15/12/2014 | domtotal.com
Nessas lembranças, todo mundo de banho tomado, imaginando um futuro brilhante para Deus, pátria e família.
Por Ricardo Soares*
Você desce a serra e vê que tudo que é ruim prospera. Poluição, congestionamento, filas, mar escuro de sujeira. Procura num canto da praia fragmentos da infância que talvez tenham entrado no restaurante antigo que você, quando criança, freqüentava com a família. Pois lá está, de novo, o avô rosado a pedir que se levantem as taças e que brindemos juntos o ano que se finda. O avô nem suspeita ser cardíaco e nem imagina que seu coração dentro de um ano já não estará batendo no peito agora inflado de alegria.
Na outra ponta da mesa, sua irmã do meio rói as unhas e sua mãe com um elegante lenço sobre a cabeça enfrenta com galhardia as mudanças bruscas dos anos 60. Seu pai está mais gordo e de emprego novo, sua irmã mais nova é uma criança linda que contempla migalhas e sua tia carola discursa fortemente a favor dos militares.
Que cheiros chegam dessas remotas lembranças? Arroz de polvo, arroz de brócolis, sangrias desatadas? Há flores sobre a mesa circundando as cervejas ? sua avó alemã há de ter esquecido a receita do bolo Cuca ou nesse momento estará lembrando os quartos espremidos do navio que a trouxe para o Brasil?
Nessas lembranças, todo mundo está perfumado, de banho tomado, imaginando um futuro brilhante para Deus, pátria e família. Não há viúvos ou mortos na mesa. Uma mão que você não identifica mergulha um enorme pedaço de pão num bom azeite. Outra mão, essa feminina, corta um bom pedaço de queijo. Há sonhos de se ganhar na loteria percorrendo esses rostos alegres, fugidios, passageiros.
Não se sabe se é um sábado ou um domingo e o dia é claro, agradável, com sol, mas sem calor intenso. Súbito, um raio de luz percorre toda a cena e me vejo agora serra acima a persistir em olhar para trás. Chove, uma sabiá milonga seu canto do acasalamento, um cão embrulhado num tapete dorme aos seus pés e sua mulher pinta vasos coloridos dando tons mais vivos ao dia cinzento. Sugere que desçam a serra para almoçar mas você declina. O passado para você ainda é muito indigesto.
Você desce a serra e vê que tudo que é ruim prospera. Poluição, congestionamento, filas, mar escuro de sujeira. Procura num canto da praia fragmentos da infância que talvez tenham entrado no restaurante antigo que você, quando criança, freqüentava com a família. Pois lá está, de novo, o avô rosado a pedir que se levantem as taças e que brindemos juntos o ano que se finda. O avô nem suspeita ser cardíaco e nem imagina que seu coração dentro de um ano já não estará batendo no peito agora inflado de alegria.
Na outra ponta da mesa, sua irmã do meio rói as unhas e sua mãe com um elegante lenço sobre a cabeça enfrenta com galhardia as mudanças bruscas dos anos 60. Seu pai está mais gordo e de emprego novo, sua irmã mais nova é uma criança linda que contempla migalhas e sua tia carola discursa fortemente a favor dos militares.
Que cheiros chegam dessas remotas lembranças? Arroz de polvo, arroz de brócolis, sangrias desatadas? Há flores sobre a mesa circundando as cervejas ? sua avó alemã há de ter esquecido a receita do bolo Cuca ou nesse momento estará lembrando os quartos espremidos do navio que a trouxe para o Brasil?
Nessas lembranças, todo mundo está perfumado, de banho tomado, imaginando um futuro brilhante para Deus, pátria e família. Não há viúvos ou mortos na mesa. Uma mão que você não identifica mergulha um enorme pedaço de pão num bom azeite. Outra mão, essa feminina, corta um bom pedaço de queijo. Há sonhos de se ganhar na loteria percorrendo esses rostos alegres, fugidios, passageiros.
Não se sabe se é um sábado ou um domingo e o dia é claro, agradável, com sol, mas sem calor intenso. Súbito, um raio de luz percorre toda a cena e me vejo agora serra acima a persistir em olhar para trás. Chove, uma sabiá milonga seu canto do acasalamento, um cão embrulhado num tapete dorme aos seus pés e sua mulher pinta vasos coloridos dando tons mais vivos ao dia cinzento. Sugere que desçam a serra para almoçar mas você declina. O passado para você ainda é muito indigesto.
*Ricardo Soares é diretor de TV, escritor e jornalista. Titular do blog Todo Prosa (www.todoprosa.blogspot.com) . Escreve todos os dias também o Diario do Anonimato do Mundo em www.revistapessoa.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário