14/10/2014 | domtotal.com
O Deus cristão é um Deus que quer que todos se convertam e vivam.
Por Enzo Bianchi*
Logo depois da eleição do papa Francisco, o cardeal Ravasi declarou: "Há um fôlego novo que esperávamos". Hoje, depois de 20 meses de pontificado, podemos dizer que se criou outro clima no tecido eclesial: um clima de liberdade de expressão em que, com parrésia, cada católico, bispo ou simples leigo, pode deixar a sua própria consciência falar e dizer aquilo que pensa, sem ser logo silenciado, censurado ou até mesmo punido, como ocorria nas últimas décadas.
Isso não significa um clima idílico, porque conflitos até mesmo ásperos estão presentes no seio da Igreja – como, aliás, já é testemunhado nos escritos do Novo Testamento –, mas se estes são vividos sem excomunhões recíprocas, se cada um escuta as razões do outro sem fazer dele um inimigo, se todos cuidam para manter a comunhão, então os conflitos são fecundos e servem para aprofundar e, melhor, para dar razão das esperanças que habitam o coração dos cristãos.
Infelizmente, pode-se constatar que já há "inimigos do papa": pessoas que não se limitam a criticá-lo com respeito, como ocorria com Bento XVI e João Paulo II, mas que chegam até a desprezá-lo. Um bispo que declara aos seus padres que a exortação apostólica Evangelii gaudium "poderia ter sido escrita por um campesino" expressa um juízo de desprezo, mas, profeticamente, declara que essa carta é legível e compreensível até por um pobre e simples cristão da periferia do mundo. Assim, para além das intenções, essas palavras depreciativas constituem um elogio.
Alguns chegam até a deslegitimar a eleição de Bergoglio em um conclave que não teria ocorrido segundo as regras; outros argumentam que ainda há dois papas, ambos sucessores de Pedro, mas com tarefas diferentes... Conhecemos há muito tempo esses indivíduos como pessoas propensas a seguir as próprias hipóteses eclesiásticas em vez da objetividade da grande tradição católica, em que vale o primado do Evangelho.
Certamente, a composição desse Sínodo, o novo modo de proceder nos trabalhos, o convite do papa a falar claro, com coragem, até mesmo criticando o seu pensamento ou manifestando uma opinião diferente, o pedido de franqueza nas intervenções criaram uma atmosfera sinodal inédita em comparação com todos os sínodos anteriores.
O papa Francisco quer que a cúpula seja vivida no espírito da colegialidade episcopal e da sinodalidade eclesial, e não seja uma simples celebração: e Francisco tem toda a solidez para dizer também que o Sínodo se realiza segundo a grande tradição cum Petro et sub Petro, ou seja, com o papa presente, e ao qual, como sucessor de Pedro, cabe pessoalmente o discernimento final.
Quanto ao tema do Sínodo, ele é incandescente, porque está em jogo não tanto uma disciplina diferente em relação ao matrimônio, à família e à sexualidade, mas o rosto do Deus invisível, um rosto que nós, cristãos, conhecemos apenas no rosto de Jesus Cristo, aquele que nos narrou, explicou, fez conhecer Deus.
Está em jogo o rosto do Deus misericordioso e compassivo, como está escrito no seu Nome santo dado a Moisés e como foi contado por Jesus, seu filho no mundo, que nunca castigou os pecadores, nem jamais os puniu, mas os perdoou todas as vezes que os encontrou, levando-os, assim, ao arrependimento e à conversão.
Não há dúvida de que, no cerne do confronto e do aprofundamento sinodais, estão as palavras de Jesus que não podem ser esquecidas nem muito menos adulteradas. Nos Evangelhos, de fato, diante do divórcio – permitido por Moisés, mas condenado, não nos esqueçamos, pelos profetas... –, Jesus não escolhe o caminho da casuística, mas remonta à intenção do Legislador e Criador, e nega qualquer possibilidade de ruptura do vínculo na história de amor entre um homem e uma mulher: "No princípio não foi assim... Os dois serão uma só carne... O que Deus uniu, o homem não separe!".
Linguagem clara, exigente, radical, porque, na relação entre homem e mulher, ligados na aliança da palavra dada, está significada a aliança fiel entre Deus e o seu povo: se uma fidelidade é desmentida, a outra também não é mais crível. Mensagem exigente e dura, que os presbíteros deveriam anunciar às suas comunidades pondo-se de joelhos: "É uma palavra do Senhor, não nossa, que pede essa fidelidade. Nós a repetimos a vocês porque é nosso dever fazê-lo, mas a anunciamos a vocês de joelhos, sem presunção nem arrogância, porque sabemos que viver o matrimônio fielmente e no amor renovado é difícil, cansativo, impossível sem a ajuda da graça de Deus...".
Mas se esse é o anúncio evangélico que não pode mudar, continua sendo verdade que, na história, e particularmente hoje, esse vínculo nas histórias de amor nem sempre é assumido na fé, na adesão à palavra de Cristo e, contudo, às vezes se deteriora, se corrompe e morre.
