domingo, 26 de outubro de 2014

A força de um único voto

26/10/2014  |  domtotal.com

Um só voto, seja de um milionário ou do mais pobre ribeirinho, é capaz de decidir a eleição.

Por Juan Arias*

Nestas eleições, o nome do Brasil e de quem deverá governá-lo nos próximos quatro anos foi pronunciado mais do que nunca. De quem é, no entanto, este país de mais de 200 milhões de habitantes, coração do continente e que, até o domingo, boa parte do mundo estará acompanhando de perto?

É dos políticos que se arrogam às vezes seu direito de propriedade? É do Governo que administra e às vezes saqueia suas riquezas para proveito pessoal ou de um grupo? É dos bancos e empresas? Das forças da ordem? Dos juízes?

Não. O Brasil não tem dono. Não têm dono suas imensas riquezas materiais e culturais; não tem dono sua gente, que são cidadãos livres para pensar e votar e não aceitam nenhum tipo de escravidão.

Esse Brasil tão cobiçado nestes dias por todos não é de ninguém e é de todos. Donos do país são todos os que nele nasceram e trabalharam.

É das pessoas: são os homens e mulheres, crianças, jovens e aposentados que têm o direito de se sentirem donos do Brasil.
Desses milhões de cidadãos, nenhum é melhor nem mais poderoso que outro. Isso é mostrado pelo fato de que um só voto, seja o do maior milionário ou do mais pobre ribeirinho da Amazônia, seja capaz de decidir as eleições presidenciais.

É a grandeza da democracia, que concede a cada cidadão, sem distinção, um voto com o mesmo peso e a mesma força de decisão.

São as ditaduras que despojam os cidadãos do direito de votar e de decidir seu futuro. As ditaduras ou os governos chamados democráticos que compram votos ao preço da corrupção.

Nos governos tiranos são os políticos e não as pessoas que são os donos do país e se arrogam o direito de usá-lo a seu gosto e vontade.

O Brasil é um país que tem hoje, no mundo, o privilégio de gozar de uma democracia que, embora muitas vezes esteja doente e sufocada, é real e na qual sua gente tem voz e voto.

Talvez seja pouco, mas certamente é melhor que em muitos dos países ditatoriais do mundo entre os quais se incluem alguns do continente.

E é a democracia que outorga não apenas dignidade igual a cada cidadão sem que pese sua conta no banco ou seus títulos de estudo, mas também o direito de se sentir dono do país.

Considero certa a afirmação que li em várias cartas de leitores em jornais e redes sociais de que o Brasil é maior, mais importante, mais rico e até mais ético que seus políticos e que todas suas eleições.

Não deveriam esquecer os que pretendem governar o país e que às vezes caem na tentação de se sentirem donos e herdeiros, que os verdadeiros proprietários, os que o constroem no dia a dia, os que fazem com que cresça, que se modernize, que haja comida e liberdade para todos, que caiam menos lágrimas ou que sejam mais bem enxugadas, é a grande massa de trabalhadores.

Os donos do Brasil são essa caravana imensa de pessoas de todas as idades e categorias, das mais humildes às mais favorecidas, que a cada dia dedicam sua jornada de trabalho para sustentar sua família, para fazer avançar sua pequena ou grande empresa.

Às vezes me pego perguntando para mim mesmo o que seria de uma cidade sem aqueles que realizam as tarefas mais ingratas, dos que recolhem o lixo aos que precisam dormir de dia porque precisamos que vigiem ou se encarreguem de que tenhamos bem cedo na mesa o pão quente para o café da manhã.

Às vezes nos esquecemos que aqueles que constroem este país não são apenas os poderosos, os engenheiros ou arquitetos, os médicos famosos, mas essa multidão sem nome de trabalhadores da construção ou do campo, esses milhares e milhares de enfermeiros ou enfermeiras que vigiam dia e noite nossa doença; essa massa de professores que, com salários às vezes de fome (meus pais também pertenciam a essa categoria nunca valorizada de forma justa) cuidam do mais preciosos que temos, como é a mente de nossos filhos.

Os cidadãos com nome e sobrenome, incluindo os políticos, que aparecem nos meios e dos que poderíamos acreditar que são os proprietários do país, não são mais que um punhado. Os brasileiros donos desta terra rica e generosa, abençoada pelos deuses, sem guerras e sem fome, são em sua imensa maioria anônimos.

São os que trabalham uma vida sem que muitas vezes ninguém agradeça por seu trabalho. Mais ainda, sobre quem acaba pesando a ideia injusta e cruel de que mais que donos do país com os mesmos direitos dos que os que se consideram importantes, são simples cartas de um jogo de pôquer. Cartas de pôquer com as quais podem blefar aqueles que se arrogam o direito de propriedade sobre eles. Sobre suas vidas e seus sentimentos.

Que cada brasileiro vá votar com a consciência de que ele, e ninguém mais que ele, é dono do país porque o constrói a cada dia com fadiga e com orgulho. Às vezes com dor, outras com alegria. Resignado às vezes e também irado e indignado, mas sempre com o coração voltado para conseguir um país melhor do qual ninguém, dentro ou fora, tenha que se envergonhar.
*Juan Arias é correspondente no Rio do El País, onde este artigo foi publicado originalmente.

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