quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Desordem mundial e democracia

A diplomacia é inutil quando uma das partes não tem o menor apreço pelo diálogo.

Como pode Obama navegar neste mundo de trapaceiros.
Por Flávio Saliba*

Atendendo ao desejo da maioria dos norte-americanos e cumprindo promessa de campanha  o presidente Barack Obama retirou tropas do Iraque e do Afganistão. Não contava ele com a possibilidade de que a Al Qaeda, o Talibã e o autodenominado Estado Islâmico pudessem, em tão curto espaço de tempo, mergulhar a região numa ainda mais brutal carnificina.

Hoje, Obama sofre críticas de todos os lados: perdeu a maioria no Congresso, é atacado por parte considerável da imprensa, enfrenta resistências dentro do próprio governo e é criticado por setores do Pentágono favoráveis a ações mais firmes contra o inimigo. Uma matéria do The Wall Street Journal, por exemplo, afirma que a sopa da “agenda da liberdade” de George W. Bush,  prometendo democracia para todos, de Karachi a Casablanca, era muito quente, enquanto a gororoba da política externa de Obama, forte em retórica mas fraca em execução, é muito fria.

Na verdade, o democrata Obama, que evita repetir os desastres de intervenções militares anteriores, vem se esforçando no uso de recursos diplomáticos. Mas a diplomacia, ao contrário do que afirmou a presidente Dilma ao criticar a ação militar contra o Estado Islâmico, é inutil quando uma das partes não tem o menor apreço pelo diálogo. A Guerra civil na Síria, a insistência do Iran em produzir armas atômicas e a truculência russa na Ucrânia colocam ainda mais lenha na fogueira mundial. Como pode o presidente Americano navegar neste mundo de trapaceiros ambiciosos e “freelancers”?

Ainda que movidos, em alguns casos, por interesses econômicos, não se pode negar legitimidade às ações  dos Estados Unidos contra grupos terroristas que ameaçam a segurança interna daquele país. Ou ja nos esquecemos dos milhares de mortos no ataque às torres gêmeas?

Para deixar de exercer o papel de polícia do mundo, os Estados Unidos dependem, no entanto, de aliados confiáveis, tais como as nações liberais democráticas, que compartilham seus ideais de liberdade e igualdade de direitos. Não nos esqueçamos que os direitos da mulher e das minorias, a liberdade de expressão, o Estado laico e a democracia política são conquistas essencialmente ocidentais.

Infelizmente, a América Latina entra em franco retrocesso democrático, ao eleger os Estados Unidos como o seu grande inimigo e privilegiar alianças, via Venezuela, com o Iran, Cuba e outras ditaduras sem o menor apreço pelas virtudes do mundo ocidental. Alegando estar defendendo os interesses dos pobres e promovendo a redistribuição de renda, governos populistas fecham os olhos para a corrupção, promovem o aparelhamento do Estado, geram desconfiança nos meios empresariais, se endividam e insistem em atacar o capitalismo como o grande responsável por seus males.

É neste contexto que Manuel Castells fala da ampliação da violência individual e coletiva através da fácil associação entre  extremismo de esquerda, tráfico de drogas, guerras semi-religiosas e terrorismo, enquanto Samuel Huntington vê os atuais conflitos mundiais, como choques de civilizações.  
*Flávio Saliba é formado em Ciências Sociais pela UFMG (1968), Doutor em Sociologia pela Universidade de Paris (1980), Pós-doutorado na Berkeley University (1994), Professor de Sociologia da UFMG. Livros publicados: 'O diálogo dos clássicos: divisão do trabalho e modernidade na Sociologia' (Ed. C/Arte, BH, 2004), 'História e Sociologia' (Ed. Autêntica, BH, 2007). Vários artigos publicados em revistas e jornais nacionais.


Nenhum comentário:

Postar um comentário