sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Francisco já não precisa do Nobel da Paz

A mediação do Papa na reaproximação Cuba-EUA é mais uma prova de sua fé na reconciliação entre os povos.

Por Juan Arias*

Até esta semana, o papa Francisco era um candidato ao Nobel da Paz. Depois dos elogios recebidos pela mediação na reabertura do diálogo entre Cuba e Estados Unidos, tanto por parte de Obama como de Raúl Castro, que representam dois mundos em confronto há mais do meio século, ele já não precisa do prêmio.

É um Papa que apostou pela paz porque acredita no diálogo e no respeito aos diferentes, começando por aceitar como irmãs as demais confissões religiosas.

A história da Igreja está cheia de papas guerreiros e inquisidores que nem sempre honraram o legado cristão da busca da paz em um mundo atravessado pela violência e amante das guerras.

Hoje, Francisco, um Papa que está voltando às origens do cristianismo primitivo e solidário, capaz de respeitar o fato de poder ser diferentes sem necessidade de se sentir inimigos, devolve com seus gestos o legado de paz e conciliação que tantas vezes a Igreja, ao se mundanizar, foi esquecendo pelo caminho.

Em um momento da história em que a política (tanto a interna dos povos como a externa dos Estados) está particularmente desprestigiada, Francisco de algum modo a legitima e lhe restitui sua verdadeira essência.

Não poucos cristãos criticaram a dimensão política da Igreja e do papado alegando que a Igreja “não deve se meter em política”. E é verdade que muitos papas pareciam mais chefes de Estado que representantes do apóstolo Pedro, que morreu açoitado pelo poder romano.

Francisco, em seu ainda breve e já rico pontificado, está se esforçando para purificar a Igreja de seus pecados de indevidas ingerências políticas, geralmente a favor dos ditadores, ao mesmo tempo em que lhe devolve seu verdadeiro valor.

A política de Francisco é exclusivamente e sempre a favor do diálogo e da paz, da busca do respeito entre todos.

Foi ele que lembrou que o ser humano é um “animal político” e que, portanto, também os cristãos devem sujar as mãos na política, talvez escrita com maiúscula. É como admitir que não é possível separar o corpo da alma. Também os cristãos e crentes de qualquer fé religiosa vivem no mundo, sofrem e gozam nele e nesse mundo (terreno e espiritual ao mesmo tempo) a política, com a gestão do bem comum e a luta contra a injustiça, estará inexoravelmente presente.

A diferença entre o ser político do papa Francisco e o de alguns de seus antecessores é que sua política é exclusivamente e sempre a favor do diálogo e da paz, da busca do respeito de todos. Também é a favor do resgate universal de que a verdadeira dignidade do ser humano reside em que é sujeito de respeito, companheiro de viagem, defensor da vida e não objeto de exploração, uma mercadoria à mercê de quem mais paga por ele.

Seguidores de outras religiões não cristãs foram os primeiros a pedir para o papa Francisco o galardão do Nobel da Paz.

Para crentes e não crentes, Francisco, acusado de ser o “menos papa de todos”, é mais do que isso. É uma esperança de paz em um mundo em que ainda se derrama muito sangue inocente.

Talvez, paradoxalmente, Francisco seja o mais político dos papas modernos, algo que se pode permitir porque, como ele afirmou, pertence “ao partido do Evangelho”. Sua política, selada com a autenticidade de sua vida singela tem, além disso, um ingrediente especial que não foi sempre abundante na história do papado: é uma política que não atemoriza os mais pobres e os discriminados por suas diferenças.

No reino que ele proclama, afirmou, cabem até os animais que amamos. Só não há lugar nele para as velhas hipocrisias e as morais duplas das que tanto sofreu e continua sofrendo a Igreja.

*Juan Arias é correspondente no Brasil do El País, onde este artigo foi publicado originalmente.

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