quarta-feira, 8 de outubro de 2014

A democracia digital

08/10/2014  |  domtotal.com

Existe um lugar que é impermeável à tecnologia, com suas razões: a política.

Por Alexandre Kawakami*
Vocês já pararam para pensar que existem certas coisas pelas quais nunca mais precisaremos passar graças ao desenvolvimento tecnológico? O tema já virou até tema na internet. Um âncora de jornal enfeitando uma história e, antes de contar seu desfecho, interrompe: “Para saber o final desta história, ligue em nosso programa às nove da noite!” Ora meu senhor, se eu fiquei interessado corro para o Google. Ligar para a rádio para ouvir uma música? Na internet estão todas sob demanda. Alugar um vídeo ou dvd? Só para quem tem nostalgia de ir à locadora. Enfim, a tecnologia hoje muda a nossa vida num ritmo cada vez mais rápido.

Mas existe um lugar que é impermeável à tecnologia, com suas razões. A política. Era nesse campo que a tecnologia deveria estar alterando radicalmente a forma com que nos relacionamos com o poder. E já passou da hora de conversarmos de forma séria sobre essa possibilidade. Simplesmente porque, como os escândalos de nosso Congresso demonstram, pior não tem jeito de ficar. Se preciso mesmo dar exemplos, escolham um: quem é o presidente do senado? Quantos aumentos de salário foram concedidos a deputados, no meio da crise econômica que vivemos? Uso de aviões da FAB. Demóstenes. Mensalão. Quer mais?

Pois bem, qual é a função de um deputado ou senador? Esses profissionais recebem um mandato, ou seja, uma procuração de cada um de nós para preparar, debater e aprovar uma série de leis. Essa procuração é de amplos poderes. Vale dizer, é maior mesmo do que qualquer procuração normal, uma vez que o profissional da política sequer é responsabilizado por sua atuação no cumprimento de seu mandato. De posse dessa procuração, o profissional da política pode decidir sobre coisas que ele nunca sequer discutiu com seus outorgantes. Cura gay? Procedimentos de aduana para almofadas de automóveis? Formação dos conselhos da cidadania? Tudo isso ele escolhe por você, sem nunca ter discutido o tema com você, sem qualquer responsabilidade e ganhando muito bem para isso. É pouco eficiente, para ser elegante.

Na era digital, é completamente desnecessário dar a qualquer pessoa uma procuração de poderes tão amplos. De fato, não existe qualquer impeditivo para fazer da democracia direta a regra ao invés da exceção. Cada lei poderia e deveria ser colocada ao escrutínio de cada cidadão para que pudesse escolher, ele mesmo, o que acha que deve ser imposto como lei o que acha que não deve.
Existem problemas com a democracia direta? Claro que existem. Mas nenhum que não seja ultrapassável. O primeiro que vem à mente é a incapacidade de vários em decidir sobre alguns temas. Por exemplo, o procedimento de aduana de almofadas de automóveis. Mas veja bem: você acha que o deputado em quem você votou sabe disso mais do que você? “Ah, mas o deputado tem uma infraestrutura que lhe explica sobre a relevância e importância desses temas, bem como seu funcionamento.” Ora, essa infraestrutura toda pode muito bem estar à disposição de todos no YouTube, por exemplo.

Outra questão que vem à mente é a seguinte: quem tem tempo para ficar votando em tantos temas que devem ser objeto de lei? Ora, quantas leis o Congresso produz hoje? Em 2014, foram 92, entre Emendas Constitucionais, Leis Complementares e Ordinárias. Imaginemos que os recursos destinados ao Congresso fossem destinados a fazer com que os temas em votação pudessem ser explicados em um vídeo de uma hora, com apêndices e anexos para quem quisesse estudar o tema a fundo. O que você prefere: o sistema legislativo hoje existente, com o uso de seu tributo como ocorre? Ou um outro onde você teria de dar vinte minutos de seu dia para a comunidade, mas onde você decide, diretamente, para onde vão os seus recursos? Vote nos comentários, diretamente. 

Assim sendo, o profissional da política está fadado ao ocaso, assim como a fita VHS e o telefone de discar? Não, ele apenas ganha outra função, da qual falarei em outro artigo.
 
*Alexandre Kawakami é Mestre em Direito Econômico Internacional pela Universidade Nacional de Chiba, Japão. Agraciado com o Prêmio Friedrich Hayek de Ensaios da Mont Pelerin Society, em Tóquio, por pesquisa no tema Escolhas Públicas e Livre Comércio. É advogado e consultor em Finanças Corporativas.

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