Padre Geovane
Saraiva*
“Das barreiras a
romper, a que mais custa, mais importa, é sem dúvida, a barreira da
mediocridade”, dizia nosso ‘Servo de Deus’, Dom Helder Câmara. Ele que tem
muito a nos dizer e ensinar, ao sonhar com uma Igreja totalmente aberta ao
Espírito, pobre, despojada e servidora, a nós que procuramos mergulhar na sua
vida, por ocasião do centenário de seu nascimento (1909 -2009), e recentemente
(08/04/2015), recebemos a alvissareira notícia da Sé Apostólica, sobre a
aprovação do seu processo de beatificação e canonização.
Desde a
juventude, Dom Helder mostrou-se determinado e comprometido com a realidade
social, com os empobrecidos, nunca se esquecendo do conselho de seu pai, quando
manifestar-lhe o desejo de ser padre: “Meu filho, você sabe o que é ser padre?
Lembre-se que Padre e egoísmo nunca podem andar juntos. Padre tem que
gastar-se, deixar-se devorar”.
Entrou para o
Seminário da Prainha em Fortaleza-CE, estudou muito e foi ordenado sacerdote em
1931. Deixou o Ceará em 1936 para abraçar, como padre novo, cheio de sonhos e
disposição interior, uma nova missão sacerdotal na cidade do Rio de Janeiro,
como técnico em educação do Distrito Federal. Ao receber o convite para a nova
função, seu bispo lhe aconselhou, dizendo: “Meu filho, é Deus, é Deus que está
lhe chamando para o Rio de Janeiro. Aceite o convite! Vá, meu filho, vá!”.
Foi para o Rio
de Janeiro, trabalhou, trabalhou e ficou conhecido como o bispo das favelas.
Mas seu superior, Dom Jaime de Barros Câmara, não gostava, não achava bom e
reclamava do seu contato aberto, ao se dirigir as pessoas, dizendo: “O senhor
não pode fazer isso. Um bispo da Igreja é um príncipe e um príncipe não pode se
misturar”. Mas Dom Helder adorava se misturar!
“Quantas vezes eu celebro em área de miséria e o meu povo canta: 'O
Senhor é o meu pastor, e nada me pode faltar'. Eu olho ao seu redor e vejo que
está faltando tudo”.
Certa vez Dom
Helder confidenciou: “Uma de minhas maiores emoções, em toda minha vida, foi
quando da abertura da primeira sessão do Concílio Vaticano II (1962 -1965)”. Em
sua aula inaugural, o Papa João XXIII disse com força: “Aqui estamos para a
nossa conversão” e ele mesmo se incluía. Isso significava que nós, cristãos,
padres e bispos e até o Papa, precisávamos voltar às origens do cristianismo e
a reaprender o Evangelho. A beber novamente da fonte d’água da vida que é o
próprio Deus.
Foi o bispo
brasileiro mais influente em todo o Concílio Vaticano II, com grande mérito de
abrir, para a Igreja, o caminho de renovação, da Igreja povo de Deus e que a
mesma tinha que ir ao encontro dos sofredores e empobrecidos, dos “sem voz e
sem vez”. Dizia ele: “Se eu não me engano, nós, os homens da Igreja, deveríamos
realizar dentro da Igreja as mudanças que exigimos da sociedade. Não pense que
Deus ajuda a miséria. Deus não aprova as injustiças. As injustiças sociais são
problemas nossos”. No Século passado, Dom Helder foi a pessoa, entre todos os
brasileiros, mais conhecida no exterior. Comparado com Edson Arantes do
Nascimento (Pelé) e Juscelino Kubitschek, foi ele, sem dúvida, o nome sobre o
qual mais se perguntava fora do Brasil.
Alguns anos
depois da inexprimível ação de graças ao bom Deus pelo seu centenário de seu
nascimento (07/02/2009), somos convidados ainda mais a render graças a Deus por
sua vida, o dom maior que a Igreja do Brasil já produziu, e ao mesmo tempo,
acolhê-lo como um tesouro ou pérola preciosa, porque seu jeito de viver nos
coloca bem dentro da proposta do Reino. É importante olhar para a convicção
vocacional de Dom Helder, para o brilho de sua sabedoria, com raríssimas qualidades:
inteligência, criatividade, perspicácia, espírito de liderança e, ao mesmo
tempo, um incontestável amor por todas as pessoas do planeta, marcadas pela dor
e sofrimento de toda natureza.
O pastor dos
empobrecidos, apaixonado por Deus e suas criaturas, percebeu com clareza o
caráter universal da salvação, em toda criação, como templo sagrado de Deus.
Deixou-nos a a lição que, de acordo com
o projeto de Deus, os empobrecidos não
devem renunciar jamais seu inalienável direito de viver, sem esquecer a utopia
e o sonho da esperança. Ensinou-nos também que Nosso senhor Jesus Cristo, o
Filho encarnado do Pai, não é um mito ou uma fábula, e sim, Senhor da vida e da
história, a iluminar os passa da humanidade. Em Dom Helder, nosso Servo de Deus, as
pessoas encontram razões e motivações para viver!
*Escritor,
blogueiro, colunista, vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de
Santo Afonso, Parquelândia, Fortaleza-CE – geovanesaraiva@gmail.com
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