quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O plano americano era bombardear a ilha em 1976

06/10/2014  |  domtotal.com

O livro ‘O canal oculto para Cuba’ revela que o plano dos EUA de atacar Cuba era resposta à ajuda de Fidel a Angola

O secretário norte-americano de Estado Henry Kissinger esteve a ponto de desencadear um conflito de imprevisíveis consequências com a União Soviética em 1976 por causa das sempre tempestuosas relações com Cuba. Kissinger planejou naquele ano, durante o Governo do presidente Gerald R. Ford, minar e bombardear os portos da ilha e suas instalações militares em resposta à decisão de Fidel Castro de enviar tropas a Angola. O plano contemplava uma resposta militar soviética, o que teria levado a uma “guerra geral”. Por fim, o ataque, planejado para depois das eleições de 1976, não ocorreu, já que as urnas deram a vitória ao democrata Jimmy Carter.
O relato se apoia em documentos sigilosos divulgados nesta quarta-feira, incluídos no livro Back Channel to Cuba (o canal oculto em direção a Cuba), dos pesquisadores William M. Leogrande e Peter Kornbluh, que narra as negociações e contatos secretos entre Washington e Havana depois da revolução de 1959. O livro foi lançado nesta quarta-feira no Hotel Pierre, de Nova York, cenário de um dos muitos encontros nunca divulgados entre representantes de ambos os países.
“Se decidirmos atacar, não podemos fracassar. Não podemos agir pela metade”.
Kissinger, em uma reunião realizada em 24 de março de 1976 com os principais assessores de segurança, entre os quais o futuro secretário da Defesa Donald Rumsfeld, comentou: “Se decidirmos atacar não podemos fracassar. Não podemos agir pela metade”. Kissinger se referia a outras ações encobertas promovidas pelos EUA para derrubar Castro, como a da Baía dos Porcos, em 1961. “Creio que vamos ter de triturar Castro”, disse Kissinger ao presidente Ford em um encontro na Casa Branca em 25 de fevereiro desse mesmo ano, segundo o memorando da reunião. “Mas não podemos fazer isso antes das eleições (presidenciais de 1976)”, acrescentou. “Estou de acordo”, respondeu Ford.
Atacar Cuba seria a última opção se outras medidas de pressão não conseguissem fazer com que Castro desistisse de intervir em outros países africanos depois de seu envolvimento para ajudar o Movimento Popular para a Libertação de Angola, de António Agostinho Neto, contra os ataques de grupos insurgentes apoiados pelos Estados Unidos e o regime racista da África do Sul. O plano ordenado por Kissinger contemplava também o envio de fuzileiros navais à base de Guantánamo para “esmagar” os cubanos.
Kissinger, que foi secretário de Estado de 1973 a 1977 e agora tem 91 anos, planejou o ataque para evitar que Washington ficasse com uma imagem de fraqueza por seus debates internos em razão da retirada da guerra do Vietnã. “Se se propaga pelo mundo a percepção de que estamos tão debilitados que nada podemos fazer com uma ilha de oito milhões de habitantes, então dentro de três ou quatro anos teremos uma crise real”, disse Kissinger na reunião de março com os conselheiros de segurança. O secretário de Estado estava também muito irritado pelos frustrados esforços de aproximação nesse mesmo ano, com reuniões secretas entre representantes de Washington e Havana no aeroporto La Guardia, de Nova York, e um encontro de três horas no citado Hotel Pierre, de Manhattan.
A possibilidade de que um ataque a Cuba provocasse um conflito armado com a Rússia também foi levada em conta. Segundo o plano, “uma nova crise cubana não conduziria a uma retirada soviética”. Por isso o documento advertia: “As circunstâncias que poderiam levar os Estados Unidos a uma operação militar contra Cuba têm de ser suficientemente graves para justificar medidas posteriores de preparação para uma guerra geral”. O livro tem um capítulo dedicado aos países que ajudaram a melhorar as relações entre Estados Unidos e Cuba. Entre eles, a Espanha é expressamente citada. Peter Kornbluh explicou a EL PAÍS como o “ditador Francisco Franco se ofereceu no início dos anos 60 para atuar como intermediário, e como os Estados Unidos requisitaram a ajuda da Espanha no final dessa década”.
“Se se propaga a percepção de que estamos tão debilitados que não podemos com uma ilha, então teremos uma crise real”.
O livro narra como o secretário de Estado Dean Rusk, seguindo ordens do presidente Lyndon B. Johnson, solicitou ao Governo espanhol que levasse uma mensagem “muito especial” a Castro, dadas as boas relações entre Madri e Havana. O Ministério de Relações Exteriores enviou a Cuba o diplomata Adolfo Martín-Gamero. A mediação não deu resultados, mas “foi um sério esforço para tentar acalmar Castro em um momento em que Che Guevara havia siso assassinado na Bolívia”, afirma Kornbluh. A mensagem especial era que, em virtude do ocorrido com Guevara, Cuba deveria distanciar-se da órbita soviética. Se Castro aceitasse, Washington estaria disposto a remover o embargo.
Em outro saboroso capítulo são detalhados os esforços de famosos personagens para melhorar as relações entre os dois países. Entre eles, o prêmio Nobel Gabriel García Márquez, que mediou a crise dos balseros, de 1994; o ex-presidente Carter e o ex-presidente da Coca Cola Paul Austin.

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