Padre Geovane Saraiva*
“Os mártires são exemplos máximos do perder a vida por Cristo. Em
dois mil anos há uma série imensa de homens e mulheres que sacrificaram a vida
para permanecerem fiéis a Jesus Cristo e ao seu Evangelho” (Papa Francisco).
Quando enterramos o corpo da Irmã Dorothy, em fevereiro de 2005, repetimos
muitas vezes que não estamos enterrando a Irmã Dorothy, mas sim, estamos
plantando-a. Ela é uma semente que vai dar muitos frutos. Queremos celebrar estes frutos e as novas
sementes que estes frutos estão produzindo, disseram as irmãs de sua
congregação. Irmã Dorothy afirmou no momento no qual foi imolada: "Eis a
minha alma" e mostrou o Livro Sagrado. Leu ainda alguns trechos das
Sagradas Escrituras para aquele que logo em seguida iria assassiná-la, a mando
do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida. Morta com seis tiros, aos 73
anos de idade, no dia 12 de fevereiro de 2005, em Anapu, no Estado do Pará,
Brasil. É a partir de uma grande e enorme simbologia, bem no meio da floresta
amazônica, que seu sangue derramado quer expressar para o mundo inteiro que a
vida é mais forte do que a morte!
Irmã Dorothy era
reconhecida como uma defensora do desenvolvimento sustentável, através da luta
pela reforma agrária e da causa dos pequenos agricultores de Anapu, no Pará, mas
acabou assassinada aos 73 anos a mando daqueles que só pensam nos bens
temporais. Nossa celebração na Paróquia de Santo Afonso, Parquelândia,
Fortaleza - Ceará, com a presença das Irmãs de Notre Dame de Namur, que moram
nesta Igreja de Fortaleza, quer ser uma
forma de manter viva não apenas a memória de Dorothy, mas também a luta pela
reforma agrária no Brasil. Essa memória nos estimula como compromisso de
fidelidade e persistência. Urge reconhecer o que se fez no passado para nos
animar o presente. Além disso, a causa de Dorothy não está na moda, porque
pouco se fala em reforma agrária. Por isso mesmo, precisamos de mais
motivações, para que sua memória se mantenha cada vez mais viva.
“Ninguém tem
maior amor do aquele que dá a vida por seus amigos” (cf. Jo 15, 13). Dar a vida
se pode traduzir por generosidade, renúncia, doação e testemunho. No amor a
Deus e ao próximo está o eixo central do cristianismo; tudo a partir do
coração, por ser o centro da personalidade, onde se encontra seu fundamento, na
busca da dignidade, da justiça e da solidariedade. Dom Pedro Casaldáliga disse
em determinada circunstância semelhante à nossa: "O povo precisou se
esconder em razão de uma série de ameaças por causa da defesa ao povo indígena
Xavante, ocasião para convocar os religiosos a assumirem a herança da irmã com
realismo militante e com a esperança pascal”.
O modelo
capitalista no Brasil, marcado pela desigualdade social e estrutural entrou com
toda sua força também na Amazônia. Para lá também foi por opção de vida, a
inesquecível Irmã Dorothy, abraçando a proposta do Evangelho, repleta de
ternura, paixão e enorme amor pela floresta amazônica e seus habitantes. Uma
mulher forte e determinada, no seu estilo de vida e com uma mística a causar
medo e contrariar os que desejavam outro projeto para a floresta, longe e
distante do projeto de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso mesmo tramaram:
vamos assassiná-la. Irmã Dorothy está viva e presente na vida do seu povo, com
sua vida ofertada em sacrifício, em um verdadeiro hino de louvor a Deus, na sua
coragem profética. Ela vai continuar sempre mais amada e admirada, como figura
exemplar e referencial, símbolo e patrimônio do povo brasileiro, o qual sonha
com uma nova realidade, aos olhos da fé.
Diante do
contexto, ainda muito vivo entre nós, da morte brutal da irmã Dorothy, fica
muito presente a frase de Tertuliano, dita no século terceiro: “Sangue de
mártires é semente de cristãos”. “Evangelizar constitui, com efeito, o destino
e a vocação própria da Igreja, sua identidade mais profunda. Ela existe para
Evangelizar” (EN, 14), não fugindo da profecia e do testemunho, e se for
preciso, inclusive do próprio martírio. Temos consciência de que o
testemunho profético e a mística dessa fiel e corajosa discípula de Jesus de
Nazaré, com seu sangue derramado na floresta amazônica, ainda irá produzir
frutos, muitos e bons frutos. Animados pela chama da esperança pascal, digamos
com Papa Francisco: “Jesus dá-nos a vida. Unidos a Ele, teremos a alegria no
coração e um sorriso nos lábios”. Amém!
*Pároco
de Santo Afonso e vice-presidente da Previdência Sacerdotal, integra
a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza - geovanesaraiva@gmail.com
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