quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Eu vim para servir

Por Orani Tempesta*
Durante o tempo quaresmal, a Igreja no Brasil nos convida a dar passos no caminho de conversão com atitudes concretas. É uma maneira de concretizar a caminhada rumo à Páscoa! É o tempo da Campanha da Fraternidade.
A Igreja desde o seu amanhecer se interessou pelo homem total. Jesus, o caminho, a verdade e a vida, veio para salvar o Mundo, veio libertar o homem e a mulher dos grilhões do pecado. Cristo se interessou pela saúde do homem e da mulher, por isso curou a tantos e a todos chamou ao serviço. Com razão, no início da caminhada rumo à Páscoa somos convidados a purificar o coração de todo egoísmo e comodismo. Interpretando o sentido da Quaresma, a Igreja no Brasil nos convida a celebrar a Campanha da Fraternidade convertendo-nos a Deus, recordando a vocação e missão de todo cristão e das comunidades de fé, no relacionamento dialógico e na colaboração entre “Igreja e Sociedade”, fazendo eco à tradição social da Igreja e, ao mesmo tempo, comemorando o cinquentenário da “Gaudium et Spes” sobre a Igreja do Mundo de hoje, fruto do Concílio Vaticano II.
O lema “Eu vim para servir” (cf. Mc 10, 45) chama nossa atenção sobre a realidade da convivência, com as suas leis e normas de condutas, com critérios organizados e com entidades que “cuidam do bem-estar daqueles que convivem”.
A CF, uma feliz iniciativa de D. Eugênio de Araújo Sales, nosso predecessor tão querido e sempre lembrado, quando de seu pastoreio no Nordeste, foi assumida pela nossa Conferência Episcopal. É um momento propício para “aprofundar, à luz do Evangelho, o diálogo e a colaboração entre a “Igreja e a Sociedade”, propostos pelo Concílio Ecumênico Vaticano II, como serviço ao povo brasileiro, para a edificação do Reino de Deus” (Objetivo Geral da CF 2015, Manual, pág. 14).
Os objetivos específicos da Campanha da Fraternidade são: fazer memória do caminho percorrido pela Igreja com a sociedade, identificar e compreender os principais desafios da situação atual; apresentar os valores espirituais do Reino de Deus e da doutrina Social da Igreja como elementos autenticamente humanizantes; identificar as questões desafiadoras na evangelização da sociedade e estabelecer parâmetros e indicadores para a ação pastoral. Aprofundar a compreensão da dignidade da pessoa, da integridade da criação, da cultura da paz, do espírito e do diálogo inter-religioso e intercultural, para superar as relações desumanas e violentas; buscar novos métodos, atitudes e linguagens na missão da Igreja de Cristo de levar a Boa Nova a cada pessoa, família e sociedade; atuar profeticamente, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para o desenvolvimento integral da pessoa e na construção de uma sociedade justa e solidária. (cfr. Manual, pág. 14).
O texto base da CF, que está dividido em quatro partes, nos leva a aprofundar as reflexões, atitudes, ações durante a Quaresma e durante todo o ano de 2015, “Ano da Paz”, como foi pedido e decidido pelos Bispos na Assembleia da CNBB do ano passado. Na primeira parte temos reflexões sobre “Histórico das relações Igreja e Sociedade no Brasil”, “A sociedade brasileira atual e seus desafios”, “O serviço da Igreja à sociedade brasileira”, e “Igreja - Sociedade: convergências e divergências”. Trata-se de um posicionar no tempo e pontuar. Aqui fazemos a memória! Vemos a realidade à luz da fé, como cristãos!
Já na segunda parte do texto base, aprofundamos a relação Igreja e Sociedade à luz da palavra de Deus, à luz do magistério da Igreja e à luz da doutrina social. Na terceira, além de aprofundar a compreensão da dignidade da pessoa, da integridade da criação, da cultura da paz, temos uma visão social a partir do serviço, diálogo e cooperação entre Igreja e Sociedade, e ainda refletir sobre “Dignidade humana, bem comum e justiça social” e “O serviço da Igreja à Sociedade”. Ao final, temos sugestões pastorais para a vivência da Campanha da Fraternidade nas dioceses, paróquias e comunidades. O texto conclui com os resultados da CF-2014 e do FNS (Fundo Nacional de Solidariedade 2013), que são as aplicações dos recursos da Coleta realizada no Domingo de Ramos.