Sim, entre cônjuges é preciso estar juntos até que um torne o outro bom, mas, se isso não acontece mais, depois de repetidas tentativas, então a separação pode ser um mal menor. E é aqui que, às vezes, pode iniciar uma nova história de amor que pode se mostrar portadora de vida, vivida na lealdade e na fidelidade, na partilha da fé e no pertencimento vivo à comunidade cristã.
Para aqueles que vivem nessa condição, não é possível celebrar outras núpcias nem contradizer o sacramento do matrimônio já celebrado, mas, se fazem um caminho penitencial, se mostram, com o andar dos anos, solidez no novo vínculo, não se poderia ao menos admiti-los à Comunhão que lhes dá a possibilidade de um viático portador de graça no caminho rumo ao Reino?
Segundo a doutrina católica tradicional, a eucaristia é sacramento também para a remissão dos pecados. O cardeal Martini se perguntava: "A pergunta se os divorciados podem receber a comunhão deveria ser invertida: como a Igreja pode vir em seu auxílio com a força dos sacramentos?". A resposta a essas perguntas só pode vir do papa, depois de ter escutado a Igreja, através do Sínodo.
Reflita-se também sobre um dado: por que padres, monges, religiosos que emitem uma promessa pública a Deus no coração da Igreja, embora tendo abandonado a vocação recebida e contradito os votos pronunciados – votos que São Tomás de Aquino dizia que a Igreja nunca pode dissolver –, podem participar plenamente da vida também sacramental da Igreja, enquanto aqueles que se encontram em outras situações de infidelidade são dela excluídos?
Essa parece ser uma injustiça de uma disciplina feita por clérigos que vivem mais ou menos bem o seu celibato e não conhecem a fadiga e as dificuldades do matrimônio...
O que espera, então, do Sínodo um católico maduro na fé? Que se confesse, de novo e de novo, a indissolubilidade do matrimônio, mas que se faça isso manifestando a misericórdia de Deus, indo ao encontro daqueles que, nessa exigente aventura, incorreu em contradição à aliança e convidando-os a caminharem na plenitude da vida eclesial.
O Deus cristão tem um rosto em que a misericórdia é imanente à justiça: é um Deus compassivo que, em Jesus, caminhou e caminha com quem está ferido, com quem está doente... é um Deus que quer que todos se convertam e vivam.
Logo depois da eleição do papa Francisco, o cardeal Ravasi declarou: "Há um fôlego novo que esperávamos". Hoje, depois de 20 meses de pontificado, podemos dizer que se criou outro clima no tecido eclesial: um clima de liberdade de expressão em que, com parrésia, cada católico, bispo ou simples leigo, pode deixar a sua própria consciência falar e dizer aquilo que pensa, sem ser logo silenciado, censurado ou até mesmo punido, como ocorria nas últimas décadas.
Isso não significa um clima idílico, porque conflitos até mesmo ásperos estão presentes no seio da Igreja – como, aliás, já é testemunhado nos escritos do Novo Testamento –, mas se estes são vividos sem excomunhões recíprocas, se cada um escuta as razões do outro sem fazer dele um inimigo, se todos cuidam para manter a comunhão, então os conflitos são fecundos e servem para aprofundar e, melhor, para dar razão das esperanças que habitam o coração dos cristãos.
Infelizmente, pode-se constatar que já há "inimigos do papa": pessoas que não se limitam a criticá-lo com respeito, como ocorria com Bento XVI e João Paulo II, mas que chegam até a desprezá-lo. Um bispo que declara aos seus padres que a exortação apostólica Evangelii gaudium "poderia ter sido escrita por um campesino" expressa um juízo de desprezo, mas, profeticamente, declara que essa carta é legível e compreensível até por um pobre e simples cristão da periferia do mundo. Assim, para além das intenções, essas palavras depreciativas constituem um elogio.
Alguns chegam até a deslegitimar a eleição de Bergoglio em um conclave que não teria ocorrido segundo as regras; outros argumentam que ainda há dois papas, ambos sucessores de Pedro, mas com tarefas diferentes... Conhecemos há muito tempo esses indivíduos como pessoas propensas a seguir as próprias hipóteses eclesiásticas em vez da objetividade da grande tradição católica, em que vale o primado do Evangelho.
Certamente, a composição desse Sínodo, o novo modo de proceder nos trabalhos, o convite do papa a falar claro, com coragem, até mesmo criticando o seu pensamento ou manifestando uma opinião diferente, o pedido de franqueza nas intervenções criaram uma atmosfera sinodal inédita em comparação com todos os sínodos anteriores.
