domingo, 12 de outubro de 2014

No Dia das Crianças, possibilidade de ler é presente para meninos cegos

 Atualizado em 12/10/2014 06h00

Esforço de mães e de fundação ajudam crianças em São Paulo.

G1 acompanhou rotina de superação de Marquinho e Thacyanny.

Letícia MacedoDo G1 São Paulo
Marco Antonio aprendeu a ler e ajuda a mãe (Foto: Letícia Macedo/ G1)Marco Antonio aprendeu a ler e ajuda a mãe (Foto: Letícia Macedo/ G1)
Longe dos apelos das vitrines, Marquinho e Thacyanny não parecem se importar muito com o Dia das Crianças. Os dois, que moram em bairros humildes nas zonas Sul e Leste de São Paulo, perderam a visão ainda pequenos. Ele não pensa em um brinquedo neste domingo (12), mas sonha em visitar o avô que mora em Alagoas. Ela queria mesmo acompanhar o pai e o irmão mais velho no futebol, mas irá a uma festa com palhaços com a mãe.   

Marco Antonio brincava com o irmão José no tapete da sala quando a mãe, a dona de casa Maria Gilma da Silva, abriu a porta da casa no Jardim Selma, na Zona Sul, para receber  a equipe do G1.
“Ele é meu orgulho e minha benção”, contou com voz pausada e bastante calma. “Desde os cinco meses eu notei que tinha algo estranho, mas todos diziam que eu estava louca”, contou.
Marco e José brincam com carrinho na sala de casa (Foto: Letícia Macedo/ G1)Marco e José brincam com carrinhos na sala
de casa (Foto: Letícia Macedo/ G1)
A alagoana de 42 anos que veio para São Paulo em busca de tratamento para o filho quando ele ainda tinha 11 meses enfrentou muita dificuldade para conseguir especialistas. A primeira consulta em unidade básica de saúde demorou quase um ano.

Depois passou pela Santa Casa até conseguir o tratamento no Hospital das Clínicas, onde tem consultas duas vezes por semana. Aos cinco anos, um médico disse para Marquinho que ele não enxergaria mais. Arrasada com o diagnóstico, ela esperava que o médico não tivesse sido tão duro ao comentar o resultado do tratamento, mas Marquinho a surpreendeu. “Ele disse para o médico: ‘o dia que Deus quiser, ele me cura’. Me pegou de surpresa”, conta.

Maria Gilma não poupou esforços e buscou apoio na fundação Dorina Nowill, que guiou os primeiros passos para que ele aprendesse a ler em braile. A vaga na escola veio só com uma determinação judicial. O menino aprendeu rápido a ler. O “Abraço Urso”, de Claudia Cotes, que conta a história de um ursinho que nasceu cego, é o seu livro preferido. Nos dias em que vai à fundação, ele pega quatro exemplares emprestados e só quer dormir depois de terminar de ler.

Quem vê jogando bola com o irmão mais novo no corredor apertado de casa até se esquece da limitação da visão. Nesta quinta-feira (9), ele se dizia feliz com a vitória da sua equipe em um desafio durante uma aula de educação física. “Tinha que pular o bambolê sem pisar, pular uma corda e chutar uma bola. Minha equipe terminou em 8 minutos. A outra em 13”, comemorava. Até andar de bicicleta, ele já andou. “Minha prima me segurou duas vezes. Na terceira, eu fui sozinho.”
Marquinho joga bola com irmão no corredor de casa (Foto: Letícia Macedo/ G1)Marquinho joga bola com irmão no corredor de casa (Foto: Letícia Macedo/ G1)


O passeio no supermercado que mãe faria em 30 minutos não dura menos que 1h30 desde que aprendeu a ler. “Ele coloca a mão em toda parte procurando as letrinhas. Até remédio errado ele já me pediu para trocar e ele tinha razão. Eu que não sei ler, aprendi com ele a escrever meu nome em letra de forma”, disse.
 
