração; por isso permitam-me que nesta hora eu possa
bater delicadamente a esta porta. Peço licença para entrar e transcorrer esta
semana com vocês. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me
foi dado: Jesus Cristo!”. Assim seja!
*Padre da
Arquidiocese de Fortaleza, escritor, colunista, blogueiro, membro da Academia
Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do
Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de
Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com
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