09/12/2014 | domtotal.com
Basta a decisão de um líder para imprimir mudanças na Igreja e sugeri-las à sociedade em geral?
Por José María Poirier Lalanne
É ao menos curioso que um homem de reconhecida liderança internacional, de inegável vocação política, capaz de prometer importantes reformas na Igreja, afirme, na entrevista (ao jornal La Nación), que não gosta de falar de estratégia, que não quer proselitismos e que não está de acordo com a palavra “limpeza”. Chega a dizer que agradece ao Senhor por“uma sadia dose de inconsciência”.
Porém, o que mudou concretamente, para além de gestos e palavras que certamente despertam esperanças e contrastam com a mediocridade esmagadora da maioria dos dirigentes? É evidente que Francisco se expressa abertamente a favor da paz e dos pobres e marginalizados do mundo, claramente disposto ao diálogo inter-religioso e intercultural, inflexível diante dos abusos e escândalos. É capaz de repensar as normas frente às mudanças sociais, com surpreendente espontaneidade, soube oxigenar os ares palacianos do Vaticano e ganhar o fervor de milhões de católicos e não católicos.
No entanto, encontra certas resistências que, embora não sejam tão numerosas como aparentam, não deixam de oferecer batalha. O primeiro sínodo sobre a família parece as ter revelado. Ou o desgosto de certos prelados que veem desaparecer suas expectativas de carreira, ou mais ainda daqueles que temem perder privilégios e cargos.
O papa, por sua parte, com expressão coloquial destaca que quando “a família está em crise e os jovens não se casam” é preciso voltar a refletir sobre a pastoral da Igreja, sem medos e nem prejuízos, com liberdade de espírito. Sustenta que o sínodo foi um processo com seus contrastes, às vezes exageradamente apresentados pelo jornalismo, mas que escolheu a transparência e não houve nenhum tipo de censura no momento de comunicar.
A sinodalidade, esclarece, conta com a garantia do Santo Padre. Ou seja, ao mesmo tempo em que convida a ter “coragem para falar e humildade para escutar”, assegura que a barca não está sem direção, como alguns disseram e escreveram nestes meses, mas, sim, em suas mãos.
Elogia as posturas aberturistas do cardeal alemão Walter Kasper, reconhece que “é sadio ventilar as coisas”, que considera as resistências como visões distintas e que “seria anormal que não existissem pontos de vista divergentes”. Embora admita que “há alguns que são completamente teimosos em suas posturas”. Além disso, afirma que a reforma da Cúria será um caminho lento e complexo, que se “vai fazendo a passinhos”. Fala da Virgem de Guadalupe como padroeira da miscigenação, da religiosidade popular como autêntica expressão do Povo de Deus, e condena o clericalismo e a falta de proximidade com as pessoas, atitudes que distanciaram muitos da Igreja e que frearam a maturidade dos leigos em nosso continente.
No entanto, basta a decisão de um papa ou a personalidade carismática de um líder para imprimir mudanças na Igreja e sugeri-las à sociedade em geral? Certamente não. Determinadas personalidades, como aconteceu com alguns profetas de Israel e certos santos cristãos, desataram processos e animaram as pessoas, mas não necessariamente foi o suficiente.
Para se sustentar no tempo e ser fecunda, toda mudança verdadeira precisa fincar raízes profundas nas pessoas e nas comunidades. É verdade que sem João XXIII e Paulo VI não se teria chegado ao Concílio Vaticano II, mas esse grande acontecimento foi antecipado, espiritual e intelectualmente, por extraordinárias personalidades, religiosas e leigas, que o prepararam. E, inclusive, esse fundamental capítulo, após 50 anos, ainda deve ser aberto em muitos ambientes e encontra grandiosas resistências.
La Nacion, 07-12-2014.
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