Diante do desejo do filho de visitar o avô, a mãe hesita. “Não sei se termino fazer os quartos ou se eu viajo. Ainda estou pensando”, afirmou. Ela conversa com os filhos, explica as razões. “Mas ele sabe esperar. É muito compreensivo. É um menino muito feliz”, afirmou emocionada.   

Thacyanne
Já no Jardim Vitória, na Zona Leste, Thacyanny, de 6 anos, está começando a reconhecer as letras do alfabeto tátil. As cartelas em madeira, com o registro das letras em relevo, parece um joguinho e encanta a menina. “Ela até deixou a máquina de escrever de lado”, contou a mãe Gilcivana da Silva Sousa Barbosa, de 28 anos. Mas durante a reportagem, ela fez questão de mostrar como usa máquina de escrever adaptada para deficientes visuais.
Thacyanne brinca com alfabeto tátil (Foto: Letícia Macedo/ G1)Thacyanne brinca com alfabeto tátil (Foto: Letícia Macedo/ G1)

Os dedinhos ligeiros exploram tudo o que está ao seu redor. Enquanto conversava com a reportagem, ela pediu para pegar a caneta, a máquina fotográfica e o bloquinho. “Eu enxergo com os dedos”, constata.

A menina teve uma retinoblastoma, um tipo de câncer que levou à extração do seu olho esquerdo quando ela tinha apenas um ano. A demora no diagnóstico fez com que a doença, em estágio avançado atingisse o olho direito. “A Thacy tinha um desvio no olhar. A médica disse que era apenas estrabismo e, por isso, quando a doença foi descoberta já estava em estágio avançado. Apesar do tratamento, com dois anos ela perdeu o segundo globo ocular”, disse a mãe.

A adaptação às novas condições foi bastante triste para a pequena Thacy e para toda a família. “Quando ela perdeu o segundo [globo ocular], ela dizia que tinha medo e pedia para a gente acender a luz. Eu caí em depressão e só comecei a melhorar quando vi que ela começou a se adaptar. Ela é feliz, muito esperta”, afirmou Gilcivana, que está grávida do terceiro filho.
Mãe ajuda Thacy a utilizar máquina de escrever (Foto: Letícia Macedo/ G1)Mãe ajuda Thacy a utilizar máquina de escrever
(Foto: Letícia Macedo/ G1)
A mãe conta que o material utilizado na escola não é adaptado para cegos, o que torna mais difícil o aprendizado. Apesar disso, Thacy adora ir para a escola e chega a chorar quando compromissos externos não permitem que ela encontre os coleguinhas da primeira série. “Eu gosto da comida, da brinquedoteca, do parquinho”, contou. A menina anda pela casa com tranquilidade e que aguarda com ansiedade o nascimento do irmãozinho. “Eu vou ajudar a minha mãe a cuidar. Só não vou deixar me morder”, avisou.  

Com o irmão mais velho, Pedro, ela disse gostar de jogar bola e de “brincar de luta”. “Eu pego ele assim [já empurrando o pescoço do irmão]. Mas quando a gente brinca de luta, ele não deixa eu ganhar dele”, lamenta. Quando fica sabendo que a reportagem faria um vídeo, ela aproveita para revelar um desejo. "Eu quero trabalhar na Chiquititas", contou.

A menina sobe a escada que dá acesso à rua com agilidade mesmo sem corrimão. Ela está aprendendo a utilizar a bengala, instrumento importante para que ela ganhe autonomia e possa se locomover com facilidade futuramente.  A festa do dia das crianças na escola, que seria na sexta-feira (10), ficou para semana que vem. No momento em que o irmão conta os planos de ir jogar futebol com o pai, ela se convida para ir rapidamente.
A mãe diz que ela não pode ir que verá palhaços em uma festa no bairro. A menina não demonstra muita empolgação. Ela aguarda com ansiedade mesmo é a segunda-feira (13), quando completará sete aninhos e ganhará, enfim, um “bolo gelado” de presente.
Thacyanne se despede da reportagem (Foto: Letícia Macedo/ G1)Thacyanne se despede da reportagem (Foto: Letícia Macedo/ G1)

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