A vida do homem neste mundo é confrontada continuamente com escolhas pequenas ou grandes.
Por Dom Odilo Pedro Scherer*
A Quaresma nos coloca diante das questões fundamentais da nossa vida: como devemos viver e nos relacionar com Deus e com o mundo? Quais são as referências que devem orientar de maneira segura nossos passos na vida cristã?
Sempre no 1º Domingo da Quaresma, ouvimos o Evangelho das tentações de Jesus no deserto: Satanás coloca Jesus à prova, para testar a sua firmeza e fidelidade a Deus. Quer afastar Jesus de sua missão, fazendo-o escolher caminhos cômodos, que lhe dariam vantagem e poder...Muito ousado ele propõe ao Filho de Deus que adore o próprio diabo, prometendo-lhe, em troca, vaidades e glórias neste mundo...
As tentações de Jesus não são somente dele, mas de toda humanidade. Ainda hoje, elas estão presentes por toda parte; há quem se deixe enganar pelo tentador, até ao ponto de “vender a alma para o diabo”, na esperança de alcançar os bens que o tentador promete... A busca de vantagens imediatas pode levar a renunciar a todo tipo de referência ética ou de dignidade; pode até distorcer a prática religiosa, ao ponto de fazer da religião uma prática de mercado, de oferta e procura...
Jesus, firme na Palavra de Deus e na oração, rechaça o tentador e não se deixa enganar por suas promessas lisonjeiras. Ensina-nos, assim, a fazer o mesmo: não cair nas ciladas do tentador e enganador, permanecendo firmes nos ensinamentos da Palavra de Deus e na oração. A penitência ajuda-nos a discernir e a recordar sempre que”não é só de pão que o homem vive, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (cf Mt 4,4).
A vida do homem neste mundo é confrontada continuamente com escolhas pequenas ou grandes, fundamentais ou secundárias. Nelas está sempre implicada a nossa escolha “por Deus”, ou “contra Deus”, mesmo se isso não se dá sempre muito conscientemente. A Quaresma nos convida a fazermos nossas escolhas por Deus, de maneira consciente e generosa e, por isso, a firmar nossas convicções, fundamentando-as solidamente na união e na sintonia com Deus.
O conceito de “tentação”, muitas vezes, é usado de maneira superficial e se torna motivo de sorrisinhos depreciativos; parece referir-se a questões transgressivas na boa educação e nos bons costumes; nem sempre se compreende o significado problemático da verdadeira tentação, que envolve escolhas fundamentais na vida.
Somos tentados continuamente; e a tentação, da qual falam a Igreja e o Evangelho, é coisa séria; nela está sempre em jogo a nossa escolha por Deus ou contra Deus. Por isso, Jesus incluiu, na oração do Pai Nosso, o pedido a Deus para que “não nos deixe cair em tentação, e que nos livre do maligno” (cf. Mt 6,13).
S.Agostinho, refletindo sobre as tentações de Jesus no deserto, diz que “nossa vida, enquanto somos peregrinos neste mundo, não pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza o nosso progresso; ninguém pode conhecer-se a si mesmo se não tiver sido tentado. Ninguém pode vencer, sem ter combatido; e ninguém pode combater, se não tiver inimigo e tentações” (Comentários ao Sl 60, 2-3).
O conceito de “combate” também aparece na Quaresma: nossa vida é uma luta constante para superarmos as insídias do tentador e para nos mantermos firmes nas nossas escolhas por Deus e por seus caminhos, para alcançarmos a vida e a felicidade. A vigilância e a oração são recomendadas por Jesus: “vigiai e orai, para não cairdes em tentação” (cf Mc 14,38). Vigilância é o estado de alerta e de discernimento sobre o que se passa em nós e ao nosso redor. A oração é a contínua busca da comunhão e sintonia com Deus, como o próprio Jesus fez no Horto das Oliveiras, antes de enfrentar o combate final e os sofrimentos de sua paixão e morte.
CNBB, 25-02-2015.
*Dom Odilo Pedro Scherer é cardeal e arcebispo de São Paulo (SP).
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