sábado, 7 de março de 2015

O templo que Deus habita

É preciso expulsar os falsos ídolos. Assim, a humanidade se tornará o Templo que Deus habita.

Quem tenta colocar seja o que for no lugar de Deus quer se ver expulso dos domínios dele.
Por Marcel Domergue*
“Estava próxima a Páscoa dos judeus - o que imediatamente revela o tom do relato - e Jesus subiu a Jerusalém”. Faz alusão, aliás, à Páscoa da crucifixão, ao falar em destruir e reconstruir "este templo". O evangelista faz questão de precisar tratar-se do templo do seu corpo. Para Israel, o Templo é o lugar da residência divina, a casa que Deus escolheu para morar, depois de ter ordenado a sua construção.
O tema da moradia é frequente no Evangelho de João. A primeira palavra dirigida a Jesus por seus futuros discípulos foi: "Onde moras?" (João 1,38). E as respostas a essa pergunta se tornam com o correr das páginas cada vez mais precisas. Será necessário, antes de tudo, compreender que o Cristo é ele mesmo a residência de Deus.
No capítulo 4 (a partir do versículo 19), vamos ler que nem na montanha da Samaria nem em Jerusalém encontraremos Deus, mas sim "em Espírito e Verdade", não importa o lugar. Não esqueçamos que, em João 14,6, Jesus declara ser ele mesmo a Verdade. Pelo dom do Espírito, quando o "templo do seu corpo" tiver sido destruído, Jesus receberá um Corpo Novo no qual cada um de nós poderá encontrar Deus. E este novo Templo, esta nova morada somos nós mesmos, quando nos fazemos um só com os outros, em razão do exemplo e da mensagem de amor que ele nos deixou (ver Mateus 18,20 e todo o capítulo 15 de João): a Igreja, portanto, mas não como aparelho e instituição, e sim como comunhão.
Os vendedores do Templo
Não pensemos que, ao expulsar os vendedores do Templo, Jesus estivesse condenando o comércio e os comerciantes. O que ele condenou foi a utilização de Deus e de sua Morada para se obter algo que não Ele, no caso, um lucro. A "Casa de Deus" tornou-se de fato uma "casa de tráfico". Deus foi, de qualquer forma, expulso da sua casa, para que em seu lugar se instalasse o dinheiro. Há aí um comportamento idólatra: algo produzido pelo homem foi colocado acima de Deus, tornando-se um objeto de culto. E de fato, ao longo da história, o que não tem sido feito em nome de Deus e do Cristo, submetendo-os ao nosso próprio culto!
A liturgia foi, portanto, muito inspirada ao nos propor o Decálogo como nossa 1ª leitura. De fato, as condutas que foram proscritas pelo Decálogo são todas dominadas pela idolatria: a idolatria do lucro, a idolatria do prestígio, a idolatria do sexo. Muitos estão prontos a sacrificar não importa o que a estas "potestades e dominações". Uma vez mais, podemos constatar que os relatos evangélicos não se contentam em nos contar fatos anedóticos ou pitorescos, mas nos dizem como Deus é e nos falam de nós mesmos, das nossas mazelas e dos nossos possíveis desvios. Quem tenta colocar seja o que for no lugar de Deus quer se ver expulso dos domínios dele. Assim, não foi expulso de fato, mas, tendo retirado Deus da sua vida, ele é que se retira a si mesmo da Casa de Deus. Não é preciso nenhum chicote para isso.
O Cristo crucificado (2ª leitura)
Quem é que vai ser expulso do Templo, flagelado, crucificado fora da cidade e eliminado da comunidade humana? Não são os idólatras, mas o próprio Deus, na pessoa do Cristo. O "Templo" foi, assim, retomado pelos "vendedores". E estamos sempre aí: basta abrir os olhos para constatarmos a onipresença do culto aos ídolos. Não são mais, agora, os animais que são a eles sacrificados, mas os seres humanos. E atenção! Não vamos nos indignar depressa demais. Busquemos antes identificar os ídolos aos quais nós mesmos prestamos culto sem que muitas vezes o saibamos. Quem poderá pretender não estar contaminado? O fato espantoso é que Deus, este poder que faz existir tudo o que existe, submeta-se aos nossos empreendimentos assassinos: este é o "escândalo para os Judeus e loucura para os Gregos", conforme diz Paulo (os Gregos aqui como símbolo da filosofia).
Deus de fato submete-se a nós ao ponto de tomar o lugar das nossas vítimas. O que, aliás, é uma maneira de falar porque, cada vez que reduzimos um ser humano ao estado de objeto, é o próprio Deus que crucificamos e que expulsamos do Templo. O gesto do Cristo expulsando os vendedores pode surpreender: como este que é Amor pode experimentar a violência? Compreendamos, no entanto, que o sentido profundo deste relato ultrapassa a materialidade dos fatos: o que aqui nos é anunciado e revelado é que o Cristo expulsará do nosso universo todos estes ídolos dominadores que cultivamos. Aí, então, a humanidade se tornará o Templo que Deus habita.
Croire.
*Marcel Domergue é sacerdote jesuíta. O texto é baseado nas leituras do 3º Domingo da Quaresma – Ano B (8 de março de 2015). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.

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