Isso tudo nos leva ao serviço de todos, como uma ocasião de retomarmos os ensinamentos do Concílio Vaticano II neste ano que comemoramos os 50 anos do seu encerramento. O Concílio nos leva a ser uma Igreja atuante, participativa, consoladora, misericordiosa, samaritana, como bem tem pregado e testemunhado o Papa Francisco.
O Estado deve estar a serviço da nação, de toda a população e não de um partido ou grupo escolhido. Somos chamados a trabalhar para que as estruturas, as normas, a organização da sociedade civil estejam a serviço de todos.
A força do amor e da livre partilha dos bens, o respeito à dignidade da pessoa humana e de sua liberdade, a instituição familiar e o dom da vida, a reforma da empresa em linhas comunitárias, haverão de gestar uma nova ordem social, política e econômica menos desigual, mais justa e solidária. Uma sociedade sonhada pelo saudoso Papa Paulo VI como uma “civilização do amor”, tema esse muito caro aos seguintes Pontífices! Desta forma, estaremos contribuindo para a realização desse sonho, pois somos chamados a servir como discípulos missionários numa Igreja solidária e servidora. Isso nos vai recordar o Hino da CF: “Quero uma Igreja solidária, servidora e missionária, que anuncia e saiba ouvir. A lutar por dignidade, por justiça e igualdade, pois "Eu vim para servir" (Mc 10,45). Deveras, “Preciso de gente que cure feridas, que saiba escutar, acolher, visitar”. Eu quero uma Igreja em constante saída (EG, 20), de portas abertas, sem medo de amar!” Deus sabe e isso é o que importa: “proclamar a Palavra, oportuna e inoportunamente”, como recomendava o Apóstolo Paulo ao seu caro discípulo Timóteo (2,4). É a missão precípua de todos nós que continuamos a mesma e única missão evangelizadora até os confins do mundo (At 1,8).
A mais louvada ajuda ao necessitado não consiste num mero assistencialismo ou paternalismo. Ajudar o pobre a promover-se é obra meritória. A miséria é indigna do ser humano. Haverá sempre pobres no mundo, como disse Jesus, mas a pura miséria é uma vergonha para a humanidade!
A valorização da pessoa, de todo ser humano, particularmente a do trabalhador, o empenho na promoção do verdadeiro bem comum, a reforma da empresa, a justa retribuição do trabalho, a defesa do casamento, da família, da vida e de uma autêntica democracia que ofereça a todos iguais oportunidades, acabarão, certamente, gestando uma nova ordem nacional e internacional. Somos chamados a trabalhar para construir uma sociedade possível, em que não falte a ninguém o necessário e o conveniente para uma vida digna e feliz, em que não existam poucos possuindo tudo e muitos na indigência do absolutamente necessário; uma sociedade que lhes assegure um presente mais feliz e um futuro menos incerto.
Queira Deus possamos nós, todos os homens de boa vontade, lutar por novos tempos em uma terra mais acolhedora para todos e sem exclusão de ninguém. Esse é o grande desafio que temos pela frente, desafio que merece nossa vida colocada a serviço da “Verdade de Jesus Cristo, da Igreja e do Homem”, como falava em Puebla, em 1979, o Santo João Paulo II. Gestar e instaurar uma “civilização do amor”, uma “economia de comunhão” a serviço dos homens continua sendo a utopia e o sonho de todos os Pastores e verdadeiros filhos da Igreja.
Que a Campanha da Fraternidade, vivida neste tempo de Quaresma, nos ajude a ver os caminhos e nossa responsabilidade nestes tempos tão nebulosos de nossa sociedade. Temos a certeza de que a última palavra é sempre “ressurreição”, a morte que é vencida e da qual somos todos nós testemunhas, pois “Ele ressuscitou” e vive entre nós!
SIR
*Orani Tempesta é arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ.

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