quinta-feira, 21 de maio de 2015

Homem e mulher, até certo ponto

Sam e Yollie são um casal transexual que luta para conseguir a igualdade de direitos.

Por Ana Salvá*   
“Nos gostamos como um casal heterossexual”, dizem Sam e Yollie. Ela, estrela do pop convertida em política, nasceu no corpo de um homem; enquanto que ele, em um de mulher. Dois anos depois de começarem sua relação, ambos lutam para conseguir o reconhecimento de suas novas identidades, casar-se e considerar a opção de adotar um filho. “Nossa relação não é um amor adolescente, pensamos no nosso futuro”.
Na Tailândia, um país que recebe todos os anos o concurso de Miss Universo para transexuais e onde as mudanças de sexo são anunciadas no jornal, os direitos deles estão muito distantes de serem iguais aos dos demais homens e mulheres. As pessoas transexuais não são reconhecidas legalmente. Inclusive depois de uma operação de mudança de sexo completa, como as de Sam e Yollie, continuam com seu gênero de nascimento na carteira de identidade e não podem se casar: o matrimônio entre uma pessoa transexual e um homem ou uma mulher é considerado homossexual e é proibido pela lei.
“Legalmente não podemos nos casar da forma que somos. Sam seria minha mulher e eu seu marido. Se adotarmos um filho, Sam será a mãe e eu o pai. Acha que quero me casar como marido ou Sam como mulher? Acha que quero ser o pai?”, questiona Yollie, que lidera sua luta pela igualdade por meio da Associação Feminina para Transexuais, da qual é presidenta. No ano que vem a entidade passará a se chamar Associação para Pessoas Transexuais, para que outras pessoas como Sam possam fazer parte.
A história entre eles dois foi de amor à primeira vista. “Quando o conheci fiquei em choque. Tinha visto outros transexuais masculinos no Youtube, mas nunca na Tailândia. Quando o vi pela primeira vez ao entrar na associação pensei, uau! Organizamos vários encontros casuais, foi assim que começamos a nos conhecer um ao outro”, diz Yollie.
O Governo tailandês estuda a possibilidade de reconhecer pessoas transexuais na Constituição como um terceiro gênero
A associação que ela comanda estima que na Tailândia vivem cerca de 5.000 transexuais, mas esses cálculos são muito conservadores e o número real pode ser bem maior. Ao contrário da vizinha Malásia, na Tailândia eles podem expressar sua identidade publicamente sem medo de perseguição. A sociedade, de maioria budista, os tolera. Mas não os aceita. De acordo com o princípio do karma, considera-se que foram adúlteros em suas vidas passadas, e por isso receberam como castigo nascer preso a um corpo que não é o seu, sendo condenados ao amor não correspondido. “Esse não é o paraíso para as pessoas transexuais, o país ganhou essa reputação porque muitos estrangeiros vêm operar atraídos pelos bons preços e pela medicina de qualidade”, afirma o conhecido cirurgião Preecha Tiewtranon.
Os obstáculos que enfrentam não acabam ao passar pelo centro cirúrgico. Após a operação, seus documentos de identidade não demonstram quem realmente são e ficam excluídos da educação, do emprego e dos serviços sociais, de acordo com estudo publicado pelo programa da ONU sobre a AIDS em 2014. Seus problemas aparecem sempre que precisam apresentar sua carteira de identidade, seja para abrir uma conta bancária, viajar para o exterior ou procurar um emprego, porque os empregadores preferem evitar problemas se outra pessoa pode ser contratada. “Podemos trabalhar em duas ou três coisas: maquiadora, artista de cabaré e, a última opção, trabalhadoras do sexo”, denuncia a representante da comunidade transexual tailandesa. “Algumas carreiras precisam de uniforme, um para os homens e outro para as mulheres. Me pedem para usar roupa de homem. Como vou usar roupa de homem? Como Sam vai usar roupa de mulher?, diz Yollie.
Para poder validar sua identidade feminina, em uma determinada ocasião Yollie falsificou seu documento oficial, mesmo sabendo que estava fazendo algo ilegal. “Me prenderam em uma prisão de homens por várias horas antes de ir a julgamento, e temi pelo que poderia acontecer se eu ficasse lá”, conta. O código penal tailandês não reconhece seu órgão como uma vagina e, no caso de estupro, não poderia apresentar denúncia contra ninguém.
O Governo tailandês estuda a possibilidade de reconhecer pessoas transexuais na Constituição como um terceiro gênero, para não identificá-las como homem ou mulher. Mas não se considera a troca do gênero de nascimento nos documentos oficiais. “Só quero que nos reconheçam. Eu sou uma mulher e Sam é um homem. A aprovação do terceiro gênero é apenas um primeiro passo”, afirma Yollie.
Ciência estuda forma para transexuais se reproduzirem
As pessoas transexuais poderiam ter filhos no futuro. “Hoje em dia se faz transplante de útero, o primeiro foi realizado com sucesso na Suécia há dois anos”, conta o doutor Preecha Tiewtranon, autor de cerca de 4.000 transformações em seus mais de 30 anos de carreira.
“Em nossos primeiros casos conseguimos criar os grandes lábios, a uretra e a vagina. Com o tempo acrescentamos os pequenos lábios e o clitóris”, diz. Uma operação de transformação de homem para mulher tem uma duração de quatro horas e custa 8.000 euros na clínica do doutor Preecha. A cirurgia de mulher para homem é mais delicada, pode levar mais de um ano e o preço chega aos 35.000 euros.
“Hoje em dia o que não podemos é dar a possibilidade de procriação, mas estamos trabalhando nisso. Temos feito algumas pesquisas, mas o risco é muito alto. Se os médicos prestarem mais atenção aos transexuais, surgirão mais inventos”, diz o cirurgião.
Uma entrevista com Sam e Yollie. Veja o vídeo:
*Ana Salvá escreve para o El País.

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