quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Nenhum homem é uma ilha

Nunca as pessoas foram tão sozinhas dentro de suas tecnologias, aparelhos e aplicativos.

Por Ricardo Soares*

"Minha filha", diriam os personagens de Nelson Rodrigues na aflição do dia a dia. E eu modestamente responderia: "minha filha, nenhum homem é uma ilha". Talvez até devesse ser, nesses tempos de emoções baratas, linchamentos éticos sumários e outros rituais ligeiros onde todos querem se inserir pra não ficar fora do contexto.
Ninguém quer ficar por fora dos notáveis lançamentos tecnológicos como a nova versão do Iphone ou o aplicativo que te diz onde encontrar beterrabas maduras nas cercanias de sua casa. É como se não pudéssemos mais viver sem isso. É como se nossas vidas estivessem enraizadas nos nossos aparelhos, como bem retratou o artista gráfico Banksy em ilustração recente.

Nenhum homem é uma ilha e precisa ser cada vez mais esse arquipélago universal para se sentir inserido. Daí vem o paradoxo. Nunca as pessoas foram tão sozinhas dentro de suas tecnologias, aparelhos e aplicativos. A doença coletiva faz todo mundo ficar plugado sem olhar pro lado, sem desejar bom dia, sem enxergar o próximo tão próximo. Uma nova e plugada versão do anarquismo seria um movimento coletivo para renunciar a essa globalização plugada. Os governos prometem todo mundo plugado, internet livre e turbinada, carros nas estradas. E, assim, o planeta escoa pelo ralo, carente de recursos.

Não faz muito tempo, li finalmente a versão completa de “Robinson Crusoe” de Daniel Defoe. O homem e sua ilha. Sobrevivendo com o que a natureza lhe dá. Uma velha e idílica fantasia já usada até como miolo de um filme onde Tom Hanks faz propaganda da Fedex. Ok, a felicidade não é uma propaganda da Fedex mas poderia ser uma volta às origens. A busca do homem por sua ilha. “Minha filha” você acha que eu estou exagerando? Será apenas delírio de um cavaleiro de meia idade, cansado de pegar montarias erradas?
* Ricardo Soares é diretor de TV, escritor, roteirista e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) e autor, entre outros, dos livros Cinevertigem, Valentão e Falta de Ar. Atualmente diretor de Conteúdo e programação da EBC- Empresa Brasil de Comunicação.

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