segunda-feira, 23 de março de 2015

A seita dos famosos

Com raízes em Hollywood, a Cientologia especializou-se em limpar almas e carteiras.

Por Marco Lacerda*
A primeira vez que ouvi falar em Cientologia foi através de um grande amigo, Mauro Rasi, na época, início dos anos 70, candidato improvável à carreira de dramaturgo. Depois de uma prolongada permanência no exterior, como correspondente de jornais e revistas brasileiros, retornei ao Brasil onde encontrei Mauro Rasi repaginado: um dos autores de maior sucesso do teatro nacional, rico e dono de uma espetacular cobertura com vista para o mar na avenida Vieira Souto, Rio.
Durante minha breve permanência no Brasil Mauro me ofereceu um jantar no restaurante Fasano, em São Paulo, onde estava em cartaz ‘A estrela do lar’, com Marieta Severo, um de seus incontáveis sucessos de público e crítica, e um dos responsáveis pelos inúmeros prêmios que colecionou em sua carreira como teatrólogo. Naquela noite ele me contou que devia o sucesso em grande parte ao papel da Cientologia em sua vida, religião que o levou a abandonar o álcool e as drogas e a adotar um estilo de vida oposto ao que tinha no tempo em que nos conhecemos.
Mauro me veio à mente há pouco, enquanto lia ‘Going Clear’, de Lawrence Wright, no qual se baseia um documentário que irá ao ar na HBO no final de março. O livro e o filme abordam os bastidores da Cientologia, um conjunto de crenças e práticas sobre o qual é impossível refletir sem associá-lo a um tipo de intimidação e perseguição próprio das máfias.
A seita especializou-se em arrebanhar membros ilustres nos Estados Unidos desde 1955, quando o escritor Lafayette Ron Hubbard criou o Projeto Celebridade para chamar a atenção do público para a religião que fundara. Cooptar celebridades para seu séquito de seguidores é a principal estratégia adotada pela cientologia para apagar escândalos e atrair fieis. Essa é a tese defendida pela jornalista americana Janet Reitman no livro Inside Scientology (Por dentro da Cientologia), lançado nos Estados Unidos em 2011. Na obra, Janet conta que a Igreja mantém há 60 anos o chamado Projeto Celebridade, destinado a seduzir e converter estrelas do cinema, teatro, música e esportes.
Chão de estrelas
As crenças da Cientologia giram em torno do thetan, a  expressão individualizada da fonte cósmica, ou força de vida, representada pela letra grega teta. O thetan é a verdadeira identidade de uma pessoa, o núcleo intrinsecamente bom, onisciente e não-material capaz de criatividade ilimitada.
Como a investida de Hubbard sobre os famosos não passou de um tiro n’água, em 1970 o criador da seita que reúne nomes como Tom Cruise, Will Smith, Russel Crowe, Nicole Kidman e Johnny Depp, entre outros, investiu na construção do Celebrity Center, em Los Angeles, um templo destinado a visitantes ilustres. O alvo, segundo Janet Reitman, eram atores inseguros e em início de carreira ou astros interessados em renovar sua imagem.
Elvis Presley chegou a visitar o local acompanhado de uma namorada entusiasta da seita. A visita foi descrita assim à jornalista: “Não vou me envolver com essa religião de jeito nenhum. Eles estão atrás do meu dinheiro”, teria dito Elvis após a passagem pelo Celebrity Center.
O cantor fugiu correndo, mas a Cientologia conseguiria conquistar adeptos ilustres mais tarde. Nos anos 1970, costumavam frequentar a sede da Igreja em Los Angeles o ator Rock Hudson, o músico Van Morrison e o cineasta Oliver Stone, então em início de carreira. Mas a maior conquista da cientologia nos anos 70 foi o jovem John Travolta. Reitman conta que o ator tinha 21 anos e havia acabado de se mudar para Los Angeles quando aderiu ao culto. “Ele era o alvo perfeito: sensível, ingênuo e com tendência à depressão”.
O menino dos olhos da Cientologia, no entanto, só chegaria no fim da década de 1990. Tom Cruise aderiu à seita por influência da primeira mulher, a atriz Mimi Rodgers. Os superiores da seita teriam detectado feridas emocionais sob a aparente autoconfiança do ator. As feridas, provocadas pelo pai alcoólatra durante a infância, foram a chave para desmontar qualquer resistência que Cruise pudesse ter. Além disso, a seita ofereceu ao ator a cura para a dislexia que o atrapalhava na leitura dos roteiros dos filmes.
A dedicação da Cientologia em bajular Cruise deu resultado. Em 2004, o ator passou a exigir que os jornalistas visitassem o Celebrity Center em Los Angeles antes de dar entrevistas. “Se as pessoas não gostam da cientologia, bem, que se danem e ponto final”, disse em entrevista à revista Rolling Stone, em 2004.
Vale tudo
Uma reportagem do Fantástico mostrou os estranhos métodos utilizados pela religião entre seus adeptos, como o uso de um aparelho de detecção de mentiras, que seria usado para que os fieis “descarregassem sentimentos negativos e passassem a se sentir melhor”, dizia a reportagem ilustrada por imagens da BBC de Londres.
Outra exigência da seita é a proibição de os casais adeptos terem filhos. Marc e Claire Headley, um casal que se retirou dos quadros da organização, disse que a mulher teve que abortar duas vezes para cumprir a exigência imposta.
Depois que decidiram se desligar da religião, eles disseram que integrantes da seita convenceram seus parentes a não terem mais contato com o casal, bloqueando a comunicação entre eles e a família.
De acordo com Johnny Bernardo, estudioso de seitas e heresias do Instituto de Pesquisas Religiosas (INPR), os adeptos da Cientologia praticam o chamado “fair game”, ou vale tudo, em português. Isso quer dizer que seus inimigos podem ser feridos, enganados, desacreditados ou até destruídos, caso os membros da organização achem necessário.
“Eles podem utilizar a força física, pois são doutrinados a defenderem a organização contra todo inimigo interno e externo impondo sua força física e mental ou mesmo travar longas batalhas judiciais se necessário contra o que chamam de seus ‘agressores’”, diz Bernardo.
Bernardo pesquisou em institutos especializados em doutrinas destrutivas e no documentário realizado pela BBC, e atuou como consultor da reportagem do Fantástico. Segundo ele, há uma verdadeira rede de espionagem montada pela Cientologia. “Os membros colocam sob vigilância não somente ex-adeptos e jornalistas mas também agências governamentais”, diz.
Um dos alvos da organização atualmente seria Rick A. Ross, um dos maiores especialistas em seitas destrutivas nos EUA. Já existe um dossiê feito por membros da religião com mais de 15 mil páginas contra o pesquisador, que envolve problemas em sua infância e fase adulta. “É a guerra de informações promovida pela Cientologia contra seus inimigos em potencial”, diz Bernardo.
Desvendando a Cientologia. Veja o vídeo:
*Marco Lacerda é jornalista, escritor e Editor Especial do Domtotal.

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