sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Anime - Gilmar P. da Silva SJ*

Em comemoração dos 40 anos de carreira do mestre Kurumada, foi produzido uma nova animação dos Cavaleiros do Zodíaco.

Ele chegou em casa e começou a brincar com ela. “Me dê sua força, Pegasus!” – dizia com a empolgação de um super-herói, fingindo lhe dar socos. “Que bobeira é essa, agora?” – retrucou a esposa em um misto de irritação e cansaço. Ele esperava ser entendido. Com cara de quem não acreditava, perguntou: “Você não viu esse desenho?”. Ela não respondeu. Estava muito ocupada na cozinha para responder. Seu semblante dizia achar tudo aquilo patético e, virando-se, procurou algo no armário fazendo pouco caso.

Ele, já não tão empolgado, começou a contar o motivo de sua alegria: “É que está em cartaz o filme dos Cavaleiros do Zodíaco”. “E daí? Por causa disso, você acha que voltou a ser criança?” – responde ela, impaciente, interrompendo o que o marido dizia. “Era um desenho que eu gostava muito, quando criança” – insistiu o pobre homem, com voz desolada. “Já tem 20 anos desde que a TV Manchete exibiu o primeiro episódio”. Seu rosto se iluminou de novo. “Você lembra da Manchete? Eu tenho uma lembrança vaga da novela Pantanal. Minha mãe não gostava”. Ela desconsiderou as memórias que o marido evocava: “Por falar nisso, sua mãe ligou. Depois você retorna”. “Tudo bem. Eu vou tomar banho e ligo para ela” – respondeu ele, mais sério, deixando a cozinha.

Suas lutas não eram mais as dos inimigos da deusa Atena, como fora em seu imaginário aos 10 anos de idade. A animação de sua infância estava distantes de seus novos combates, os problemas ordinários da vida adulta. Sentia-se um cavaleiro solitário. Onde estariam Luciano, José e Maílson? José sempre queria ser o cavaleiro de Pégasus e ninguém queria ser o cavaleiro de Andrômeda. Sempre dava briga quando iam escolher os personagens na hora da brincadeira. Os quatro companheiros haviam se afastado. Sempre imaginou que seriam amigos até o fim da vida... Restara-lhe, da infância, o sonho do herói. Seu desejo sempre foi o de ser uma pessoa boa. Ele queria ser bom. Só isso.

Depois do banho, voltou-se para a esposa com cara de adulto. Falou de coisas sérias e lhe foi romântico. Escutou com paciência tudo o que ela relatava de seu dia e interagia com interesse, mesmo que seu coração estivesse nostálgico e certa melancolia lhe habitasse o olhar. Ela não notou. Algo havia despertado novamente o menino. Não era só um desenho, era a memória de um tempo feliz. Tempo no qual seus calçados velhos não interferiam em sua imagem; em que seu nome não dizia mais que seu apelido; em que o “ficar de mal” não implicava em deixar de jogar com a outra pessoa, ainda que estivessem sem se falar; em que se voltava às pazes sem pedidos de desculpas ou mesmo sem se lembrar do motivo da desavença.

O telefone tocou novamente. Era sua mãe querendo saber como estava, o que lhe faltava e outras coisas do gênero. Ele não queria colo, apenas que lhe fossem preparados um achocolatado gelado e um prato com biscoitos. A jornada de um herói é sempre a jornada de um menino, que cresceu ou não. Aquela noite ele dormiu sonhando ser um valoroso combatente. “Será que minha mãe ainda guarda aquele álbum de figurinhas?” – uma pergunta existencial lhe roubava o sono.
 
Filme

Em comemoração dos 40 anos de carreira do mestre Kurumada, criador da série Saint Seiya (anime e mangá), traduzido no Brasil como Cavaleiros do Zodíaco, foi produzido uma nova animação de uma de suas sagas. O próprio criador esteve na supervisão de todo o trabalho. A Saga do Santuário, conta a luta dos Cavaleiros de Bronze contra o Mestre do Santuário para salvar a jovem Saori, encarnação da deusa Atena. O longa é o primeiro em computação gráfica e promete surpreender os admiradores da série que estreou no Brasil há 20 anos atrás.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana. 

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