quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Dedo na ferida e na verdade

Aécio quis posar de moralizador e ético, apontar as falhas alheias com o dedo sujo e tomou uma enquadrada exemplar.

Por Ricardo Soares*

Mais tedioso que reunião corporativa, onde os meios burocráticos não levam em conta os fins produtivos, são os debates eleitorais televisivos, engessados em regras estapafúrdias onde  debatedores são meramente recitadores de recados dados por seus marqueteiros. Assim sendo, os candidatos não se revelam como de fato são, mas sim como gostariam de serem vistos. Mesmo assim essas regras tem exceções.

A CNBB e a TV Aparecida realizaram na terça passada um debate entre os presidenciáveis que poderia servir de modelo para a Band e a Globo, apesar da fórmula ainda se manter engessada. Mas, ao menos, permitiu que as perguntas dos entrevistadores fossem meramente perguntas e não teses que defendem para a concordância ou não dos candidatos. O mediador Rodolfo Gamberini (apesar de protocolar e também engessado) portou-se a contento. Aliás, sempre relembro isso, o considero o melhor mediador que o Roda Viva já teve.

Mas não estou aqui para falar do desempenho do colega e, sim, lembrar que, apesar do engessamento, debates como esse podem trazer notáveis surpresas como foi a surra retórica que a candidata Luciana Genro aplicou no fragilíssimo candidato tucano Aécio Neves, de resto sempre a nulidade que conhecemos.

Aécio quis posar de moralizador e ético, apontar as falhas alheias com o dedo sujo e tomou uma enquadrada exemplar de Luciana que o colocou no devido lugar. Ao ser convidada a falar sobre educação, aproveitou seu tempo e lembrou ao candidato tucano uma fileira de motivos que ele devia considerar antes de apontar falta de moralidade em outros candidatos. Aécio, ruim de traquejo, ainda tentou desqualificar a candidata dizendo que ela não tinha propostas em educação ( ele tem?) e a acusou de ser "linha auxiliar do PT". Minutos depois daquele execrável pastor Everaldo, linha auxiliar de Aécio, fazer uma pergunta combinada para que Aécio pudesse fazer suas torpes considerações acerca do escândalo da Petrobras.

Está claro para o prezado leitor que eu não votaria em Aécio nem sob artilharia pesada.  O considero uma nulidade completa. A mais completa tradução da frase do Barão de Itararé: “de onde não se espera nada é que não vem nada mesmo”. Por outro lado, não estou aqui para legislar a favor de candidato algum, sequer de Luciana Genro, que deslocou a bacia de Aécio. O que considero louvável no gesto dela é dizer o que tinha que ser dito. E bem dito. Aécio não pode ser hipócrita a ponto de ignorar as mazelas do seu partido para apontar as mazelas de outros. Mas discurso não ganha eleição, todos sabemos. Assim fosse, Luciana estava eleita. É a mais fluída, a que melhor fala e improvisa, a que coloca o dedo na ferida. Com ela não tem essa de “mentiras sinceras me interessam”. Ela coloca o dedo na verdade.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor e jornalista. Autor, entre outros, dos livros “Valentão”, “Falta de Ar”, “O Brasil é feito por nós?” e do romance adulto "Cinevertigem". Foi cronista do Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e Diário do Grande ABC.

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