quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O pensamento do papa sobre filhos

Ao falar de coelhos, pontífice alimenta o debate sobre a paternidade responsável.

Do conjunto das considerações de Francisco, emerge um conceito amplo de fecundidade do casal.
Por Giannino Piana*
A entrevista dada pelo papa Francisco aos jornalistas no avião de retorno da viagem à Ásia suscitou um grande e cerrado debate na mídia, principalmente a propósito das afirmações referentes à questão da regulação dos nascimentos. Com a linguagem imediata e imaginativa que lhe é habitual – o papa enfrentou o problema que os casais normalmente se colocam quando se encontram a decidir suas escolhas em mérito fecundidade procriativa. As reações que a entrevista produziu foram diversas e as interpretações talvez até contrastantes.
Houve quem viu nas palavras do papa uma verdadeira ruptura com o magistério dos pontífices precedentes, em particular com a "Humanae Vitae" de Paulo VI que condena, em termos radicais, a contracepção. E quem, ao invés, revelou não haver nelas na realidade nada de particularmente novo (e revolucionário), mas somente uma apresentação mais eficaz da doutrina tradicional da Igreja. Quem tem razão? Como é lida a mensagem papal? Qual é o sentido da proposta que ele nos faz?
O equilíbrio entre generosidade e responsabilidade
Para responder a essas perguntas, é acima de tudo importante tomar em consideração o inteiro quadro da reflexão do papa Francisco: o vício de assumir somente uma parte, ou pior ainda, de extrapolar uma frase, embora significativa, do contexto no qual está inserida, como ademais também se verificou nesta situação, se pense na frase com a qual se refutava a tese segundo a qual para alguns os católicos devem fazer filhos como os coelhos – não pode senão levar a conclusões destoantes ou pelo menos parciais e redutivas. E depois, é ainda mais importante não esquecer a preocupação pastoral que está na base das intervenções do pontífice e que constitui a chave de interpretação\decisiva de suas afirmações.
Dito isto, o que imediatamente emerge da conexão ao texto da entrevista é a retomada da doutrina sobre o matrimônio do Vaticano II, em particular da "Gaudium et Spes", onde é desenvolvido, pela primeira vez em termos tão pontuais, o conceito de “paternidade responsável”, retomado ademais sucessivamente também pela mesma "Humanae Vitae".
O papa põe, de fato, de um lado, o acento sobre o alto significado que reveste o ato procriativo, e por isso sobre a necessidade de abrir-se com generosidade à acolhida do dom da vida, evitando limitações induzidas por condutas egoístas, e sublinha com fora, de outro lado, a importância de avaliar com senso de responsabilidade o exercício concreto da fecundidade procriativa, fazendo referência à própria vocação – a de casal obviamente – e não esquecendo, como sublinha com força o Concílio, a necessidade da sociedade e da Igreja. Generosidade e responsabilidade não são, pois, nesta perspectiva, realidades antitéticas, mas instâncias que estão entre si integradas.
A verdadeira generosidade é, de fato, própria de quem faz concretamente as contas com as possibilidades reais de que dispõe, e se abre portanto à responsabilidade; como, de outra parte, a verdadeira responsabilidade é aquela de quem não absolutiza as próprias exigências pessoas (ou de casal) segundo uma lógica radicalmente auto-referencial e egocêntrica, mas se abre com generosidade à transmissão da vida, que é, para quem crê, o ato com o qual se participa, no modo mais alto, na obra criadora de Deus.
O significado das exemplificações
O significado da adesão do papa Francisco a esta concepção se deduz de suas próprias palavras, ou, melhor ainda, dos exemplos por ele apresentados, que têm suscitado as interpretações recordadas. Se, de fato, com a imagem já recordada dos “coelhos”, e mais ainda, com a menção mais brusca à mãe, que já tivera sete filhos por cesariana, a evitar uma ulterior maternidade, ele põe com força o acento sobre a necessidade de gerir com responsabilidade a fecundidade procriativa – em certos casos, parece dizer, a procriação não é mais um ato de generosidade, mas se transforma num ato de irresponsabilidade; com a referência ao número de três filhos como quociente a respeitar caso se queira evitar o desmoronamento demográfico, ele convida a superar a tentação do fechamento egoísta, impelindo o casal a agir com aquela generosidade que constitui o critério ao qual o cristão é chamado a conformar a própria conduta em todos os âmbitos da vida.
Para captar a importância de questões diversas (aparentemente até opostas) exemplificações é preciso sair do limite estreito do provincialismo, que infelizmente caracteriza em ampla medida os meios de comunicação social de nosso país, e tomar em consideração o horizonte universalista no qual o papa Francisco se move.
Projetando o olhar sobre a situação mundial, ele solicita, de fato, de uma parte, àqueles países nos quais se registra uma taxa demográfica mais baixa (e a Itália está entre estas) a relançar a natalidade – a isto se refere o quociente recordado -, pondo em evidência os riscos que a atual situação comporta para os inevitáveis desequilíbrios que se produzem entre as gerações, não só ao nível econômico, mas também (e, sobretudo) ao nível social e cultural.
De outra, também através do recurso aos exemplos provocadores assinalados, ele ao invés se dirige a quantos – indivíduos e nações – não fazem devidamente as contas com a exigência de um exercício responsável da fecundidade procriativa, recordando-lhes que colocar no mundo um filho comporta um empenho muito amplo que inclui deveres de variada natureza, não por último o educativo.
Que perspectivas?
A reflexão do papa Francisco sobre a regulação dos nascimentos está integrada – não se deve esquecer isso – com muitas outras considerações que ele tem feito, no breve período de seu pontificado, sobre temáticas de caráter social que tem, de qualquer modo, a ver com a questão aqui tratada.
Do conjunto dessas considerações, emerge um conceito de fecundidade do casal, que não pode reduzir-se somente à procriatividade, mas que tem um espectro muito mais amplo de expressão. Este coincide, de certo modo, com a abertura do casal aos outros, com a recusa de toda forma de fechamento narcisista e com um empenho ampliado perante a vida, não só daquela ainda não existente, mas também daquela que já existe e que exige ser tutelada e promovida. O que implica a colocação em ato de escolhas como a adoção e a tutela, mas também de formas de serviço que correspondem às necessidades da sociedade e que, para quem crê, da comunidade cristã: escolhas que são mensuradas pela vocação de cada casal.
Essa concepção da fecundidade e, mais em geral, a questão da regulação dos nascimentos aqui enfrentada, não podem, todavia não levantar, por último, o tema dos meios através dos quais se possa chegar a uma gestão generosa e responsável da procriatividade. O papa Francisco, na entrevista, não acenou a isso e o Sínodo extraordinário do ano passado sobre a família permaneceu reticente sobre este ponto: o texto conclusivo, que desenvolve a função de Instrumentum laboris do Sínodo que se desenvolverá em outubro próximo, se limita a confirmar a tal respeito a doutrina da Humanae Vitae.
Mas, o tema se impõe com urgência à atenção pastoral da Igreja, não só porque envolve um número elevadíssimo de casais, mas também porque tem a ver com situações dramáticas – se pense somente no caso do casal no qual um dos membros tenha contraído a Aids – que requerem respostas realistas. Que o Papa, através da intervenção sobre a paternidade responsável, não tenha querido lançar uma mensagem ao próximo Sínodo sobre a necessidade de reabrir o debate também sobre a vexata quaestio (vexada questão) da contracepção?
Rocca, n. 4, 15-02-2015.
*Giannino Piana é teólogo, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. A tradução é de Benno Dischinger.

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