Hoje, mais do que nunca, os cristãos precisam do anúncio da misericórdia do Senhor.
Enquanto a mídia de todo o mundo se empanturravam com orçamentos, entrevistas e retrospectivas sobre os dois primeiros anos de pontificado, o papa Francisco mostrou a sua solicitude com o presente e o futuro.
O presente e o futuro do anúncio do Evangelho no mundo contemporâneo: convocou um Jubileu extraordinário que terá "no seu centro a misericórdia de Deus".
Parece repetir-se, mas com visibilidade planetária, a surpresa despertada pelo papa João XXIII no grupo de estudiosos que, em vista do Vaticano II, tinha lhe apresentado o livro que continha os documentos de todos os concílios anteriores. Depositando-o gentilmente sobre o banquinho onde apoiava os pés, João XXIII exclamou: "Bem, obrigado... Agora falemos do próximo Concílio".
E é justamente no próximo dia 8 de dezembro, dia em que se celebram os 50 anos do encerramento do "novo Pentecostes" do Vaticano II, que o Papa Francisco quis colocar a abertura desse "Ano Santo".
Olhemos para frente, exorta o papa Francisco com esse anúncio, para "uma nova etapa do caminho da Igreja na sua missão de levar a cada pessoa o Evangelho da misericórdia". Quando se abrir o Jubileu, o Sínodo dos bispos sobre a família estará fechado há apenas 40 dias e, logo, a Igreja Católica será chamada a traduzir as reflexões sinodais não em mais documentos, mas em práxis "missionária" em sentido forte: deverá encontrar modalidades novas para viver a sua vocação mais antiga, "ser testemunha da misericórdia".
É justamente a misericórdia a chave de leitura de todo o pontificado do papa Francisco, dos dois anos transcorridos, assim como daqueles que ainda devem vir, que serão ainda muitos ou poucos, como "uma sensação um pouco vaga", sugere o papa.
Além disso, o papa, no início deste ano, tinha reiterou esta sua firme orientação: "Este é o tempo da misericórdia. É importante que os fiéis leigos a vivam e a levem aos diversos ambientes sociais. Avante!".
É em torno da misericórdia do Senhor, então, que o papa Francisco quer convocar a Igreja para empurrá-la ao encontro da humanidade: é uma espécie de sínodo permanente que o papa está estruturando em torno desse anúncio, mas uma assembleia que se dilata em dimensão universal e cujos membros de direito, os bispos, encontram-se em constante diálogo com os fiéis e com as suas dioceses, mas também com aqueles que sempre se mantiveram à parte e com aqueles que se afastaram e têm medo de voltar: o horizonte não é uma Aula sinodal, um organograma crucial ou um tribunal eclesiástico, mas a humanidade inteira e o coração de cada um.
Então, os problemas da família e os das velhas e novas pobrezas, os dramas das migrações e das guerra, as chagas da corrupção, da imoralidade, da mentira são enfrentados com a determinação em relação ao mal e o respeito para com as pessoas, com a luta contra o pecado e o apelo do pecador à conversão.
É clara a opção do papa Francisco por uma imagem bem precisa da Igreja: uma comunidade de fiéis que cuida das feridas, curva-se sobre a pessoa, não teme o contágio, escolhe a proximidade aos pecadores, aos "doentes que precisam de médico".
A Igreja pode ter, e na história teve, outros rostos também, pode empunhar também as armas do rigor, mas Francisco, no rastro do papa João XXIII, "prefere usar o remédio da misericórdia".
Hoje mais do que nunca, de fato, os cristãos, e com eles os homens e as mulheres de todos os horizontes, nesta situação mundial tão precária e marcada por todos os tipos de ferida, precisam do anúncio da misericórdia do Senhor.
O papa, então, nunca se cansa de repetir a mensagem evangélica que anima o seu pensamento e o seu agir: "Nem laxismo nem rigorismo... (mas) uma misericórdia (que é) sofrimento pastoral... Sofrer por e com as pessoas. E isso não é fácil! Sofrer como um pai e uma mãe sofrem pelos filhos... Não ter vergonha da carne do teu irmão. No fim, seremos julgados sobre como soubemos nos aproximar de cada carne".
Pois bem, mesmo que tenham batido os dois anos do anúncio daquele nome inédito para um bispo de Roma – Francisco –, a convocação do ano jubilar nos diz que ainda não é tempo de avaliações e que, quando uma avaliação for feita, será sobre a capacidade havida de se fazer próximo de cada ser humano, porque, como adverte Jesus no Evangelho, seremos julgados pela caridade mostrada para com os últimos.
La Repubblica, 14-03-2015.
*Enzo Bianchi é monge, téologo, prior e fundador da Comunidade de Bose. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
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