01/12/2014 | domtotal.com
Ao sugerir o caminho a reiniciar juntos, o papa indica também as bússolas a seguir para dissolver os nós históricos.
Por Gianni Valente
Para chegar à meta da plena unidade com os cristãos ortodoxos a Igreja católica “não pretende propor nenhuma exigência, senão aquela da profissão da fé comum”. Disse-o o papa Francisco, Bispo de Roma e Chefe da Igreja católica, no discurso pronunciado no domingo (30) em Fanar diante do Patriarca Bartolomeo, no sugestivo ambiente da divina Liturgia celebrada para a festa de Santo André. Poucas palavras intencionadas, que sugerem um passo inédito e pleno de consequências para o futuro das relações entre a Igreja de Roma e as Igrejas do Oriente.
As fórmulas usadas pelo papa Francisco sugerem que para o atual sucessor de Pedro a retomada da plena comunhão entre cristãos católicos e ortodoxos seria possível já agora, sem impor aos irmãos ortodoxos pré-condições de caráter teológico ou jurisdicional. E isto, sobretudo porque as Igrejas ortodoxas “têm verdadeiros sacramentos e, sobretudo em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio e a eucaristia”, como repetiu o papa, citando o Concílio Vaticano II. Para ele, a fim de retornar à plena comunhão, seria suficiente reconhecer que se compartilha e se confessa conjuntamente a mesma fé dos Apóstolos.
Com palavras pronunciadas em Fanar, após décadas de nobres propósitos e declarações de princípio, o papa Francisco oferece aos chefes das Igrejas ortodoxas a ocasião propícia para sair do clima acolchoado e talvez gelatinoso das boas maneiras ecumênicas. E mover conjuntamente os primeiros passos concretos para ser libertados dos efeitos mais graves da divisão que se consumou no segundo milênio.
Ao sugerir o caminho a reiniciar juntos, o papa Francisco indica também as bússolas a seguir para dissolver os nós históricos e doutrinais que se agravaram ao longo dos séculos de divisão: “Estamos prontos”, disse o papa Francisco, “a procurar juntos, à luz do ensinamento da Escritura e da experiência do primeiro milênio, as modalidades com as quais garantir a necessária unidade da Igreja nas atuais circunstâncias”.
A referência ao primeiro milênio – requerido também pelo patriarca Bartolomeo em sua recente entrevista a Avvenire – não exprime a ilusão nostálgica de re-enrolar o fio do tempo e zerar o segundo milênio cristão. Sugere, antes, a imagem de uma Igreja que não se concebia como sujeito histórico auto-fundante, preocupada em reafirmar de si mesma a própria relevância na história. Uma Igreja que reconhecia crescer e florescer como reflexo da presença e da graça de Cristo. Não em força das supremacias exercidas pelos chefes das Igrejas, com base na ordem de precedência estabelecido nos elos de transmissão do poder eclesiástico. Para isto, os Padres da Igreja não tinham sentido a exigência de elaborar alguma eclesiologia sistemática. Eles não tinham o problema de envolver-se com a Igreja, o coração de seus interesses e de suas ansiedades não era a instituição eclesiástica.
A audácia evangélica das palavras pronunciadas por Francisco se colhe bem no confronto e na continuidade com as propostas e as fórmulas com as quais no passado se havia expressado a solicitude católica pela unidade com os irmãos ortodoxos. João Paulo II, em sua encíclica Ut unum sint, havia reconhecido a própria responsabilidade ante a “questão que me é dirigida de encontrar uma forma de exercício do primado que, embora não renunciando de nenhum modo ao essencial de sua missão, se abra a uma situação nova”.
Naquela passagem, também o Papa polaco havia recordado que “por um milênio os cristãos eram unidos pela fraterna comunhão da fé e da vida sacramental, intervindo por comum consenso a sé romana, quando tivessem surgido entre eles dissensos sobre a fé ou a disciplina”. As solicitações wojtylianas eram circunscritas às modalidades de exercício do primado papal que no segundo milênio assumiu formas não aceitáveis pelos ortodoxos. Mas depois não se registraram disposições e atos colocados de forma autônoma pelo Papa para dar conteúdo concreto à disponibilidade expressa na encíclica.
Agora, nas expressões calibradas do papa Francisco parece em parte ressoar a assim dita “fórmula Ratzinger”: aquela reproposta também em 1987 pelo cardeal teólogo depois elevado ao sólio de Pedro, segundo o qual “com respeito à doutrina do primado, Roma não deve exigir do Oriente nada a mais em referência a quanto tinha sido formulado e vivenciado no primeiro milênio”.
A fazer redescobrir como atual e eficaz no terreno ecumênico a perspectiva evangélica e essencial experimentada nos primeiros séculos do cristianismo é principalmente o olhar realista dirigido pelo papa Francisco à condição da fé e à missão da Igreja no mundo, assim como é agora. “No mundo de hoje”, declarou o papa Bergoglio em seu discurso em Fanar “se levantam com força vozes que não podemos não ouvir e que exigem às nossas Igrejas que vivam até o fundo o serem discípulos do Senhor Jesus Cristo”. O Soberano Pontífice argentino fez referência em particular aos pobres, às vítimas dos conflitos, aos jovens que infelizmente como tantos “vivem sem esperança” e sob a guarda da “cultura dominante”.
A unidade entre os cristãos – é isto que sugere Bergoglio – não é uma fixação por circulozinhos clericais à procura de algum sucesso de imagem para justificar a própria existência. Não é um “fechai fileiras” motivado por razões ideológicas ou de hegemonia mundana. Serve para que a Igreja possa cumprir sua missão a favor de todos os homens e de todas as mulheres do mundo. A paixão do papa Francisco pela unidade dos cristãos tem sua fonte na sua solicitude de pastor. Isto garante o longo alcance e a resolução de seus acenos. Quando está em jogo a salvação das almas, é inútil e danoso continuar a perder tempo nas reivindicações sobre os direitos de preeminência.
Assim, precisamente enquanto sugere a todos a urgência que preme a missão apostólica da Igreja na hora presente, o papa Francisco exercita com eficácia e plenitude o papel que Cristo confiou a Pedro e aos seus Sucessores, segundo quanto repete toda a Tradição da Igreja: guiar os irmãos na seqüela de Cristo, nas circunstâncias dadas. O Papa – como repetiu tantas vezes também Joseph Ratzinger – jamais tem sido um “imperador” espiritual. O seu mandato não é um “poder” configurado sobre aquele das monarquias mundanas ou das superpotências globais.
Por ora, a súplica do papa Francisco pela unidade dos cristãos parece estar distante anos de luz das pequenas cobranças políticas e psicológicas entre circuitos clericais que sabotam incessantemente o caminho para a unidade plena entre católicos e ortodoxos. Também a última sessão do diálogo teológico sobre o tema do primado, realizada em Amam em setembro passado, marcou o passo, sobretudo para as diferenças e os ressentimentos entre os representantes das diversas Igrejas ortodoxas.
Já outras ocasiões no passado foram perdidas para dar passos reais e decisivos para a unidade entre católicos e ortodoxos. Mas agora o papa Francisco abre novas portas. Sem esconder que será preciso exercitar ainda a virtude da paciência, tantas vezes requerida em suas homilias matutinas em Santa Marta. A mesma paciência à qual exortava também o Patriarca ecumênico Atenágoras. “A união”, dizia o predecessor de Bartolomeo “chegará. Será um milagre dentro da história. Quando? Não podemos sabê-lo. Mas devemos preparar-nos para isto. Porque um milagre é como Deus: sempre iminente”.
Vatican Insider, 30-11-2014.
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