Um dia eu ainda vou apanhar na rua. É que o ser humano me interessa muito. Às vezes me percebo olhando para as pessoas em contemplação do fenômeno humano. Dá que alguém acha que estou lhe paquerando ou olhando por motivos quaisquer e venha me cobrar satisfação? O que é que eu vou falar? Que enquanto lhe olhava (ou à sua namorada ou aos dois), vinha-me à mente algumas teorias de antropologia, psicologia, sociologia etc.? Não iria funcionar.
Fato é que as coisas me pescam. Se o peixe morre pela boca eu morro pelo olhos e ouvidos. Tudo bem! Pela boca também, porque não resisto a experimentar um prato novo e exótico. Há um instinto de exploração de novos mundo e possibilidades que me move. E isso é, com frequência, angustiante. Afinal, a angústia é a “vertigem da liberdade”, esse sentimento de pura possibilidade diante de um futuro para o qual estamos propendidos e que se confronta com o passado, estreitando-nos no presente. Desculpa-me, Kierkegaard, por falar tão pobremente sobre o conceito de angústia, mas isso é uma coluna semanal. A gente precisa saber lidar com os limites, seja o de linhas em um texto, seja o de fazer escolhas em um infinito de possibilidades. Seja lá como for, acho que ainda vou apanhar por essa curiosidade.
Estava eu escrevendo em uma biblioteca quando escuto, do lado de fora, a conversa de dois funcionários acerca de uma das plantas do jardim. Eles falavam sobre sua floração. Devia estar espetacular. Tanto que, de pronto, a mulher levantou uma proposta: “Devíamos tirar uma foto”. E aquilo me roubou do texto que estava escrevendo. Eu estava refletindo sobre a obra das Passagens de Benjamin e me sentia, naquela hora, como um flâneur. Eu não queria escutar a conversa. Só estava escrevendo o meu texto e ela veio. Porque diabos alguém quereria tirar uma foto de uma planta? Para guardá-la? Para olhar a foto quantas vezes? Ela teria uma pasta no computador com plantas que achou bonita? Qual seria o critério da coleção? Porque a gente coleciona? Comecei a lembrar de Flusser e o seu livro “Filosofia da caixa preta”.
Engraçado essa coisa de passear nos dias de hoje. Com a popularização das tecnologias de informação e comunicação, passeio algum fica sem foto. E elas são mal visitadas. Tanto que algumas, muito ruins, são publicadas nas redes sociais sem que se atente bem para elas. O que se queria postar não era bem aquilo; a pretensão inicial era a de reter o tempo e socializar seu momento de encantamento e felicidade com tudo o que nele havia de belo. Com frequência, quer-se transbordar uma experiência de afetação sem aprofundá-la e vive-la até o fim. Por isso se publica sem critérios e se interrompe a experiência para registrá-la. O ofício do flâneur, esse andante sem rumo e ocioso, está sendo substituído pelo do colecionador. A liberdade de quem caminha ao esmo tem culminado na angústia do colecionador que quer ter tudo e, esmagado no presente, pretende elevá-lo à categoria de eterno via máquina, transformando, pela foto, processos em cenas.
Conectado, isto é, ligado ao mundo, o sujeito se sente expandido e em comunhão. Não obstante, a hiperconectividade pode excluir um outro imperativo humano que é o de individualidade e intimidade, exacerbando o público e o coletivo. Há momentos para se estar com outros e há momentos para se estar só. Há momentos para se estar on-line e outros para se estar off-line. Que tal um passeio sem fotografias e com celular desligado? Seria legal a exploração do mundo pelos outros sentidos que não o da visão. Que tal fazer uma caminhada e ficar atento à brisa no rosto (que não se pode fotografar) ou mesmo tomar um sorvete e apreciar seu sabor (sem precisar pensar na hashtag que acompanharia seu registro)? A dica da semana é um bom passeio no parque.
Parques
Belo Horizonte é um cidade cheia de parques. Vale a pena flanar por eles. Aqui vão alguns:
- Parque da Serra do Curral – Avenida José do Patrocínio Pontes, 1951, Praça Estado de Israel.
- Parque Ecológico da Pampulha – Avenida Otacílio Negrão de Lima, 6061.
- Parque Estadual Serra Verde – Rua João Batista Fernandes, 85, Centro Comunitário - Bairro Serra Verde.
- Parque Municipal Américo Renné Giannetti – Avenida Afonso Pena, 1377.
- Parque Municipal das Mangabeiras – Avenida José do Patrocínio Pontes, 580.
- Estes e outros endereços estão disponíveis no site: <http://www.belohorizonte.mg.gov.br/atrativos/parques>. Consulte o horário de funcionamento e a necessidade de agendamento de visita.
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