quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Transformação na política do clima

10/12/2014  |  domtotal.com

O consumo de gasolina cresce enquanto o consumo de etanol declina porque subsidiamos a gasolina.

Por Adilson de Oliveira

Após meses de negociações sigilosas, a China e os Estados Unidos anunciaram em Pequim que adotarão metas para a redução das emissões de gases para evitar os riscos de mudanças climáticas. A China comprometeu-se em elevar para 20% a parcela não poluente de sua matriz energética até 2030. Os EUA prometeram reduzir suas emissões entre 26% e 28% até 2025, substituindo fontes fósseis por fontes renováveis e acelerando a substituição do carvão por gás natural na geração de eletricidade.

Maiores emissores de gases que provocam o efeito estufa, os dois países resistiam em assinar acordo que obrigaria mudanças no padrão energético assentado em recursos fósseis. O comunicado conjunto de Pequim sinaliza radical mudança, gerando otimismo quanto a um acordo na conferência do clima de Paris em 2015.

A mudança na postura americana pode ser explicada pela revolução provocada pelo "fracking" no mercado de combustíveis, que permitirá alcançar a autossuficiência energética em alguns anos, garantindo a segurança do seu suprimento a preços competitivos e relativamente estáveis. Esse ambiente cria condições favoráveis para a aceleração da transição energética para as fontes renováveis, que está revitalizando o parque industrial americano. Esse cenário sugere que os americanos adotarão posicionamento pró-ativo em Paris.

Na China, é crescente a insatisfação da população urbana com a poluição provocada pelo consumo de carvão. A crescente dependência de importações de hidrocarbonetos de regiões politicamente instáveis (petróleo do Oriente Médio e gás natural da Rússia) fragiliza o crescimento econômico chinês, considerado essencial pelas autoridades locais para a preservação da estabilidade sociopolítica do país. Como são crescentes os sinais de que a autossuficiência energética modificará a atuação americana na garantia do suprimento global de hidrocarbonetos, a extensão da cooperação econômica com o Ocidente para o âmbito climático em Paris é uma boa alternativa para garantir a segurança do suprimento energético e o crescimento econômico chinês.

O anúncio sino-americano de Pequim demanda o reposicionamento do Brasil na conferência de Paris. Assentada na redução do desmatamento clandestino, nossa política climática tem minimizado o papel dos combustíveis fósseis em nossas emissões de gases. Essa política está ultrapassada. Os dados estatísticos dos últimos anos indicam que as políticas e os instrumentos de controle adotados para conter o desmatamento clandestino permitiram radical mudança na trajetória de emissões vinculadas a essa prática ambientalmente predatória. Atualmente, o núcleo central dos incrementos de nossas emissões de gases reside no setor energético.

A história nos legou um sistema energético relativamente amigável com o clima. No entanto, os dados recentes indicam que estamos dilapidando nossa benigna "herança climática". O consumo de gasolina cresce enquanto o consumo de etanol declina pelo fato de estarmos subsidiando a gasolina. Na geração de eletricidade, a participação dos combustíveis fósseis aumenta em decorrência de equívocos na gestão dos reservatórios hidrelétricos, que provocam a perda de competitividade das tarifas elétricas e a consequente redução da atividade produtiva. Seguimos incentivando o uso do automóvel como principal meio de mobilidade, apesar de nossa infraestrutura urbana ser incompatível com o uso desse veículo.

As mudanças na política energética adotadas após a descoberta do pré-sal sugerem que estamos mergulhando na vala comum dos países que sofrem com a maldição do petróleo. As notícias de corrupção na Petrobras, a política equivocada para os preços dos combustíveis e a desorganização do mercado elétrico são sinais inequívocos de que é necessária uma transformação radical na política energética para torná-la amigável com a política climática.

Essa transformação não pode se limitar à precificação da energia. São necessárias mudanças na organização institucional do mercado energético. Essas mudanças devem ser articuladas em torno da ampliação da liberdade de escolha dos usuários da energia, da descentralização da gestão do sistema energético para aproveitar as disponibilidades energéticas locais e da oferta de condições ambientalmente equitativas para a competição das fontes renováveis de energia com as fontes fósseis (estas últimas necessariamente devem pagar por suas externalidades ambientais negativas). Mais ainda, o papel do setor automotivo na dinâmica produtiva brasileira necessita ser revisto, pois a mobilidade do século XXI será articulada em torno dos motores elétricos e dos veículos sobre trilhos.

Nessa transformação, os reservatórios do pré-sal não devem ser percebidos como uma maldição a ser exorcizada. É fundamental ter presente que a transição dos combustíveis fósseis para as fontes renováveis de energia será necessariamente longa. A desvalorização dos imensos ativos articulados em torno dos combustíveis fósseis é uma tarefa complexa que exige a segurança do suprimento de hidrocarbonetos a preços relativamente estáveis para que essa transição se processe sem conflitos socio políticos graves.

A produção offshore do Brasil terá papel relevante não apenas no nosso suprimento seguro de hidrocarbonetos e, portanto, em nossa transição energética ordenada. O Brasil tem identificado recursos petrolíferos que lhe permitem se tonar supridor relevante de segurança energética para a Europa e Ásia. A expansão da produção doméstica de hidrocarbonetos, se associada a uma política de conteúdo local articulada com nossos parceiros comerciais, permitirá dinamizar tecnologicamente nosso parque industrial e ampliar sua competitividade. Esses são trunfos relevantes que o Brasil deve utilizar para ganhar protagonismo nas negociações climáticas globais.
Jornal Valor, 09-12-2014.

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