sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Para quem desfez amizades nas eleições

31/10/2014  |  domtotal.com
Gilmar P. da Silva SJ*

O que mais me incomodou foi o senso comum das discussões e a visão binária que predominou

As eleições acabaram mas as discussões políticas ainda continuam nas redes sociais. Tentei me esquivar ao máximo (do meu possível, que não é muito) de discutir política. Agora que acabou, sinto-me mais à vontade porque a polarização midiática tende a diminuir. Afinal de contas, o mercado de notícias precisa girar e, como estamos chegando ao fim do ano, há de se publicar algo sobre Halloween, Finados, N.S. Aparecida, moda verão, praias e destinos turísticos de férias, Natal e Papai Noel, Réveillon e suas mandingas, especiais horríveis de TV etc. A pauta que dominará os noticiários já está pronta e política não combina muito com fim de ano – ainda mais porque o Congresso entra em recesso do dia 23 de Dezembro ao 1º de Fevereiro.

Não obstante, o que mais me incomodou foi o senso comum das discussões e a visão binária que predominou: partido X é bom e partido Y é mau. Foi tanto fascismo e intolerância que dava até preguiça de conversar com algumas pessoas. Entretanto, gosto de ver a patuscada toda e perceber a base das argumentações. É muito interessante! Grande parte das opções, mascaradas de críticas ou racionais, eram puro e simples afeto, assimilação de discurso midiático ou “do professor da minha faculdade”. E isso é sério! Alguns cursos – digo alguns, não todos –, que preparam para a inserção no mercado de trabalho, não questionam o sistema econômico atual, mas trabalham com a ideia de capacitar pessoas para que se coloquem no alto de sua pirâmide. Por isso vi muita briga pelo próprio direito e não pelo bem comum, o que caracteriza um agir político.

As premissas sobre as quais cada grupo pautava seu discurso não lhes eram bem claras. Bastava questionar conceitos básicos de filosofia política e mesmo historiográficos que se encontraria um edifício erguido sobre terreno pantanoso. Dentre as discussões de base está o modelo de Estado que cada qual defende. Aliás, uma das definições modernas de Estado é a de uma abstração do poder de todos, centralizada numa autoridade que goza de monopólio de força física absoluto. A crença neste poder é centralização ideológica de um povo. Daí se pode questionar em que medida essa autoridade representa ou não a vontade popular.

O Estado Moderno iniciou-se com a dissolução do Estado Feudal e apresentou variações ao longo dos séculos. De modo geral, suas percepções podem ser agrupadas nos modelos jusnaturalista e hegelo-marxiano. O primeiro objetiva uma teoria racional do Estado e o vê como a reunião de muitos indivíduos num indivíduo único, que expressa a vontade geral e do qual todos são partes indissociáveis. Essa atribuição de poder teria se dado por meio de uma espécie de contrato social, que marca a passagem do estado natural para o Estado Civil. Este, por sua vez, consiste no estado político onde os indivíduos passam a constituir uma comunidade na qual adquirem direitos desde que cumpram seus deveres para com os outros e o Estado.

No modelo hegelo-marxiano, os indivíduos só são possíveis no e através do Estado, que é condição de racionalidade dos próprios indivíduos. Diferencia a esfera social que trata dos interesses comunitários privados (Estado Civil) da que trata também dos interesses comunitários comuns a todos os indivíduos (Estado Político). Marx avança dizendo que a economia determina a política, que a história da produção social determina a Estrutura do Estado. O que se verifica, segundo ele, é que o Estado não representa interesses coletivos, mas de um pequeno grupo que o controla. Assim, o Estado está acima da sociedade, que só se realizará com a extinção do primeiro.
Acho que essa discussão sobre o modelo de Estado é basal para qualquer argumentação política, particularmente no que tange a tal representatividade. Nesse sentido, o filme “O Candidato Honesto”, uma comédia com Leandro Hassum, questiona as bases de nosso modelo político e ri da fragilidade da crença ideológica da centralização do poder popular em uma instância central. Depois de tanta briga na web, parece-me uma maneira mais light de questionar os próprios paradigmas da representabilidade.

*Mestrado em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, com pesquisa em Signo e Significação nas Mídias, Cultura e Ambientes Midiáticos. Graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE). Possui Graduação em Filosofia (Bacharelado e Licenciatura) pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora. Experiência na área de Filosofia, com ênfase na filosofia kierkegaardiana.

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