16/10/2014 | domtotal.com
Dá a elas a vaga sensação de erudição, de desprendimento, de uma cultura secular que ninguém mais tem.
Por Ricardo Soares*
De nada adianta a poesia. Sequer anestesia aflições. Sequer oferece respostas. Sequer honra as apostas daqueles que nela apostaram. A poesia, prática extemporânea, luz de lampião a gás, máquina de telex, ficha de telefone, é uma alma antiga que vaga aflita, perdida entre as modernidades virtuais e cibernéticas que a diluem.
Nessa bacia das almas das artes, ninguém dá um dólar furado por ela, muito embora pegue bem citar alguns poetas. A poesia perfuma algumas conversas. Dá a elas a vaga sensação de erudição, de desprendimento, de uma cultura secular que ninguém mais tem. Mas de nada adianta a poesia na avalanche de adjetivações, nas enxurradas de verão onde as crianças morrem dormindo ou mesmo entre as balas perdidas dos assaltos citadinos.
A poesia virou artigo em desuso, ungüento difuso que não mais aplaca males do espírito. Não sou um descrente da poesia, mas me interrogo repetidamente sobre o seu uso hoje em dia quando qualquer impressão sensorial de celebridade ou qualquer espasmo de discurso amoroso vira poesia. "Se a poesia não auxilia, há a enxada", escrevi eu mesmo uma vez, tentando desqualificar a necessidade dos versos. Continuo achando que muitos deles são belos, mas a arte de versejar já não tem o menor valor assim como pouco valor os verdadeiros poetas.
Muitos dos quais, pessoas muito chatas.
Ano passado, ajudei a sepultar um amigo poeta. Um ser que viveu derramado, afogado nas suas próprias contradições que eram, obviamente, poéticas. Viveu poeticamente ao pé da letra. Inclusive decorando letras de sambas lindos. Próximo do erudito com sua alma popular. Mas não ficou nada popular. Um grande poeta que morreu desconhecido para azar daqueles que não conheceram seus belos versos . Era um tipo que não cabia nesse tempo, nesse espaço, nesse lugar nosso espremido entre shoppings e interações só de ordem virtual. Foi-se o poeta que não saia nos suplementos literários, nem era convidado aos talk-shows e Flips da vida. Sua morte é a própria constatação de que a poesia nada adianta. Se tivesse feito anúncios para vender margarina e ganho uns leões em Cannes seria muito mais lembrado. Mas era apenas um poeta que bebia e que fumava e que foi sepultado sob a terra roxa do cemitério da Vila Formosa, zona leste de São Paulo.
Sobre seu túmulo, um vaso de margaridas, lembrança de uma amiza zelosa. Eu prezo a poesia dele de tal forma que se for para ela ser desconsiderada acho melhor que permaneça desconhecida.
De nada adianta a poesia. Sequer anestesia aflições. Sequer oferece respostas. Sequer honra as apostas daqueles que nela apostaram. A poesia, prática extemporânea, luz de lampião a gás, máquina de telex, ficha de telefone, é uma alma antiga que vaga aflita, perdida entre as modernidades virtuais e cibernéticas que a diluem.
Nessa bacia das almas das artes, ninguém dá um dólar furado por ela, muito embora pegue bem citar alguns poetas. A poesia perfuma algumas conversas. Dá a elas a vaga sensação de erudição, de desprendimento, de uma cultura secular que ninguém mais tem. Mas de nada adianta a poesia na avalanche de adjetivações, nas enxurradas de verão onde as crianças morrem dormindo ou mesmo entre as balas perdidas dos assaltos citadinos.
A poesia virou artigo em desuso, ungüento difuso que não mais aplaca males do espírito. Não sou um descrente da poesia, mas me interrogo repetidamente sobre o seu uso hoje em dia quando qualquer impressão sensorial de celebridade ou qualquer espasmo de discurso amoroso vira poesia. "Se a poesia não auxilia, há a enxada", escrevi eu mesmo uma vez, tentando desqualificar a necessidade dos versos. Continuo achando que muitos deles são belos, mas a arte de versejar já não tem o menor valor assim como pouco valor os verdadeiros poetas.
Muitos dos quais, pessoas muito chatas.
Ano passado, ajudei a sepultar um amigo poeta. Um ser que viveu derramado, afogado nas suas próprias contradições que eram, obviamente, poéticas. Viveu poeticamente ao pé da letra. Inclusive decorando letras de sambas lindos. Próximo do erudito com sua alma popular. Mas não ficou nada popular. Um grande poeta que morreu desconhecido para azar daqueles que não conheceram seus belos versos . Era um tipo que não cabia nesse tempo, nesse espaço, nesse lugar nosso espremido entre shoppings e interações só de ordem virtual. Foi-se o poeta que não saia nos suplementos literários, nem era convidado aos talk-shows e Flips da vida. Sua morte é a própria constatação de que a poesia nada adianta. Se tivesse feito anúncios para vender margarina e ganho uns leões em Cannes seria muito mais lembrado. Mas era apenas um poeta que bebia e que fumava e que foi sepultado sob a terra roxa do cemitério da Vila Formosa, zona leste de São Paulo.
Sobre seu túmulo, um vaso de margaridas, lembrança de uma amiza zelosa. Eu prezo a poesia dele de tal forma que se for para ela ser desconsiderada acho melhor que permaneça desconhecida.
*Ricardo Soares é diretor de tv, escritor,jornalista e roteirista. Foi cronista dos jornais "O Estado de S.Paulo", "Jornal da Tarde" e "Diario do Grande ABC".
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