sexta-feira, 15 de maio de 2015

Chutes no traseiro

Quando os pais, a família e a sociedade dizem que é preciso vencer, massacram os filhos.

Por Fernando Fabbrini*
Ando meio espantado com a crescente inabilidade de parte dessa nova geração para lidar com os revezes normais da vida. Embora desprovido de conhecimento especializado no tema, arrisco a concluir que a rapaziada, obcecada pela ideia de ganhar sempre, reforça-se na ilusão importada doswinners ou loosers, personagens de uma grande mentira que o cinema e a TV ajudam a difundir.  As atuais torcidas de futebol – que comemoram a derrota do adversário mais que a própria vitória – são sintomas dessa insanidade coletiva. Desconfio que outras mazelas contemporâneas – como a violência banalizada, as drogas e o egoísmo exacerbados – nasçam todas dos ovos desse Alien que ocupou as vísceras da humanidade.
Refletindo, fico estranhamente grato com a lembrança de que minha geração aceitou melhor as perdas obrigatórias da condição humana - com a dor inevitável, sim; porém, com mais resignação e esportiva, digamos. Decepções amorosas, por exemplo. Vivíamos apaixonados por aquelas lindas meninas de minissaia e laquê no cabelo. Naturalmente, vez ou outra levávamos um pé na bunda e éramos trocados por algum playboy dono de um Simca Tufão rebaixado-tala-larga. Puxando pela memória, não me recordo de um único episódio de violência por motivo passional entre os caras de minha idade. Só gente grande fazia coisas horríveis naquele tempo. Conosco era assim: levou um fora? Então, aguente: engula a sua dor e transforme-a em letra de música piegas, em um poema ridículo, desabafo, choradeira, qualquer besteira balsâmica. Pegávamos um violão, uma garrafa de uísque King’s Archer (argh!) e destilávamos o nosso amargor numa roda de amigos até a dor passar ou um novo amor surgir. Hoje, a coisa está feia. O rapazinho rejeitado vinga-se de modo assustador, de forma pública, exagerada e diabólica, postando fotos íntimas da ex, detonando-a no Facebook – quando não parte para a covarde e odiosa agressão física.
Li a excelente entrevista do psicanalista belga Jean-Pierre Lebrun, estudioso das relações entre pais e filhos. Diz ele: é preciso ensinar nossos filhos a perder. Quando os pais, a família e a sociedade dizem o tempo todo que é preciso conseguir, conseguir, conseguir, massacram os filhos. É inescapável errar. Aprender a lidar com o fracasso evita que ele se torne algo destrutivo.  Lebrun continua: há séculos que as drogas têm algo de paraíso artificial (...) uma forma de se refugiar da dor humana, da insatisfação. As drogas sempre serviram para evitar o confronto com esse sofrimento. Quanto menos você está preparado a suportar as dificuldades, mais está inclinado a se evadir (...) para limitar o sofrimento.
Há dias a TV mostrou um grupo de alunos do ensino médio destruindo carteiras, armários e janelas de uma escola porque “a diretora era muito rígida”. Pobres ingênuos: nem fazem ideia de que não apenas a diretora como também a vida inteira que os espera será muitas vezes dura, rígida, frustrante e até hostil. Triste é que grande parte dessa moçada está amarelando diante da luta diária – que faria deles adultos independentes e responsáveis -esquivando-se sob desculpas diversas. Muitos preferem o caminho sempre fácil e florido, com o desastroso apoio de seus pais, aqueles que – ai, ai, ai - oferecem o colinho confortável aos marmanjos toda vez que a vida fica difícil. Cuidado:felicidade é uma palavra enganosamente parecida com facilidade. É aí que mora o perigo, véi.
A entrevista completa de Jean Pierre Lebrun está emhttp://www.fronteiras.com/entrevistas/ensinem-os-filhos-a-falhar
* Fernando Fabbrini é roteirista, cronista e escritor, com dois livros publicados. Participa de coletâneas literárias no Brasil e na Itália.

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