domingo, 21 de setembro de 2014

Ai de vós

Almir Magalhães*
Na realização de sua missão, Jesus teve que enfrentar alguns conflitos e até mesmo provocá-los, na fidelidade e obediência à realização da vontade do Pai. Via de regra, encontramos estes confrontos junto a alguns grupos de seu tempo, entre eles destacando os Escribas ou Doutores da Lei e os Fariseus, estes últimos gozando de muita credibilidade junto ao povo de Deus. Esta credibilidade se dava pela lógica defendida por eles na medida em que pelo cumprimento da lei se visibilizava uma maior aproximação a Deus ou não; a isto chamamos de legalismo farisaico, pois a questão principal de estar próximo a Deus ou não era só cumprir a lei. (cf. todo o confronto sobre o sábado; comer com as mãos impuras, cf. Mc. 7).

 O sistema se baseava nos pólos – puros e impuros. A pureza indicava as condições necessárias para alguém poder comparecer diante de Deus no Templo (cf. C. Mesters, com Jesus na contramão, p. 24). Neste sentido, o povo tinha uma grande preocupação com a pureza, pois quem não era puro não podia chegar perto de Deus (Mt. 9,9-12).

No capítulo 23 do Evangelho de Mateus Jesus pronuncia os famosos sete “ais”, todos eles dirigidos a estes dois grupos e de forma ousada e profética; nesta seção, chama-os ora de “hipócritas”, ora de “Guias Cegos”, de “Insensatos”, e de “sepulcros caiados”, predomina o adjetivo hipócrita.

Evidentemente que Jesus não age desta forma, manifestando ódio para com os mesmos, mas fazendo uma catequese para que eles pudessem entrar na dinâmica da conversão e consequentemente do Reino de Deus, na novidade do que ele representava, já que o rosto de Deus que eles manifestavam contradizia frontalmente o Deus que Jesus representava.

Do conjunto da coletânea de advertências contra escribas e fariseus, o termo mais usado é a hipocrisia, por se tratar de uma atitude do sistema religioso que eles representavam, fechando-se no seu prestígio e poder, julgavam-se justos e santos e disto os Evangelhos dão conta (cf. o ex. da cena do Fariseu e do Publicano – Lc. 18, 9-14; a questão do jejum em Mc. 2,18ss.). No sistema por eles defendido o que prevalecia de fato eram os ritos externos, a formalidade.


A partir do texto aqui referenciado, destaco o versículo 23 :“Ai de vós escribas e fariseus hipócritas, que pagais o dizimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, enquanto descuidais o que há de mais grave na lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade; é isto que era preciso fazer, sem omitir aquilo”.

A referência é muito clara e não precisa de grandes comentários acadêmicos – os interlocutores de Jesus, como já se sabe, viviam da exterioridade, da formalidade, do cumprimento da lei amplamente denunciado neste capítulo de Mateus. Na sequência, Jesus dá um ensinamento novo a partir também de suas práticas, por exemplo, confraternizando-se com pessoas impuras como eram os publicanos e pecadores (Mc. 2, 15-17), tocar em leprosos, comer sem lavar as mãos, tocar em cadáver e isto evidentemente tornava Jesus, na concepção da época, uma pessoa impura pelo contato com estes pecadores e isto impedia a presença de Deus.

 Agora vamos puxar a reflexão construindo uma ponte entre a abordagem até aqui desenvolvida e o nosso tempo: prefiro fazer isto em primeiro lugar fazendo duas perguntas- para você caro leitor existe algo parecido hoje em dia?

Por gentileza, interessante não fazer uma interpretação fundamentalista, mas levar em consideração a formalidade, as questões de visibilidade que a Igreja tem hoje através de grandes eventos de massa, da mídia católica, do estilo neo-pentecostal... e a segunda pergunta: como está sendo levada em consideração a prática da misericórdia? A prática da justiça e da fidelidade no seguimento de Jesus Cristo? Será que estamos na linha da exterioridade e sem esquecer isto estamos deletando a justiça da prática de nossos grupos, Paróquias e idem com a misericórdia e a fidelidade.

*Padre da arquidiocese de Fortaleza e diretor da Faculdade católica de Fortaleza

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