quinta-feira, 30 de abril de 2015

Trágedias no Mediterrâneo: as pessoas atrás dos números

 Rádio Vaticana

Reggio Calábria (RV) - O drama dos imigrantes que tentam atravessar o Mediterrâneo para chegar à Europa atinge níveis assustadores. Além da tragédia dos mortos, a Itália precisa cuidar dos sobreviventes, muitos deles doentes, outros menores de idade.
Rafael Belincanta e Bianca Fraccalvieri estiveram no Sul da Itália aonde ouviram o relato de alguns sobreviventes e de quem trabalha na acolhida de pessoas, não de números.
O mar está calmo. Madhi Isaac porém olha para o Mediterrâneo com perplexidade. Não acredita que sobreviveu à travessia.
“Não é algo que um ser humano possa enfrentar. Estamos arriscando nossa vida. Estamos arriscando nossa vida”.
Madhi tem 40 anos. Saiu do Benin há 7 meses. Atravessou a pé e na boleia o Níger e o deserto até chegar a Trípoli, na Líbia.
A travessia
“Eu paguei duas vezes. Paguei para que não me empurrassem (para fora do barco) e paguei a outro 1,4 mil dinares (cerca de mil euros) para vir de Trípoli até aqui. Fomos colocados num barco pequeno em Trípoli. Agradecemos a Deus. Quando entramos no barco, cristãos e muçulmanos, começamos a rezar para que chegássemos. Deus ouviu nossas preces: chegamos”.
A travessia da Líbia para a Itália demorou 15 horas. Madhi foi resgatado em alto mar junto com outros 60 imigrantes. Por que ele arriscou a vida?
“Foi por causa do meu futuro que eu vim. Se eu tivesse um futuro no meu país eu não sairia de lá. Eu teria ficado no meu país para construir meu futuro. Mas no Benin não há futuro. Eu tive que encontrar uma solução fora do Benin, é por isso que eu vim”.
Outro sobrevivente, Gibrail Sowe, de 22 anos, do Gâmbia, também justifica a travessia mortal. “Não é fácil. A vida é colocada em risco. Tudo se resume à pobreza. Você não vai conseguir nada ficando lá”.
Madhi e Gibrail estão em um abrigo improvisado em um ginásio para onde os sobreviventes foram encaminhados. Eles sofreram com sarna e piolhos e não podem seguir viagem – seja lá para onde forem – até que estejam completamente curados.
Lá também está Nahom Aron, de 21 anos, da Eritreia. Depois de ser resgatado, ficou dois dias embarcado em um navio da marinha italiana. Durante a travessia, ficou a maior parte do tempo no porão do barco.
“Faltava ar, era muito quente. Vomitaram em cima de mim, dentro das minhas roupas. É muito difícil recordar isso”.
Nahom sonha em ir para a Suíça, onde teria amigos e parentes. Quando perguntei como pagou, concretamente, os atravessadores, uma vez que havia dito que não tinha dinheiro, disse que se tratava de “blood money, black market”, e se afastou.
Menores
Em outro abrigo, meninos de 10, 11 anos jogam bola no pátio. Algo trivial se estes meninos não fossem sobreviventes dos recentes naufrágios no Mediterrâneo. A creche em Reggio Calábria, no sul da Itália, virou um centro de acolhimento de emergência somente para os menores imigrantes. Eles se negaram a ser identificados pela imigração. Por serem menores, têm assim mesmo a proteção do Estado italiano até completarem 18 anos. Mas também querem evitar serem registrados na Itália, já que muitos deles pretendem chegar em outros países da União Europeia.
O clima é de tensão. Um ônibus do Ministério da Imigração italiano aguarda do lado de fora: deveria seguir viagem com ao menos quarenta menores. Destino: centros de educação sociais na Itália. Muitos não aceitam, não querem que o grupo se separe. Evitam conversar comigo, escondem o rosto diante da máquina fotográfica. São mais de 150 menores, entre meninos e meninas, que, sem documentos, são apenas números. Números de uma suposta rede internacional de tráfico de pessoas que ninguém afirmou existir, mas que se faz perceber pelos 'olheiros' entre os menores.
A missionária italiana Lina Guzzo estava lá. Para ela, a presença destes ‘olheiros’ que controlam todos os passos dos menores é um sinal claro desta rede.
“Para mim, deu a entender que eles têm domínio sobre os pequenos. Uma vez que eles estão fora, eu não sei o que vai acontecer destes pequenos. Ou eles se tornam como este aqui, opressores, ou eles acabam mortos, desaparecem”.  
Junto com Madhi, Gibrail, Mahon está o padre Bruno Mioli, 86 anos, que leva esperança aos imigrantes, concreta. Empresta o telefone celular, com consentimento da polícia, para que possam entrar em contato com parentes e amigos na Europa. O telefone é monitorado pela Interpol.
Padre Bruno levanta a voz contra Estrasburgo. Diz que a ajuda financeira à operação Triton veio tarde e diz que é preciso atacar o problema na raiz.
“Certo que do outro lado estão os atravessadores que se sentem encorajados deste qualquer um que os recruta, quem será? Esta é a contradição que existe. O problema não está resolvido. E nós estamos vivendo nessa emergência de uma emergência”. (RB/BF)

(from Vatican Radio)

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