O papa Francisco quer que a cúpula seja vivida no espírito da colegialidade episcopal e da sinodalidade eclesial, e não seja uma simples celebração: e Francisco tem toda a solidez para dizer também que o Sínodo se realiza segundo a grande tradição cum Petro et sub Petro, ou seja, com o papa presente, e ao qual, como sucessor de Pedro, cabe pessoalmente o discernimento final.
Quanto ao tema do Sínodo, ele é incandescente, porque está em jogo não tanto uma disciplina diferente em relação ao matrimônio, à família e à sexualidade, mas o rosto do Deus invisível, um rosto que nós, cristãos, conhecemos apenas no rosto de Jesus Cristo, aquele que nos narrou, explicou, fez conhecer Deus.
Está em jogo o rosto do Deus misericordioso e compassivo, como está escrito no seu Nome santo dado a Moisés e como foi contado por Jesus, seu filho no mundo, que nunca castigou os pecadores, nem jamais os puniu, mas os perdoou todas as vezes que os encontrou, levando-os, assim, ao arrependimento e à conversão.
Não há dúvida de que, no cerne do confronto e do aprofundamento sinodais, estão as palavras de Jesus que não podem ser esquecidas nem muito menos adulteradas. Nos Evangelhos, de fato, diante do divórcio – permitido por Moisés, mas condenado, não nos esqueçamos, pelos profetas... –, Jesus não escolhe o caminho da casuística, mas remonta à intenção do Legislador e Criador, e nega qualquer possibilidade de ruptura do vínculo na história de amor entre um homem e uma mulher: "No princípio não foi assim... Os dois serão uma só carne... O que Deus uniu, o homem não separe!".
Linguagem clara, exigente, radical, porque, na relação entre homem e mulher, ligados na aliança da palavra dada, está significada a aliança fiel entre Deus e o seu povo: se uma fidelidade é desmentida, a outra também não é mais crível. Mensagem exigente e dura, que os presbíteros deveriam anunciar às suas comunidades pondo-se de joelhos: "É uma palavra do Senhor, não nossa, que pede essa fidelidade. Nós a repetimos a vocês porque é nosso dever fazê-lo, mas a anunciamos a vocês de joelhos, sem presunção nem arrogância, porque sabemos que viver o matrimônio fielmente e no amor renovado é difícil, cansativo, impossível sem a ajuda da graça de Deus...".
Mas se esse é o anúncio evangélico que não pode mudar, continua sendo verdade que, na história, e particularmente hoje, esse vínculo nas histórias de amor nem sempre é assumido na fé, na adesão à palavra de Cristo e, contudo, às vezes se deteriora, se corrompe e morre.
Sim, entre cônjuges é preciso estar juntos até que um torne o outro bom, mas, se isso não acontece mais, depois de repetidas tentativas, então a separação pode ser um mal menor. E é aqui que, às vezes, pode iniciar uma nova história de amor que pode se mostrar portadora de vida, vivida na lealdade e na fidelidade, na partilha da fé e no pertencimento vivo à comunidade cristã.
Para aqueles que vivem nessa condição, não é possível celebrar outras núpcias nem contradizer o sacramento do matrimônio já celebrado, mas, se fazem um caminho penitencial, se mostram, com o andar dos anos, solidez no novo vínculo, não se poderia ao menos admiti-los à Comunhão que lhes dá a possibilidade de um viático portador de graça no caminho rumo ao Reino?
Segundo a doutrina católica tradicional, a eucaristia é sacramento também para a remissão dos pecados. O cardeal Martini se perguntava: "A pergunta se os divorciados podem receber a comunhão deveria ser invertida: como a Igreja pode vir em seu auxílio com a força dos sacramentos?". A resposta a essas perguntas só pode vir do papa, depois de ter escutado a Igreja, através do Sínodo.
Reflita-se também sobre um dado: por que padres, monges, religiosos que emitem uma promessa pública a Deus no coração da Igreja, embora tendo abandonado a vocação recebida e contradito os votos pronunciados – votos que São Tomás de Aquino dizia que a Igreja nunca pode dissolver –, podem participar plenamente da vida também sacramental da Igreja, enquanto aqueles que se encontram em outras situações de infidelidade são dela excluídos?
Essa parece ser uma injustiça de uma disciplina feita por clérigos que vivem mais ou menos bem o seu celibato e não conhecem a fadiga e as dificuldades do matrimônio...
O que espera, então, do Sínodo um católico maduro na fé? Que se confesse, de novo e de novo, a indissolubilidade do matrimônio, mas que se faça isso manifestando a misericórdia de Deus, indo ao encontro daqueles que, nessa exigente aventura, incorreu em contradição à aliança e convidando-os a caminharem na plenitude da vida eclesial.
O Deus cristão tem um rosto em que a misericórdia é imanente à justiça: é um Deus compassivo que, em Jesus, caminhou e caminha com quem está ferido, com quem está doente... é um Deus que quer que todos se convertam e vivam.
La Stampa, 12-10-2014.
*Enzo Bianchi é monge, teólogo, prior e fundador da Comunidade de Bose. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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