quarta-feira, 20 de maio de 2015

Como escrever um livro de auto-ajuda

É fácil e custa apenas algumas horas de energia elétrica do computador e algum papel.

Livros de autoajuda: você tem uma grande chance de dar uma virada!
Por Reinaldo Lobo*
Você está preocupado com o desemprego e a crise econômica? Teme a destruição das leis trabalhistas e da aposentadoria pelo "ajuste fiscal"? Não confia nada no atual Congresso? Seu chefe está pressionando para que você se torne P. J. (Pessoa Jurídica)? A mensalidade da escola de seus filhos disparou? Sua mulher vai estar em breve no novo regime do seguro-desemprego? O dinheiro falta na metade do mês?
Fique calmo. Nem tudo está perdido. Ao contrário, você tem uma grande chance de dar a virada na sua vida e ainda ficar rico! Muito rico! Se está assustado com a possível demissão e muitas horas de ócio inútil, seus problemas acabaram.Tenho a fórmula definitiva de que precisa: escreva um livro de auto-ajuda!
É fácil e custa apenas algumas horas de energia elétrica do computador e algum papel. Aliás, se não for simples e, de preferência, bem superficial, não será um livro de auto-ajuda.
Essa é a  primeira lição. Não faça reflexões profundas nem tenha muitas idéias. Nada de complexidade. A palavra manual deriva de mãos. Um manual vem, em geral, acompanhado de instruções de uso de ferramentas e de aparelhos. Você precisa só disso: algumas instruções de uso.
Hoje em dia, ninguém tem tempo. Não quer pensar muito. Faça com que as pessoas pensem apenas o que é prático e funcional.  E só um pouquinho, para que não fiquem estressadas (por sinal, um manual sobre estresse venderia bem, com certeza). Nossa época é a da insignificância dos valores éticos: tudo o que funciona é bom. E só isso. O valor supremo é a eficiência que traz dinheiro.]
Antes de se dedicar a escrever, você terá de perder algum tempo lendo. Isso mesmo: leia. Sobretudo outros manuais de auto-ajuda - nesse campo, é permitido copiar, plagiar, repetir à vontade. Todos são praticamente iguais, variam só os exemplos e as metáforas.
Um bom modelo são os norte-americanos. Traduza algum deles e disfarce o plágio com exemplos de situações brasileiras. Você vai fazer muito sucesso, aparecer na TV e dar conselhos aos incautos a preço de palestras para executivos. Ah, as palestras para executivos!...Eles adoram o que é fácil e rápido - e precisam de motivação extra para agüentar as agruras da exploração capitalista, que são encarregados de implementar!
As palestras são dinheiro garantido, basta que você pegue o jeito com aqueles comediantes de "stand up", além de seguir os conselhos que lhe dou aqui.
Leia também velhos sábios chineses, do tipo Confúcio, e ditados do zen budismo japonês. Se não tiver acesso, bastam as frases dos pára-choques dos caminhões da via Dutra ou da Fernão Dias. São geniais - para o nosso propósito, é claro.
Ninguém resiste, porém, a um velho sábio chinês.
Um exemplo?
"A saída é pela porta. Por que as pessoas insistem em sair pela janela ou pela chaminé?"
Percebeu a profundidade disso? É algo que vem lá do fundo, como uma afta!  Nem o Conselheiro Acácio, nem um amanuense de Machado de Assis seria capaz de tamanha sabedoria.
Os manuais de auto-ajuda brasileiros exigem uma pitada de religiosidade e de espiritualidade. Pega bem. Nosso povo é muito religioso. Há um exitoso escritor nacional que propaga ter vendido 20 milhões de exemplares no mundo todo, sobretudo com a promoção de Jesus Cristo a autor de auto-ajuda, o maior de todos eles - segundo diz nosso herói. Nesse caso, a fonte plagiada foi a Bíblia. Mas essa pode, não é verdade? Todo mundo cita!
A linguagem de um manual é muito importante. Fale direto com o leitor, fique íntimo dele, como estou tentando fazer com você. Dirija-se aos seus problemas mais genéricos e indique, de forma bem humorada, uma solução mágica para eles, igualmente genérica. Explore o narcisismo, o individualismo e o espírito competitivo do leitor. É sucesso garantido na sociedade espetaculosa e exibicionista em que vivemos hoje.
Use também as metáforas e exemplos da vida cotidiana, como faria um sábio chinês daquele tipo que citei antes. Fale da irritação do leitor por não ter dinheiro como se fosse uma espécie de engarrafamento no trânsito, algo difícil, mas banal e fácil de superar. Basta não bater o carro e achar um caminho alternativo. Qualquer um! Mas, acima de tudo, dê esperança de que tudo tem uma solução.
Seja otimista, critique o próximo, não o leitor, e não deixe de dizer que tudo não passa de um problema de atitude e de falta de vontade. Se você mobilizar esses dois comportamentos, como acontece em todo manual de auto-ajuda, tudo vai-se resolver e você será rico e feliz. Pode não acontecer na realidade, mas nos manuais, em  todos eles, tudo dá certo no final.
Caso não consiga essa força de vontade para escrever como sugiro, não perca as esperanças: terceirize. Hoje está na moda terceirizar tudo. Chame alguém para escrever por você, um P.J. desses que se multiplicam por aí. Exija confidencialidade e vá ganhar dinheiro, ficar rico! Você merece!
*Reinaldo Lobo é psicanalista e articulista. Tem um blog: imaginarioradical.blogspot.com

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