domingo, 7 de dezembro de 2014

O advento e o Deus que se fez homem

Padre Almir Magalhães*

No momento em que escrevo esta abordagem, estamos bem no início de um período do Ano Litúrgico conhecido como advento; compõe-se de quatro domingos (30.11, 7,14 e 21 de dezembro) e a tônica, a espiritualidade que marca este período é o da vigilância, para, como cristãos, nos prepararmos bem para este grande evento da história da humanidade que chamamos de Natal e que é o nascimento do menino-Deus, o Deus que armou sua tenda entre nós (cf. Jo, 1,14).

Entretanto, alguns ingredientes merecem ser refletidos nesta reflexão e cito três: a) Qual a proposta, a espiritualidade cristã para a celebração deste evento? b) A cultura que temos a respeito do período e c) visão do mercado sobre o momento.

A proposta que todo cristão deveria encarar nesta preparação se fundamenta no termo vigilância. No primeiro domingo do advento o termo é colocado como mote não só para o período mas para a vida do cristão e aparece no Evangelho de Marcos 13, 33-37 que melhor deve ser lido no quadro dos capítulos 11,20 – 13, 1-2; Jesus está em Jerusalém e aparecem aí as polêmicas mais radicais com as lideranças judaicas. No final deste dia, já no Jardim das Oliveiras Jesus oferece a um grupo de discípulos um amplo e enigmático ensinamento que ficou conhecido como o discurso escatológico, no estilo literário apocalipse. Neste discurso Jesus dá indicações aos discípulos acerca da atitude a tomar diante das dificuldades que marcarão a caminhada histórica da comunidade cristã.

Ora, as primeiras gerações cristãs estavam na verdade com ideias fixas pela segunda vinda imediata de Jesus, queriam encontrar-se com ele o quanto antes. Qual o problema? O tempo passava e a vinda do Senhor demorava. Perigo? O entusiasmo pela proposta de Cristo poderia se enfraquecer, apagar-se. Preocupação? Ao chegar, Jesus encontrasse os cristãos dormindo, não fisicamente, mas acomodados e sem a vivência cristã. Daí a vigilância tornou-se uma palavra-chave porquanto os evangelhos repetem muito: cuidado! Ficai atentos! Vigiai! O que significa isto para o período do advento? É um convite a viver de maneira lúcida, afinal de contas o ideal cristão é não agir como todo mundo. É um chamado a tomar uma decisão hoje e confrontar sempre a sua vida pessoal e comunitária com a esperança cristã. A missão é exigente e a comunidade vai precisar de motivação e por isso o apelo à vigilância e à fidelidade.

O segundo ingrediente é a cultura que foi se consolidando no seio da sociedade em relação ao natal. Está no ínsito de nossa alma as celebrações, as confraternizações, os presentes... Parece que disto não podemos fugir, não podemos ser hipócritas. O que precisamos num lento processo educativo, nos reeducar para, mesmo diante desta cultura, recuperarmos a espiritualidade cristã não só neste período, mas na vida, em todos os momentos. Seria respeitar a cultura e redimensioná-la para uma vida absorvendo processualmente o mínimo possível, o terceiro ingrediente a seguir.

O terceiro ingrediente é a superposição a uma cultura mais “espontânea” manipulada pelo mercado, ávido por lucro num momento como chamam de período de grande aquecimento das vendas. Neste sentido é que parece que a proposta do aniversariante vai em grande parte para a lixeira. Ele acaba não sendo o centro, e quando acontece é apenas de maneira simbólica, representativa, não iluminando as vidas para uma presença testemunhal na sociedade, nos ambientes que frequentamos a partir dos valores propostos de justiça, solidariedade, espírito comunitário, partilha.

Tudo acontece em clima de festa e não há erro nisto, mas como momento, no dia a dia há uma insensibilidade quanto ao sofrimento dos outros (cada um desfrutando o máximo o seu bem estar), faltam o princípio misericórdia e outros aspectos, para que o cristianismo possa se tornar atraente para o homem de hoje.

Fica um duplo convite: o da vigilância e de como ir conciliando e progredindo na proposta cristã sobre o Natal diminuindo gradualmente a proposta do consumo como eixo.

*Sacerdote da arquidiocese de Fortaleza, diretor e professor da Faculdade Católica de Fortaleza.

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